Falta de transparência, dados inconsistentes, apuração primária de custos, análises sem tratamento estatístico. Com indícios robustos de irregularidades nos cálculos de revisão tarifária do sistema de transporte público de Vitória, o Ministério Público de Contas (MPC) pediu a suspensão imediata do reajuste dos ônibus e o retorno da tarifa ao valor anterior até uma decisão final do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Para o órgão, não há dados que justifiquem o reajuste efetuado em janeiro, quando a tarifa dos ônibus convencionais saltou de R$ 2,70 para R$ 3,15.
As ações confirmam que a Secretaria Municipal de Transportes, Trânsito e Infraestrutura Urbana (Setran) ainda é a fonte dos problemas do prefeito Luciano Rezende (PPS) e, sobretudo, mostram como a secretaria trabalha para resguardar o lucro dos empresários que operam o transporte público de Vitória. E confirmou, ainda, que as reuniões para discussão de tarifa do Conselho Municipal de Transporte e Trânsito (Comuttran) são meros referendos aos interesses das concessionárias.
A representação do MPC questiona, especialmente, a metodologia utilizada pela Setran para o cálculo da “tarifa básica”, chamada “Planilha Geipot”. O método prevê que a tarifa é o produto do rateio do custo total dos serviços entre os passageiros pagantes, em que a quilometragem percorrida, o número de passageiros transportados e o custo total são os elementos essenciais para o cálculo.
Aqui mora o problema: para o MPC, apesar da simplicidade aparente, o método exige precisão na coleta dos dados, exigindo exatidão quanto a passageiros transportados e quilômetros percorridos. “A confiabilidade do cálculo da tarifa depende necessariamente da perfeita apuração dos custos e despesas do sistema e da confiabilidade dos dados operacionais”, diz o documento. Essa perfeição, no entanto, passou longe das planilhas encaminhadas pela Setran ao órgão.
O órgão, por exemplo, classifica como “inaceitável” a existência de seis diferentes números da quantidade de passageiros equivalente, “que impacta diretamente no cálculo da tarifa de transporte cobrado aos passageiros”, quatro fornecidos pela Secretaria Municipal de Transportes, Trânsito e Infraestrutura Urbana (Setran) e outro pelo sindicato das empresas de transportes (Setpes).
Destaca também que Setran apura o preço de insumos como óleo diesel, lubrificantes, graxa e elementos de rodagem em apenas quatorze notas fiscais, algumas expedidas em 2015. Aqui, diz o órgão, ficou demonstrada “a falta de acesso do órgão público ao sistema contábil das empresas, previsto no Regulamento, e a inobservância de técnicas estatísticas”.
O documento dá outro exemplo: a comparação entre os preços de insumos informados pela SETRAN e pelo Setpes apresentam variação que chegam a 165%, como o óleo de caixa (R$ 5,58/litro, segundo a Setran e R$ 14,95/Litro, segundo a Setpes), o que, diz o texto, “confirma a falta de acesso do órgão público ao sistema contábil das empresas, fonte primária dos dados exigidos”.
A mesma falta de transparência foi indicada nas reuniões do Conselho Municipal de Transporte e Trânsito (Comuttran), em janeiro de 2016 e em janeiro de 2017. Em ambas, membros do conselho pedem acesso às planilhas de estudos da Setran com antecedência para análise. Na reunião deste ano, o então chefe da Setran, Oberacy Emmerich Júnior, chegou a afirmar que não tinha o documento em mãos.
“O que se observa no ato administrativo combatido é que não há o mínimo de documentos que justifique o aumento, as informações prestadas são incompatíveis entre sí, não há motivação real para o injustificável aumento, mas mero formalismo apresentando uma tabela com os novos valores a vigorar. Só. A planilha fornecida é mero formalismo para um assunto tão sério e que afeta milhares de usuários do sistema”, diz o texto.
“[…] a ausência de critério dos requeridos na concessão do reajustamento, como já exaustivamente mencionado em linhas atrás, não indica os detalhes e bases conceituais que justificam o aumento, as memórias de cálculo, a composição de preços, o número de usuários afetados e transportados, em especial, e tantas outras informações relevantes para aferir a adequação do reajuste, nos termos da lei”, continua.
É o segundo revés da gestão Luciano Rezende (PPS) na área de transporte público. No último dia 3, a prefeitura foi intimada de uma decisão da 5ª Vara da Fazenda Pública Estadual determinando que o prefeito de Vitória Luciano Rezende (PPS) faça melhorias no sistema Porta a Porta, programa municipal de transporte público para pessoas com deficiência. O município deve incrementar veículos à frota e fixar agendamento mínimo de dois dias.