O juízo da 4ª Vara de Fazenda Pública de Vitória recebeu ação indenizatória contra o Estado pela morte de uma interna no Centro de Detenção Provisória Feminino de Viana (CDPFV), ocorrida em 14 de novembro de 2015. Priscila Rocha Santa Clara estava presa provisoriamente há três meses – apesar de ser ré primária, ter residência fixa, estar empregada e ter supostamente cometido crime de menor potencial ofensivo – e não suportou as condições do cárcere, tirando a própria vida.
Priscila foi recolhida no sistema prisional inicialmente em março de 2015. Ela estava presente em uma operação policial em que foram presas diversas pessoas sem que, contudo, fosse encontrada nenhuma droga ilícita com ela. Ela ficou 15 dias no CDPFV e foi liberada.
A mãe de Priscila, Andreza de Souza Rocha, conta que a filha não era usuária de drogas – como, inclusive, consta no prontuário médico de Priscila – e levava uma vida normal. A vida continuou depois dessa prisão e ela entrou na faculdade e começou a trabalhar em uma empresa de importação e exportação em Vila Velha, tendo sido promovida, quando, inesperadamente, foi novamente presa em 1 de setembro do mesmo ano por, supostamente, ter a possibilidade de interferir nas investigações.
Andreza conta que a família, de origem humilde, foi pega de surpresa com a nova prisão, incluindo Priscila, que acreditava que o processo dela havia sido arquivado. Durante o tempo em que permaneceu no CDPFV, Priscila escreveu cartas para a mãe e os familiares em que relatava as condições da prisão.
Apesar de sequer ter sido presa na posse de entorpecentes, ela foi colocada em uma cela com internas que aguardavam julgamento por crimes de maior potencial ofensivo. No entanto, as queixas de Priscila nas cartas se referiam ao tratamento dispensado às internas pelos inspetores penitenciários.
A mãe de Priscila, somado ao horror de ter de lidar com o fato de a filha ter tirado a própria vida, ainda teve de descobrir que, dentro do corpo da filha, havia cartas ainda não enviadas em que a filha relatava mais um episódio de violência ocorrido no CDPFV.
Ela relatou que uma mulher havia morrido na unidade em 11 de novembro por falta de atendimento médico e as presas chutaram as chapas de metal para chamar a atenção para o fato. Posteriormente, ocorreu uma operação em que colocam as internas todas agachadas, o chamado “procedimento”, e atiravam gás e balas de borracha nas internas. No relato, Priscila dizia que não estava mais aguentando.
A carta dizia que Priscila estava com os dois pés inchados de tanto chutar o “chapão”. “E isso é só uma das coisas, quatro horas no procedimento sem poder se mexer, é gente dando crise de epilepsia e a gente sem poder ajudar. Eu fico no castigo só por ajudar à Santa que dá convulsão e crise de asma. Se eu e as meninas não carregar, elas deixam se batendo no chão, a gente ajuda e toma mais tiro de CS [gás lacrimogêneo]”.
A morte de Priscila provocou abalos profundos na família. A mãe e a tia, Andreia Rocha Seidel, que também ajudou a criar Priscila, se mudaram de Cariacica para Guarapari, para ficar próximas da avó. Andreza, que trabalhava em um supermercado, deixou o emprego e não consegue mais trabalhar. Ela ainda sente a dor de perder a filha aos 23 anos e não consegue voltar ao mercado. “Tiraram minha filha do trabalho e entregaram num caixão”, lamenta.