quinta-feira, dezembro 26, 2024
28.8 C
Vitória
quinta-feira, dezembro 26, 2024
quinta-feira, dezembro 26, 2024

Leia Também:

Colibris de Santa Teresa pedem socorro

Cada estado brasileiro tem sua ave símbolo. O beija-flor-de-orelha-violeta (Colibriserrirostris) representa o Espírito Santo, onde mais de 95% das espécies de beija-flores da Mata Atlântica podem ser encontradas. E é nesse rico cenário que se destaca Santa Teresa – a cidade dos beija-flores, cujo histórico remete à presença de quase todas as espécies capixabas. 
 
Historicamente, a principal característicaque fez da região de Santa Teresa um expoente da biodiversidade global foi a convergente influência de suas regiões perimetrais ao longo de 50 milhões de anos– especialmente da Hiléia Baiana, do Litoral Fluminense e da Serra da Mantiqueira.
 
Já a presença de uma rica fauna e flora nos dias de hoje em Santa Teresa é creditada às suas matas nativas, em especial à Rebio Augusto Ruschi (3.500 ha), Estação Biológica de Santa Lúcia (440 ha) e Parque Natural Municipal de São Lourenço (265 ha). Todavia, essas áreas de proteção, por si só, não respondem por toda riquezada região, de modo que a verdadeira eficiência ambiental de Santa Teresa vem do efeito conjunto desses maciços, gerado graças a um sistema de mosaico de fragmentos florestais que os intercalam e mesmo conectam. Cada um desses fragmentos, representados por matas em propriedades rurais particulares, desempenha fundamental papel no sustento da complexa teia ecológica na região. 
 
Estudos de longa duração revelam que a gradual destruição dos fragmentos de mata teresense está causando empobrecimento da fauna silvestre – verdadeiras substituições de raridades da fauna local por espécies invasoras, que se beneficiam de ambientes devastados. Conforme uma analogia feita pelo Professor Edward Willis e sua esposa, Yoshika Oniki, os “picassos” da fauna estão sendo trocados por meras “garrafas de coca cola”. Das 34 espécies de beija-flores conhecidas para Santa Teresa, apenas 23 têm sido registradas recentemente no município, sendo 16 delas comuns e sete pouco comuns. Outras 12 espécies de beija-flores não têm sido vistas no município há períodos que variam de 10 a 40 anos.
 
O histórico ambiental teresense retrata a superação de um desastroso caminho que levaria à aniquilação de toda sua fauna e flora nativa: marcante uso do solo para plantio de café desde a colonização em 1875; perduração de matas nativas torna-se criticamente comprometida em meados do século XX; esforços conservacionistas de Augusto Ruschi impedem a devastação das matas nativas do município, protegidas por ele próprio até seu falecimento em 1986; meio ambiente teresense chega ao século XXI amparado por leis ambientais mais elaboradas junto a agendas ambientais administrativas. 
 
Em contrapartida, o retrato da realidade dos beija-flores da cidade dos beija-flores evidencia o anúncio de tragédia ambiental, exprimindo mais uma vez urgência de ações para que a riqueza da natureza de Santa Teresa seja poupada.  
 
Santa Teresa precisa recuperar seu equilíbrio ambiental. Essa é uma responsabilidade do teresense. Não se trata de uma missão fácil, dispomos de um grande exemplo. Corrigir erros, como um sistema de tratamento de esgoto ineficiente e ausência de policiamento ambiental permanente, parecem ser um bom começo. 
 
Uma vez que o “barco” parar de “afundar”, poderemos aperfeiçoar a “navegação”. Por exemplo, parcerias com o próprio Cadastro Ambiental Rural (CAR) podem amparar os proprietários rurais teresenses para que seus fragmentosde mata cumpram sua importante função no mosaico ambiental do município de forma planejada. 
 
Tenho certeza de que quando alcançarmos esse equilíbrio, haverá em Santa Teresa um dos maiores festivais do país – ao som de Jazz e bossa… saboreado à moda da casa… brindado com vinho da terra. O meio ambiente e o teresense merecem!
 
PARÁBOLA
• • • – – – • • • (representação gráfica do canto dos beija-flores de Santa Teresa, gravado em maio de 2017, na varanda do extinto Museu de Biologia Prof. Mello Leitão).
 

Piero Ruschi é Biólogo, doutor em zoologia pelo Museu Nacional/UFRJ, atuante nas áreas de Biodiversidade Genética, Evolução, Conservação da Natureza e Responsabilidade Socioambiental

Mais Lidas