quinta-feira, novembro 28, 2024
30.5 C
Vitória
quinta-feira, novembro 28, 2024
quinta-feira, novembro 28, 2024

Leia Também:

Histórias de vida de um apaixonado por Vila Velha

Fotos em preto e branco: acervo Instituto Histórico e Geográfico de Vila Velha (IHGVV)/Casa da Memória

Gether Lima não é um historiador, mas um apaixonado por Vila Velha, estudioso, curioso e que conta como ninguém a história da cidade, fundada em 1535, quando da chegada de Vasco Fernandes Coutinho, primeiro donatário da Capitania do Espírito Santo, na Prainha. A história de vida e de família deste canela-verde, no entanto, começa da chegada do bisavô por essas terras, no início do século 20.

 
O bisavô, João Tomaz Macieira de Souza chegou ao município no início do século passado para trabalhar como técnico têxtil na fábrica de tecidos de Inhoá. Em 1912, exerceu a função de prefeito. Durante o mandato construiu, no Largo da Matriz, na Prainha, local hoje compreendido entre as praças da Bandeira, Almirante Tamandaré e Igreja do Rosário, o coreto – onde ocorriam todas as festividades do município – e plantou as 12 palmeiras, representando os 12 apóstolos.

 
A missa que celebrou os 400 anos de Vila Velha (foto acima), na mesma praça, aconteceu na gestão do avô de Gether, Francisco de Almeida Lima, em 1935. Ele era agrimensor, de Ouro Preto, e veio para o Estado para demarcar a tríplice fronteira região norte: entre Bahia, Minas Gerais e Espírito Santo.
 
O mesmo avô de Gether foi um dos líderes da primeira emancipação de Vila Velha, em 1934, que na época era ligada a Vitória. No ano seguinte, foi feito prefeito, com a posse marcada pela reprodução da chegada da caravela Glória à Prainha há 400 anos.
 

A história da família de Gether é enraizada na região. Além do pai, outros tios foram vereadores. Mas não é só na política que a família se destaca, são todos apaixonados pelo município e defendem a memória da cidade, seja na reprodução das fotografias antigas em pinturas exibidas nas paredes da casa adquirida na década de 1960, ou na fundação da Casa da Memória, que viria a se tornar Instituto Histórico e Geográfico de Vila Velha (IHGVV) anos mais tarde.

 

Gether se emociona ao contar a história da infância e juventude e ressaltar a importância da preservação da memória do município. Participa da Casa da Memória com amigos, colegas de infância, historiadores e outros apaixonados pela cidade há 20 anos, na ânsia de preservar o sítio histórico e arqueológico que o Parque da Prainha representa. A Casa da Memória de Vila Velha está localizada em um imóvel histórico na Rua Luciano das Neves, na Prainha, e tem uma exposição permanente, contando a história da colonização de Vila Velha. O espaço também abriga exposições temporárias, sendo que todas enaltecem o município e, principalmente, mantêm viva a memória da cidade.

O perímetro do sítio histórico e arqueológico de Vila Velha foi delimitado recentemente e vai da região que compreende a Rua Castelo Branco até a Rua Luísa Grinalda, circundando Prainha e adjacências. No entanto, no levantamento feito, constatou-se que faltavam equipamentos que contassem a história do município – até mesmo o Convento da Penha estava fora dessa delimitação – então, foram incluídos diversos pontos turísticos nesse perímetro.

O desejo dos membros do IHGVV é transformar o Parque da Prainha em um museu a céu aberto, que conte a história da colonização do Estado. Gether aponta para a importância, também, de divulgar a história riquíssima de Vila Velha nas escolas. “Somos a segunda Capitania Hereditária do Brasil; temos a igreja mais antiga do País em atividade eucarística, a Igreja do Rosário; temos o Convento da Penha, que foi o primeiro convento mariano (construído em devoção a Maria por franciscanos) – os franciscanos construíram outros, mas, no País, até então, não havia um convento em louvor à Nossa Senhora das Alegrias. Precisa de um trabalho mais consistente e integrado com a população. O instituto tem essa função, que é divulgar a história e a cultura de nosso município, que é onde nasceu o Estado”, conta ele.

Ele também ressalta que é necessária uma política pública para o conhecimento desses ícones, como o Forte São Francisco Xavier da Barra, que era um fortim e que a partir de 1700 foi reformado.

Gether também conta que pouca gente sabe que o grande navio pirata de Cavendish foi impedido de entrar na baía de Vitória através do Forte de Piratininga, durante o governo de Luísa Grinalda, que foi a primeira e única mulher a governar uma capitania no Brasil. Essa incumbência foi dada a ela depois da morte do marido, Vasco Fernandes Coutinho Filho, em 1589, já que, como não havia filhos para suceder-lhe, coube à esposa o papel de gerir a capitania.

Gether brinca que até a rua onde mora é praticamente uma “capitania hereditária”. “Os imóveis vão passando de geração em geração, a minha casa está na segunda geração. As pessoas não querem sair porque é muito aconchegante e rico, ao lado da Igreja do Rosário e do Convento da Penha. É um lugar mágico, que transmite energia, onde nasceu Vila Velha”, emociona-se.

Ele também se lembra do processo de crescimento de Vila Velha, que se deu pela Rodovia do Sol e pelo loteamento da Praia da Costa, na década de 1980, culminando na construção da Terceira Ponte. “Eu sou da época em que pegava a bicicleta, ia até o Guruçá [um dos primeiros edifícios da orla de Vila Velha] e ia até Itapuã caminhando pela restinga, catando pitanga, coquinho do mato, para pescar manjuba” relembra Gether, que continua. “Minha infância passei pescando com meu pai no Canal da Costa, passando a rede e pegando siri, caranguejo, camarão, a região era de manguezal. A Barrinha, entre o Morro do Moreno e o 38º Batalhão de Infantaria, no encontro da maré, dava muita tainha. Eu tenho saudade do tempo em que a gente nadava na Praia da Costa, na antiga Casa do Navio, vinha salgado da praia, mergulhava no Canal da Costa para tirar o sal antes de ir para casa”. Nesse momento, as lágrimas teimam cair.

Mais do que uma região que guarda memória afetiva, que por tempos chegou a ser negligenciada, a Prainha, para uma boa parcela da população, representa um resgate da história do município, tanto que em 2017, depois de muitos anos, as festividades do feriado de Colonização do Solo Espírito-Santense, na próxima terça-feira (23), voltam a acontecer no bairro histórico.

Mais Lidas