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Em Vitória, Boulos faz críticas ao poder imobiliário, ao governo Temer e às esquerdas

Em palestra para cerca de 100 pessoas no auditório do Museu Capixaba do Negro (Mucane), no Centro de Vitória, o dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e liderança nacional da luta por moradia, Guilherme Boulos, explicou limpidamente por que tantas famílias ocupam terrenos e prédios vazios Brasil afora. 
 
“Não é uma escolha, é uma falta de escolha”, sintetizou, na tarde desta quinta-feira (10). O evento foi promovido pela Frente Povo Sem Medo. 
 
“As pessoas pouco se dispõem a perguntar o que é que leva alguém a ir para uma ocupação. Morar de favor, num cômodo de fundo, não ter como pagar um aluguel, ser despejado. Morar numa área de risco. Essa é uma situação de milhões de brasileiros”, começou.
 
Para Boulos, a moradia precária não são casos isolados. São, antes, frutos de uma forma específica de organização das cidades. “Desde a formação das cidades brasileiras, sempre que há uma expansão urbana, uma expansão imobiliária, isso é apropriado por poucos e expulsa a maioria. A expansão na maioria das vezes significa expulsão”, completou.
 
A introdução preparou o terreno para ele desvendar a lógica ainda vigente do desenvolvimento urbano no Brasil, que coloca o planejamento das cidades a cargo do poder imobiliário e não do poder público. Boulos reconheceu o crescimento econômico registrado nos anos dos governos petistas. Mas ressalvou que, do ponto de vista habitacional e urbano, a prosperidade foi desigual.
 
“Quando se tem um modelo de desenvolvimento em que o centro é dar crédito para as construtoras, para as empreiteiras, essa turma pega a grana que ganha e compra terra – hoje no Brasil praticamente não há terra pública nas cidades, porque foi ou grilada, lá atrás, ou comprada pelas grandes construtoras. O que acontece quando só o setor privado, só as construtoras, têm a terra? Acontece que elas mandam o que vai acontecer nas cidades. Porque a condição de fazer política urbana é ter terra. Isso é o básico”.
 
Um processo que engendrou a brutal especulação imobiliária registrada no Brasil entre 2008 e 2014. Segundo Boulos, a valorização da terra nas capitais brasileiras chegou a 200% em média. Uma valorização que expulsa os mais pobres. Em especial, quem não tem moradia própria e paga aluguel.
 

“Se valoriza uma região e chega um transporte público, um metrô, numa região que antes era na periferia, para quem não tem casa própria, a primeira coisa que vai acontecer é a expulsão. Quando o metrô chega na periferia, a periferia foge do metrô, porque o aluguel aumenta, todo o custo de vida naquela região aumenta”.

 
Resultado: as famílias são lançadas para as bordas das cidades e novas periferias se formam.
 
Boulos destaca a importância de instrumentos de controle e regulação social como o Estatuo da Cidade e o IPTU progressivo para conter a lógica vigente de desenvolvimento urbano no Brasil. 
 
“As cidades quando crescem desse jeito, sem que o poder público tenha controle, quem determina o crescimento é a construtora. E ela vai fazer isso com base no lucro, não na inclusão. A cidade termina por se formar uma grande máquina de criar sem-teto”. 
 
Ele teceu elogios com ressalvas a outro rebento da era petista. Agora para mostrar que se resolve o falta de moradia sem reconfigurar a lógica vigente de organização urbana. Embora com problemas, um dos quais ser fonte de lucro das construtoras, o Minha Casa, Minha Vida (MCMV) preencheu um vácuo de 20 anos nos programas federais de moradia popular. 
 
Em 2008, destacou, um ano antes do lançamento do programa, o déficit habitacional brasileiro registrava 5,3 milhões de famílias. Em 2012, quando o MCMV já havia erigido 1 milhão de casas, o déficit não recuara. Pelo contrário: saltou para 5,8 milhões de famílias. 
 
“O ritmo de produzir novos sem-teto – pelo despejo, pelo aumento do aluguel, pela lógica da especulação – foi mais alto do que o ritmo de construir moradias. Então, não adianta pensar só em construir moradia sem combater a lógica que tira moradia das pessoas”.
 
Por isso, concluir, as ocupações cresceram tanto no Brasil. Em São Paulo, os movimentos triplicaram entre 2013 e 2014 em relação aos anos anteriores.
 
Governo Temer e as esquerdas 
 
“O golpe foi para aplicar um projeto, aplicar uma agenda, que não foi eleita pelo povo brasileiro e não seria eleita pelo povo brasileiro. Imagine vocês o sujeito chegar e falar: o meu projeto é acabar com a aposentadoria, é destruir direito trabalhista e é congelar gasto com saúde e educação. Alguém votaria nesse cidadão?”.
 
