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Pesquisa mostra insegurança e ausência de soberania alimentar em Sapê do Norte

A falta de soberania e segurança alimentar que massacram as comunidades quilombolas do Sapê do Norte, entre os municípios de São Mateus e Conceição da Barra, norte do Estado, são umas das consequências diretas do “imprensamento” do seu território tradicional pelo avanço do deserto verde formado por eucaliptais e canaviais.

Essa é uma denúncia que vem sendo feito há muitos anos pelas próprias comunidades e que foi ouvida pelo governo federal a partir de 2008, quando a região recebeu duas missões – a segunda em 2013 – da Comissão Especial de Direito Humano à Alimentação Adequada, ligada à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

As visitas técnicas geraram relatório que aponta a necessidade de titulação do Território Quilombola do Sapê do Norte para o restabelecimento, entre outras violações de direitos, da ausência de segurança e soberania alimentar.

Na área acadêmica, essa abordagem aportou logo depois, por meio de um projeto de pesquisa pioneiro na comunidade do Angelim 1, em que a então mestranda Isabela Leão Ponce Pasini investigou essas relações em sua dissertação Conflito territorial e soberania alimentar: um estudo de caso na comunidade quilombola Angelim 1, Sapê do Norte, apresentada em um debate na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) nesta quinta-feira (27).

“É bem óbvio, mas é a primeira vez que, na Geografia, se fala disso”, relata a professora de Geografia da Universidade Federal de Viçosa, Marilda Telles Maracci, participante das bancas de seminário e defesa da dissertação.

População reduzida a 10%

“A questão do Angelim é uma questão do Sapê do Norte”, adverte Isabela, enfatizando que todas as mais de trinta comunidades quilombolas resistentes hoje no Território Tradicional – a população já foi de 60 mil pessoas, hoje está reduzida a cerca de seis mil – sofrem com essa violação de direito.

Endossando o que já alegam a Comissão Quilombola, as organizações não governamentais que apoiam a causa e o próprio governo federal, a acadêmica afirma que a perda do território vai além da perda da terra, do espaço da terra, mas é também a perda dos bens naturais – e não apenas dos recursos naturais – “e de toda a relação cultural com o território, inclusive as práticas alimentares”, conta Isabela, que levantou essas práticas antes e depois da chegada da Aracruz Celulose (atual Fibria).

“Ouvi relatos dos mais velhos, contando sobre córregos que não existem mais, onde se pescava e tomava água, outros que ainda existem, mas de tão poluídos não podem ser usados”, exemplifica. 

 

Além da pesca, a caça também foi seriamente comprometida, bem como a própria agricultura, em decorrência da morte das fontes de água, da destruição das matas e da contaminação de todo o ambiente com agrotóxicos.

O resultado é que, apesar do crescente resgate da agroecologia e dos esforços independentes de recuperação florestal promovido pelas comunidades, a base da sua alimentação, hoje, vem da compra de produtos externos, que necessitam de renda, o que é outro problema, já que o mesmo imprensamento e descaracterização do território dificulta também a geração de renda pelos habitantes do Sapê no Norte.

O caminho da vida ou o caminho da morte?

A titulação do território em favor das comunidades tradicionais quilombolas é uma medida essencial, que precisa ser realizada pelo governo federal, mas que atingiu menos de 10% da demanda em nível nacional. “Houve certificação de algumas, mas a titulação não sai, é absurdamente atrasada”, reclama Isabela.

Marilda avalia que a ameaça ao território e à segurança alimentar quilombola é uma ameaça à sobrevivência humana no planeta. “Essas comunidades são guardiãs daquilo que há de melhor na experiência humana. Têm contradições como qualquer outra, mas quais estratégias elas utilizam pra resolver suas questões? Os ritos, as místicas, tão desprezados pela Ciência, é o que há de mais grandioso nesses guardiães e a permanência deles, no mundo inteiro, demonstra que essa ética e essa grandeza estão vivas dentro de nós”, argumenta.

“É isso, essa ética, ou o caminho da morte, da destruição. E se é pela vida que a gente pulsa, então faz mais sentido essa escolha”, diz, ressaltando que se trata, sim, de um conflito de racionalidades, de visões de mundo, e que a visualização das mudanças ocorridas naquele território ajuda a enxergar qual caminho é o do pulsar da vida: a floresta, a abundância de água e de alimentos e uma população saudável, forte e que vive de forma a conservar esses bens naturais; ou um deserto verde, que esgota os mananciais, contamina o solo, concentra a posse da terra – hoje cerca de 80% das terras agricultáveis de Conceição da Barra estão nas mãos das empresas produtoras de celulose, cobertas pela monocultura de eucalipto – e condena à pobreza seus habitantes, a serviço da concentração de renda nas mãos de corporação multinacionais que poucos dividendos – comparativamente aos seus milionários lucros – retornam ao Estado e à sociedade?

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