O Decreto, publicado quinze anos após a promulgação da Constituição Federal, inaugurou uma base jurídica consistente para garantir o direito à terra, historicamente negado no país, a essas populações tradicionais. Mesmo após sua publicação, no entanto, passados 14 anos, a maioria dos territórios quilombolas existentes no Brasil ainda não foram reconhecidos. No Espírito Santo, das mais de trinta comunidades, apenas uma foi titularizada, recentemente, em Ibiraçu, norte do Estado.
A anulação do decreto, portanto, certamente tornaria a luta quilombola por seus territórios ainda mais difícil e as comunidades ainda mais fragilizadas diante da Justiça e da lei. “Pode representar um retrocesso de séculos”, alerta a educadora Daniela Meireles, da Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), uma das ONGs mais ativas na defesa dos direitos dos quilombolas e outros povos tradicionais do país, inclusive no Espírito Santo.
Um retrocesso, complementa a educadora, não só para as populações negras descendentes dos quilombos, mas para toda a sociedade. “Esse processo de Adin pelo DEM corrobora com essa tese de que a terra é para brancos e grandes produtores do agronegócio, que serve apenas para parte da sociedade e não toda a sociedade. Isso é uma declaração de que a terra tem cor. E a cor que o DEM defende é a cor branca”, protesta.
Se o decreto cair, explica, o STF estará assegurando o racismo institucionalizado no país. “Perdemos todos com isso. A sociedade como um todo, que tem lutado de diversas formas, para que esse racismo colonial seja rompido de uma vez por todas”, diz.
“Nós estamos firmes na luta e vamos continuar lutando”, afirma Katia Penha, quilombola de Divino Espírito Santo, em São Mateus, membro da coordenação nacional da Conaq e que já está em Brasília, com outros militantes, peregrinando nos gabinetes de políticos, ministros do Executivo e do Judiciário, pedindo para que as autoridades “olhem com carinho para a questão”.
A última audiência foi com Gilmar Mendes e já há outras agendas marcadas. Mas nenhum apoio efetivo foi conquistado da bancada capixaba no Congresso Nacional, nem da Assembleia Legislativa. Por ora, artistas como Lázaro Ramos, Osmar Prado e Ícaro Silva e organizações como a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) têm se somado como porta-vozes da causa.
No dia 15 haverá uma vigília em Brasília, junto com lideranças indígenas, que se solidarizam com a luta quilombola. É preciso apoio para levar mais representantes quilombolas a Brasília até o dia 15. A luta continua. “Nós estamos vivos e não vamos permitir que mais direitos sejam tirados”, afirma Katia.
Processos já estão sendo paralisdos
O julgamento da ADI teve início em 2012 e já recebeu dois votos: um a favor e outro contra. No dia 16, é preciso que seis dos onze atuais ministros votem a favor dos quilombolas. O Instituto Socioambiental abriu a petição online “O Brasil é Quilombola – Nenhum Quilombo a Menos” em seu site, com um vídeo assinado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
Na página, enfatizam o fato de 75% dos quilombolas viverem, ainda, em situação de extrema pobreza. E alertam sobre a possibilidade todos os títulos de quilombos no país serem anulados. “O futuro das comunidades está em perigo. Novas titulações não serão possíveis sem o decreto. Mais de seis mil comunidades ainda aguardam o reconhecimento de seu direito”, informa.
A educadora da Fase ressalta que, apenas esse único voto favorável ao DEM, já tem paralisado muitos processos de titulação, pois os confrontantes com os territórios quilombolas – na maioria latifundiários produtores do agronegócio, que no caso capixaba se fazem representar principalmente pela monocultura de eucaliptos para exportação de celulose pela Aracruz Celulose (Fibria) e Suzano – têm utilizado os argumentos jurídicos do então ministro Cezar Peluso para obstruir o andamento de várias pedidos de titulação dentro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Daniela exorta a importância histórica do apoio à não aprovação da ADI do DEM no dia 16 de agosto. “Essas comunidades são a expressão máxima da liberdade conquistada por eles. Os quilombolas são aqueles que não sei deixaram escravizar e que buscaram em seus territórios a sua liberdade. E os quilombos são isso: essa liberdade com organização social própria, religião, costumes, culinária. É fundamental que toda a sociedade reconheça essa resistência quilombola nos seus territórios e a importância deles para o Brasil como um todo”.