Boulos também pintou um cenário desalentador para as demandas sociais no governo Michel Temer (PMDB). Ao mesmo tempo, apontou a saída para a esquerda nacional se reconciliar com os eleitores: retornar às bases. Ou, popularmente, sujar o pé de barro.
 
“É um projeto de desmonte nacional para destruir o país e destruir direitos sociais. è isso que está sendo aplicado no Brasil. Não podemos ter meias palavras no momento porque é gravíssimo o momento histórico que estamos vivendo. Em um ano, eles estão demolindo os três pactos nacionais que foram construídos durante um século”, disse, sobre a gestão Temer.
 
O primeiro pacto se refere aos programas sociais e às políticas de valorização do salário mínimo dos governos petistas – “com todos os seus limites, não tocaram nos privilégios históricos da nossa classe dominante”. Ressaltou que, este ano, os dissídios de quase todas as categorias foram fechados abaixo da inflação.
 
O segundo pacto solapado é a Constituição de 1988, que garantia uma oferta pelo estado de uma rede mínima de proteção social, como saúde pública, educação pública e previdência social. Classificou como “Des-Constituinte”, a PEC 55, aprovada ano passado e que restringe gastos públicos por 20 anos. “Aquilo revogou a Constituição de 88”.
 
O terceiro é o pacto varguista, com o desmonte da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada por Getúlio Vargas, pela Reforma Trabalhista aprovada mês passado. “Foi revogada a CLT com a Reforma Trabalhista. Vão completar, se conseguirem, com a Reforma da Previdência, que querem votar de novo”.
 
Boulos alertou que o cenário de recessão jogou para mais longe reivindicações que já pareciam distantes. “A crise social agrava a crise urbana. Se já estava difícil quando tinha algum tipo de investimento, em transporte, por exemplo, embora muito abaixo do necessário… E agora que secou tudo? As cidades brasileiras pouco a pouco vão virando um barril de pólvora”.
 
O líder do MTST crê que as reformas do governo Temer acenderam um pavio que inexoravelmente vai estourar. “A crise social vai estourar no Brasil e vai estourar essencilamernte a partir das periferias. Há um bolsão de desempregados cercando as cidades”. Os movimentos por moradia sentem os efeitos: Boulos conta que, em maio, mil pessoas ocuparam um terreno em Guarulhos, região metropolitana de São Paulo, em uma ação do MTST. Três semanas depois a ocupação registrava seis mil pessoas.
 
“Não sei se vai acontecer daqui a um ano, daqui a cinco anos. O que eu sei é que nós temos que estar no lugar certo e preparados para essa história”, disse.
 
Ao final, convocou a esquerda a uma autocrítica. “Nós fizemos a lição de casa nos últimos anos? Nós fomos fazer o trabalho de base? A maioria não”, questionou, após reconhecer que o processo de impeachment de Dilma Rousseff transcorreu sem resistências significativas. “A maior parte da esquerda, e mesmo dos movimentos sociais, ficou querendo disputar espaço em governo, achando que eleição resolvia todo o problema”.
 
A esquerda, em suma, abandonou a luta “pelas pequenas demandas dos bairros”: aqui avultou o papel das igrejas evangélicas e neopetencostais nas periferias. 
 
“E na política não existe espaço vazio. Quem ocupou os espaços nas periferias foram essencialmente as igrejas evangélicas e neopetencostais. Fez o que a esquerda deixou de fazer. Foram, algumas com interesses inconfessáveis, se enraizar no povo. Olha o resultado. Hoje mobilizam e se tornaram uma força incrível na sociedade brasileira”.
 
Boulos sublinhou que a maioria das famílias das ocupações do MTST são evangélicas. “E vejam, não é evangélico que fica esperando as coisas caírem do céu. São daqueles que levam pneu para as rodovias para lutar contra o Temer, para lutar por moradia”.
 
Ele também criticou com elegância o preconceito das esquerdas com os evangélicos. Certo dia, perguntou a uma companheira de ocupação de 60 anos: “Por que você está na igreja?”. Simples. “Estou na igreja porque nunca na minha vida tinham lembrado do meu aniversário”, respondeu a mulher. 
 
“A gente pode achar isso pouco coisa, uma besteira. Mas enquanto a gente está achando isso uma besteira, a maioria do povão lá fora está achando nossas conversas uma besteira”. Foi aplaudido. Para ele, a esquerda tem uma dificuldade incrível: construir espaços onde as pessoas se sintam bem.

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