Presidente da Associação de Moradores de Jardim Camburi e membro do Conselho Municipal do Plano Diretor Urbano (CMPDU) desde 2014, Enock Sampaio Torres diz que só tomou conhecimento do projeto de loteamento de uma área de 80 mil metros quadrados na área da Infraero pelos jornais. “Fomos pegos de surpresa. Em nenhum momento esse projeto apareceu no âmbito do Conselho. Soube pela entrevista da secretária”, diz Enock.
A entrevista a que se refere foi concedida ao jornal A Gazeta no último dia 8 pela secretária municipal de Desenvolvimento da Cidade, Lenise Loureiro. Segundo projeções, o terreno, que hoje abriga uma viçosa mata, pode receber prédios e shoppings e incrementar uma população de cinco mil pessoas ao bairro mais populoso do Espírito Santo. É justamente isso que preocupa os atuais moradores.
O loteamento localizado às margens da Rodovia Norte-Sul é um fator novo à luta da comunidade para encontrar, a partir da revisão do atual PDU, um ponto de equilíbrio entre a viabilidade econômica e a qualidade de vida. Jardim Camburi repensa o próprio crescimento desde o início do processo de revisão, em 2014, e desde então os moradores manifestam a intenção de limitar a altura dos prédios para frear a expansão desordenada do bairro.
A minuta do PDU reflete esse desejo, propondo um modelo de escalonamento que limita a altura dos prédios na região interna em até 10 andares. O atual PDU estabelece 20 andares de altura máxima.
O loteamento, no entanto, surpreende a comunidade com a ameaça de relançar o bairro na voragem da especulação imobiliária – um filme que os moradores já viram. Jardim Camburi foi um dos principais focos da furiosa expansão imobiliária que varreu a Grande Vitória na última década. Os efeitos do inchaço populacional são sentidos agora – em 2000, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Jardim Camburi tinha 23.882 mil moradores; hoje, segundo Enock, são cerca de 60 mil.
A unidade de saúde Raul Oliveira Neves resume toda a aflição local: foi inaugurada há 26 anos, quando Jardim Camburi contava com 18 mil habitantes. A população triplicou, mas a unidade continua a mesma. A educação também acusa o golpe da explosão demográfica. “Hoje são 400 pessoas na fila de espera dos Cmeis”, diz Enock, referindo-se à luta de moradores para matricular os filhos em uma das três unidades dos centros municipais de educação infantil.
A mobilidade urbana também é foco de apreensão. Enfrentar o trânsito das ruas Carlos Martins, Fortunato Abreu Gagno e José Celso Cláudio em horário de pico matutino e vespertino é um teste de paciência. A frota veicular, claro, acompanhou o crescimento demográfico.
Os moradores têm razão para se preocupar. Jardim Camburi continua sendo o bairro campeão do crescimento imobiliário em Vitória. Segundo o mais recente Censo Imobiliário do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Espírito Santo (Sinduscon-ES), de junho passado, a cidade registrava 3.058 unidades em construção, dos quais 1.622 estavam no bairro. É o triplo do registrado na Região 5 (Barro Vermelho, Enseada do Suá, Praia do Suá, Praia do Canto, Santa Lúcia), a segunda colocada, com 537 unidades em construção.
O mesmo censo traz um sintomático eufemismo. O documento publica os resultados de pesquisa Entraves Lançamentos Imobiliários 2016 na Grande Vitória. No caso da capital capixaba, registra oito principais motivos que travaram novos empreendimentos. Em terceiro lugar, os empresários elegeram o ítem “Plano Diretor”, cuja descrição é “PDM muito restritivo”.
Aí se entende a euforia com que o empresariado acolheu a boa nova do loteamento em Jardim Camburi. A área está em processo de permuta entre a Infraero e a Sociedade imobiliária Aliança.
Um protesto contra o desmatamento da região está marcado para este domingo (16) em Jardim Camburi. Com o mesmo objetivo foi criado um abaixo-assinado na internet. Os moradores de Vitória podem fazer sugestões para a minuta do novo PDU. Os moradores podem consultar a proposta de lei com seus 332 artigos e 21 anexos e fazer contribuições até 2 de agosto neste link.