Gether Lima não é um historiador, mas um apaixonado por Vila Velha, estudioso, curioso e que conta como ninguém a história da cidade, fundada em 1535, quando da chegada de Vasco Fernandes Coutinho, primeiro donatário da Capitania do Espírito Santo, na Prainha. A história de vida e de família deste canela-verde, no entanto, começa da chegada do bisavô por essas terras, no início do século 20.
A história da família de Gether é enraizada na região. Além do pai, outros tios foram vereadores. Mas não é só na política que a família se destaca, são todos apaixonados pelo município e defendem a memória da cidade, seja na reprodução das fotografias antigas em pinturas exibidas nas paredes da casa adquirida na década de 1960, ou na fundação da Casa da Memória, que viria a se tornar Instituto Histórico e Geográfico de Vila Velha (IHGVV) anos mais tarde.
O perímetro do sítio histórico e arqueológico de Vila Velha foi delimitado recentemente e vai da região que compreende a Rua Castelo Branco até a Rua Luísa Grinalda, circundando Prainha e adjacências. No entanto, no levantamento feito, constatou-se que faltavam equipamentos que contassem a história do município – até mesmo o Convento da Penha estava fora dessa delimitação – então, foram incluídos diversos pontos turísticos nesse perímetro.
O desejo dos membros do IHGVV é transformar o Parque da Prainha em um museu a céu aberto, que conte a história da colonização do Estado. Gether aponta para a importância, também, de divulgar a história riquíssima de Vila Velha nas escolas. “Somos a segunda Capitania Hereditária do Brasil; temos a igreja mais antiga do País em atividade eucarística, a Igreja do Rosário; temos o Convento da Penha, que foi o primeiro convento mariano (construído em devoção a Maria por franciscanos) – os franciscanos construíram outros, mas, no País, até então, não havia um convento em louvor à Nossa Senhora das Alegrias. Precisa de um trabalho mais consistente e integrado com a população. O instituto tem essa função, que é divulgar a história e a cultura de nosso município, que é onde nasceu o Estado”, conta ele.
Ele também ressalta que é necessária uma política pública para o conhecimento desses ícones, como o Forte São Francisco Xavier da Barra, que era um fortim e que a partir de 1700 foi reformado.
Gether também conta que pouca gente sabe que o grande navio pirata de Cavendish foi impedido de entrar na baía de Vitória através do Forte de Piratininga, durante o governo de Luísa Grinalda, que foi a primeira e única mulher a governar uma capitania no Brasil. Essa incumbência foi dada a ela depois da morte do marido, Vasco Fernandes Coutinho Filho, em 1589, já que, como não havia filhos para suceder-lhe, coube à esposa o papel de gerir a capitania.
Gether brinca que até a rua onde mora é praticamente uma “capitania hereditária”. “Os imóveis vão passando de geração em geração, a minha casa está na segunda geração. As pessoas não querem sair porque é muito aconchegante e rico, ao lado da Igreja do Rosário e do Convento da Penha. É um lugar mágico, que transmite energia, onde nasceu Vila Velha”, emociona-se.
Ele também se lembra do processo de crescimento de Vila Velha, que se deu pela Rodovia do Sol e pelo loteamento da Praia da Costa, na década de 1980, culminando na construção da Terceira Ponte. “Eu sou da época em que pegava a bicicleta, ia até o Guruçá [um dos primeiros edifícios da orla de Vila Velha] e ia até Itapuã caminhando pela restinga, catando pitanga, coquinho do mato, para pescar manjuba” relembra Gether, que continua. “Minha infância passei pescando com meu pai no Canal da Costa, passando a rede e pegando siri, caranguejo, camarão, a região era de manguezal. A Barrinha, entre o Morro do Moreno e o 38º Batalhão de Infantaria, no encontro da maré, dava muita tainha. Eu tenho saudade do tempo em que a gente nadava na Praia da Costa, na antiga Casa do Navio, vinha salgado da praia, mergulhava no Canal da Costa para tirar o sal antes de ir para casa”. Nesse momento, as lágrimas teimam cair.
Mais do que uma região que guarda memória afetiva, que por tempos chegou a ser negligenciada, a Prainha, para uma boa parcela da população, representa um resgate da história do município, tanto que em 2017, depois de muitos anos, as festividades do feriado de Colonização do Solo Espírito-Santense, na próxima terça-feira (23), voltam a acontecer no bairro histórico.