Na prática, porém, no dia a dia do campo, no Espírito Santo e em todo o País, as famílias acampadas – à espera de seu lote para garantir a moradia, o trabalho e a produção de alimentos saudáveis, muitas vezes por anos a fio – recebem, na verdade, tratamento discriminatório e violento por parte do Estado, o mesmo que deveria lhe prover o direito constitucional da Reforma Agrária.
Nas audiências de conciliação, por exemplo – ou seriam reuniões de pressão e intimidação?, relata Ednalva Moreira Gomes, da coordenação estadual do MST -, a Polícia Militar e outros representantes do poder estatal nunca discutem a Reforma Agrária ou o que fazer com as famílias acampadas. “A pergunta é sempre: “Quando vocês vão sair?’', conta a liderança camponesa.
As audiências de conciliação acontecem quando o proprietário – ou posseiro, no caso de terras devolutas – recorre à Justiça reivindicando reintegração de posse do imóvel ocupado pelas famílias sem terra. Raramente, nesses momentos, o juiz prioriza o cuidado com as famílias e o encaminhamento da Reforma Agrária, como bem ressalta o defensor público Vinicius Lamego de Paula.
“Os juízes geralmente defendem a propriedade da terra”, afirma, ressaltando que o trabalho da Defensoria Pública, nesses processos, consiste basicamente em sensibilizar os juízes, principalmente em estados como o Espirito Santo, que não possuem uma Vara Agrária.
O advogado explica ainda que os processos geralmente emperram na inoperância do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que, mesmo sendo formalmente solicitado, não realiza os estudos sobre produtividade das terras reivindicadas, o que dá margem para que os juízes optem por respaldar o argumento dos supostos proprietários e decidam pela expulsão dos acampados.
“A Reforma Agrária está relacionada ao direito à vida. Direito à moradia, ao alimento, ao trabalho e à vida. Não é só um pleito do MST, mas da população em geral, porque envolve a segurança alimentar. O agronegócio produz exportação, não é para alimentar a população”, argumenta Vinícius.
Data marcada
Dois acampamentos estão ameaçados neste mês de julho, com reintegrações de posse agendadas pela Justiça: o Fidel Castro, em Conceição da Barra, para o dia 11, e o Ondina Dias, em Nova Venécia, para o dia 18.
A reintegração de posse no Fidel Castro já foi adiada três vezes pela Justiça. No local, vivem, desde outubro de 2016, cerca de 200 famílias. Já o Ondina Dias foi formado em abril deste ano e nele vivem 300 famílias, sendo que 100 não possuem moradia nem emprego, não tendo para onde ir caso a reintegração seja consumada.
A área, chamada de Fazenda Neblina, está sob posse de Inácio Américo Rodo, mas é administrada pela família Altoé, que pretende viabilizar uma espécie de loteamento da propriedade, para venda de sítios de fim de semana, a elevados preços, a serem adquiridos principalmente por moradores da capital.
O imóvel está localizado no Córrego Serra de Cima, próximo à Pedra do Elefante, e possui muitas áreas verdes e de Reserva Legal, propício para a produção orgânica e agroecológia de alimentos, bem ao gosto do MST e como já vem sendo desenvolvido em assentamento próximo, em Córrego Alegre.
Nova Venécia tem outro acampamento, o Antonio Conselheiro, na Fazenda Barão Genética. Segundo informações coletadas pelo MST na região, a proprietária do imóvel, que é improdutivo, tem uma dívida de R$ 27 milhões com o Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes). A reivindicação do Movimento é que a área seja desapropriada ou comprada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), visto que o Espírito Santo não pode realizar vistorias nem desapropriações até dezembro de 2017, devido ao Estado de Alerta instituído com a escassez hídrica.
Em todo o Estado, existem hoje cerca de mil famílias acampadas, aguardando assentamento.