Como esperado, o movimento Alto Grande Vitória, que desde sábado (6) ocupa prédio do antigo Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários (IAPI), no Centro de Vitória, festejou a decisão liminar da Justiça Federal, expedida nessa quarta-feira (10), que negou a reintegração de posse pedida pela União, proprietária do imóvel.
O juiz federal Rodrigo Reiff Botelho determinou um prazo de 15 dias para que a União e o movimento elaborem um plano de desocupação e realocação das cerca de 300 famílias que, até esta quinta-feira (11), estavam no prédio. O juiz determinou também que a partir desta quarta-feira (10) seja proibido o acolhimento de mais famílias.
A decisão judicial significa, sobretudo, a primeira grande vitória da ocupação desde seu início, em abril.
“É uma vitória de quem está desempregado, vivendo essa crise social e que, de certo modo, não tem para onde ir. Eu acredito que a nossa caminhada pode ter sido uma caminhada difícil, desde a ocupação do Alto Grande Vitória, fomos reivindicar nosso direito na Casa do Cidadão, caminhando pacificamente, sem nenhum conflito. Comemoramos muito essa vitoria nesse primeiro momento, mas acho que a gente tem muita caminhada pela frente”, destaca Tim Funk da Paz, um dos organizadores do movimento.
“Tenho fé de que a sociedade está ciente desse problema social. O problema da violência está relacionada à família. Uma família estruturada não gera desigualdade, não gera crimes. Acredito que o problema da habitação resolveria muito essa questão da desigualdade social, a questão da criminalidade”, completa.
Na manhã desta quinta, Tim e outras cerca de 20 pessoas, entre homens e mulheres, estavam com máscara higiênica no rosto no quinto andar do Edifício Presidente Vargas, que tem 12 pavimentos. Era o início do trabalho de limpeza dos 22 cômodos do local e continuação da ocupação gradativa do prédio.
O trabalho das vassouras levantava uma poeira densa que dominava todo o corredor. Aos poucos, um monturo de pó preto e entulho – lâmpadas quebradas, vidros, canaletas, teclados de computador – foi ao reunido no centro do corredor para ser depositado em sacos ou caixas. O trabalho seguinte era lavar assoalho e paredes e conduzir a água imunda com rodos para escoamento escada abaixo.
É um serviço de limpeza já executado nos segundo, terceiro e quarto andares, cujos cômodos já estão ocupados com barracas e colchões. Esse avanço já reorganizou a ocupação: a área comum no primeiro andar, ocupada os dois primeiros dias, foi esvaziada e se consolidou como cozinha, área de lazer das crianças e local de reuniões. À entrada, um cartaz na parede informa os horários de café da manhã, almoço, jantar e descanso.
Os cômodos no térreo são destinados às famílias recém-chegadas, que, para obter um lugar nos andares superiores, devem ajudar na limpeza. “Para vocês estarem lá, alguém limpou para vocês”, diz Tim à Juscely Soares, entregando-lhe uma máscara higiênica. Juscely acabara de chegar com quatro dos seis filhos, com quem, além do marido e uma neta, mora em uma casa de quatro cômodos em Santo Antônio. O aluguel de R$ 480 está atrasado há quatro meses. “Até que a dona é compreensível. Mas a gente sabe que tem que quitar, né?”, explica, que mantém um trailer de lanches em Santo Antônio.
Juscely é a única na casa que trabalha. O marido, autônomo, é tuberculoso e está afastado desde dezembro de qualquer serviço. Máscara na mão, ela se volta com os filhos para o corredor, rumo à escada. O dia vai ser longo.
A ocupação pede doações de fraldas, produtos de limpeza e alimentos não perecíveis.
Decisão
Na decisão, o juiz federal Rodrigo Reiff Botelho destaca que “a retirada imediata e liminar das pessoas que ocupam o imóvel lhes causará dano de grandes proporções, eis que não se tem notícia concreta nos autos acerca de um possível remanejamento dos indivíduos para abrigo ou outro local apropriado, de forma que estes, em sua grande parte pessoas humildes e sem condições de prover seu sustento, serão novamente desalojados, ficando desprovidos do mínimo existencial que assegure sua sobrevivência”.
Continua: “Assim, no caso, ao menos em sede liminar, sem oitiva da parte contrária, parece-me necessário fazer prevalecer o direito constitucional à moradia (art. 6º, CF) até que se alcance uma solução razoável e mitigadora de prejuízos, de forma a permitir que os indivíduos que já se encontram alojados no edifício até a data desta decisão nele permaneçam, de forma provisória”.
O juiz evoca a destinação do prédio para projeto de moradia popular, que, defende, no entanto não apresentou avanços. “O que se sabe – e isso é de conhecimento público – é que o edifício encontrava-se há anos esvaziado e em estado de semi-abandono, sem sinais de manutenção externa e interna”.
Foi determinado um prazo de 15 dias para que a união e o movimento elaborem lista dos ocupantes que já se encontram no imóvel na data da decisão (quarta-feira, 10), proibindo a entrada de outras para fins de ocupação; promovam o cadastramento dos atuais ocupantes em programa(s) de habitação, com apoio de órgãos públicos.
Foi determinado ainda que União e movimento promovam a desocupação preservando os direitos constitucionais dos ocupantes, devendo estes ser realocados em locais “adequados à sua sobrevivência digna”; e apresentar nos autos um plano de desocupação coordenado, com previsão de datas de desocupação e realocação das famílias que realmente não possuem moradia, com auzílio de órgãos públicos municipais e federais.