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Moro num país moralista e venal

De tudo que se escreveu sobre a sentença do juiz Sergio Moro condenando Lula a 9,5 anos de prisão por supostamente receber propina em espécie — um apartamento triplex no Guarujá  cuja propriedade não lhe pertence –, resta apenas uma conclusão: o ex-presidente está gloriosamente absolvido, só faltando que se troque o Sim pelo Não na longa sentença, coisa que provavelmente será feita por um trio de desembargadores do TRF-4 de Porto Alegre.
 
Ao escorregar na falta de provas, o juiz deixou aberta a porta que  desmoraliza a Operação Lava Jato, criada para fazer justiça, não para justiçar unilateralmente. Começa a fazer falta nos tribunais superiores alguém com coragem para colocar no devido lugar os moralistas do Judiciário. O juiz Moro cevou-se em preconceitos difundidos por procuradores igualmente vingativos, excedeu-se no pré-julgamento e por fim enfiou o pé na cabeça da jararaca, como se ela fosse um reles ratinho.
 
Pode-se argumentar que Lula deu aval e fez vista grossa a atitudes de dirigentes petistas que se comportaram permissivamente na administração de cargos públicos, na gestão de verbas de campanhas eleitorais e outras “maracutaias” mais ou menos explícitas. Sem deixar de lado o Mensalão, tudo indica que o problema começou quando os moralistas se incomodaram ao ver cenas estranhas como o tesoureiro Delubio Soares fumando charutos em restaurantes chiques das grandes capitais. Ou o marqueteiro Duda Mendonça exibindo-se com um vinho francês Romanée Conti numa mesa de bar. Ficou ridículo quando um petista do Ceará foi pego num aeroporto com um maço de cédulas dentro da cueca. Ridículo e infame. Uma vergonha.   
 
Recém-chegados ao poder, petistas, petófilos e petralhas acreditavam ser normal agir ostensivamente como o fizeram tucanos do calibre de Sergio Motta, que tratorava nos bastidores do governo FHC ao mesmo tempo em que o pemedebista Eliseu Padilha surfava nas vias competentes do Ministério dos Transportes do tucanato. Isso para não falar de episódios menores em governos estaduais e prefeituras de capitais.
 
Olhando a cena política brasileira de cima, um juiz imparcial tenderia a se comportar como se apitasse um jogo disputado por forças equivalentes. Empate. Para a opinião pública, seria extremamente didático ver que, a cada petista condenado por corrupção, a Justiça mandaria para a cadeia um tucano, um pemedebista e um pefelista, um demo ou um pepista, pois gente de quase todos os partidos participou de alguma falcatrua no âmbito da administração pública.
 
O povo concorda que é preciso punir corruptos e corruptores, mas sabe que condenar Lula é uma injustiça quando outros ex-presidentes ou grandes mandatários não são molestados em suas aposentadorias douradas. FHC pode não ter sujado as mãos diretamente mas deu aval ou fez vista grossa à compra de deputados cooptados para votar nessa ou naquela emenda parlamentar. O mesmo vale para José Sarney, Fernando Collor e até para Dilma Rousseff, que desprezava os políticos mas tinha emissários agindo em seu nome no Congresso venal.
 
A compra de votos nas bases e nas cúpulas é prática contumaz na história do Brasil. Em alguns casos, rola dinheiro. Em outros, entram cargos e favores como uma concessão de rádio, a construção de uma obra numa fazenda do interior ou uma isenção para importação de papel de imprensa ou equipamentos industriais.
 
É possível que na sua autossuficiência após oito anos na presidência, Lula tenha cedido a algum canto de sereia, mas não foi provado que se atirou ao mar (de lama). Ele já foi acusado de deslumbrado, mas nunca passou recibo de bobo.
 
O caso do triplex do Guarujá talvez possa ser explicado assim: imaginem um menino de sete anos que saiu de Garanhuns com a família e desceu de um caminhão pau-de-arara no litoral paulista. A maior cidade ali era Santos, o porto mais rico do Brasil. Pegando a balsa para o chique balneário do Guarujá, qualquer um sonharia morar naquele paraíso.
 
Vivendo em Vicente Carvalho, a vila pobre que se formou junto ao ponto da balsa no lado do Guarujá, Lula certamente imaginou que um dia quem sabe moraria naquele reduto dos vencedores da guerra paulista pela sobrevivência.
 
Ele fez bicos por ali antes de estudar no Senai e assumir um emprego como metalúrgico da Villares. Ao ingressar no sindicato de sua classe trabalhadora, conheceu uma viúva chamada Marisa; casaram-se, tiveram filhos e sonhos. Passados mais de 30 anos, ei-los juntos em São Bernardo do Campo, ela desfrutando das glórias vãs de ex-primeira dama, ele viajando pelo Instituto Lula.
 
É possível que nas suas conversas os dois rememorassem as fantasias infantis dos tempos do Guarujá. É provável que Marisa, como administradora da poupança familiar, tenha pensado numa aposentadoria dourada com o marido no lado rico do Guarujá, aliás um balneário que foi perdendo o charme diante da evolução dos sonhos dos ricos paulistas, que migraram para outros paraísos tipo Comandatuba, na Bahia.
 
Conversa vai, conversa vem, pode ser que o casal tenha andado passeando na orla paulista e chegou a olhar um apê  ofertado por uma cooperativa habitacional que por excesso de inadimplentes acabou repassando-o para uma construtora chamada OAS, fundada por um genro de Antonio Carlos Magalhães, o vice-rei do Brasil no tempo da ditadura militar.
 
Voltas que o mundo dá para chegar ao mesmo lugar: o apê virou um triplex que passou a representar aquele recanto ideal para receber familiares e amigos, promover encontros políticos e festas com gente da melhor sociedade… Marisa tocou o negócio achando que no final tudo acabaria bem, pois tinha um marido capaz de dar nó em pingo d’água.
 
Na hora H, quando a água começou a ferver e Lula chegou para ver em que pé estava o negócio, Marisa foi obrigada a tirar o time de campo. Provavelmente ficou furiosa e bateu o pé por perder tempo em conversa fiada de gigolôs de verbas públicas.
 
Como foi publicado na mídia escandalosa, a ex-primeira dama só faltou ser presa. Acabou morrendo em fevereiro passado sob pressão do moralismo justiceiro que não tolera ver a ascensão social dos pobres. Lula perdeu a companheira e está tendo de provar o pão que o Diabo mandou amassar pelas mãos de um juiz à cata de sucesso.  
 
 LEMBRETE DE OCASIÃO
 
“Quem vai em caça, perde o que não acha…”
 
Guimarães Rosa

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