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Megaoperação foi baseada em mandados de busca ilegais

A propalada megaoperação executada nesta quinta-feira (17), no bairro Jesus de Nazareth, em Vitória, pela Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), numa ação conjunta das polícias Civil e Militar, e com apoio da Polícia Federal, foi baseada em uma prática ilegal e violadora de direitos humanos. A operação, que teve duração de oito horas, teve início antes das 6h da manhã, com interdição de parte da Avenida Beira Mar para a incursão no bairro.
 
Mais do que a tentativa de demonstrar que o ambiente interno das polícias Civil e Militar não é de insatisfação – quando sabe-se que o tensionamento nas duas polícias está agravado, principalmente depois da paralisação da PM em fevereiro deste ano –, a operação, que mais uma vez não entregou os resultados esperados, serviu para mostrar à sociedade que o aparato do Estado está a posto, em uma ação mais midiática do que efetiva.
 
Em menos de dois meses, essa foi a terceira operação policial feita nos mesmos moldes. A primeira foi no conjunto habitacional Ourimar, na Serra; e a segunda na poligonal 9 (Bairro da Penha). Nas três ocasiões, a Sesp usou de mandados de busca e apreensão coletivos para entrar nas casas dos moradores indiscriminadamente.
 
A advogada criminalista, mestre em Segurança Pública, Rovena Furtado Amorim, aponta que o mandado coletivo é ilegal. “Um mandado de busca e apreensão serve justamente para um ato específico e informa ao cidadão que os direitos fundamentais dele serão violados porque o Estado tem uma fundada suspeita de crime”. Ela acrescenta que quando se tem um mandado coletivo, que é genérico, o Estado está infringindo todos os tratados internacionais de direitos humanos, bem como a Constituição Federal e o próprio código de processo penal. “E para, além disso, está declarando oficialmente que não tem fundada suspeita e, portanto, precisa de um instrumento coletivo pra tentar achar algo não definido. É um abuso de autoridade e um gasto de dinheiro público desnecessário”.
 
Além da ilegalidade nos mandados coletivos, a advogada também salienta que há a criminalização da pobreza com essas ações. Rovena lembra que, a partir do momento em que se tem uma operação com base em um mandado coletivo ilegal, há a declaração estatal de que só existe crime na periferia – haja vista que as três megaoperações feitas em dois meses foram em bairros periféricos –, o que não é verdade. “Todos nós cometemos crimes todos os dias. Há uma vasta legislação criminal que muitas vezes não é de ciência da população. A desculpa, portanto, é o combate ao crime, mas o que ocorre é a criminalização da periferia, seja por violar seus direitos fundamentais, pelo aprisionamento da juventude negra, ou com operações midiáticas, envolvendo mais de 400 policiais, que no fim das contas só serve para estigmatizar e criminalizar a periferia”.
 
Os mandados genéricos não deveriam sequer ter sido expedidos pela Justiça e podem ser contestados, já que não são aceitos judicialmente e considerados nulos pela jurisprudência do Superior Tribunal Justiça (STJ), justamente por ferirem tantas regras de direito nacional e internacional “O Estado não pode combater a ilegalidade se utilizando de práticas ilegais e criminosas”, ressalta Rovena.
 
A advogada e militante de direitos humanos afirma que a operação “nada mais é do que uma estratégia midiática, tais quais as masmorras, para mostrar que está tudo bem, doa a quem doer, violência direito a quem violar”.
 
Ela acrescenta que a seccional capixaba da Ordem dos Advogados do Brasil só se atentou para essa ilegalidade nesta quinta-feira, sendo que faz dois meses que o Estado e o Judiciário estão violando direitos. “O Estado Policial sempre existiu na periferia para a manutenção do Estado Democrático de Direito, esse modelo que só concede direitos a determinadas pessoas que não estão na periferia.  É importante frisar que a maioria das políticas de segurança pública servem a esse Estado Policial e servem, infelizmente, a criminalização da periferia ou ao extermínio dela”, completa a advogada.
 
Outros casos
 
No Rio de Janeiro também foram feitas operações de busca e apreensão “coletivas”, mas estas foram consideradas ilegais. Os mandados de busca e apreensão coletivos foram pedidos depois que um helicóptero da Polícia Militar caiu na Cidade de Deus, em novembro de 2016. Ao autorizar o ato, a juíza Angélica dos Santos Costa afirmou que “em tempos excepcionais, medidas também excepcionais são exigidas com intuito de restabelecer a ordem pública”.
 
No entanto o relator do recurso no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), o desembargador Paulo Baldez, destacou que não há previsão legal para tal. “O mandado de busca domiciliar coletivo e generalizado não possui respaldo legal, como consta o Código Penal, bem como que a ponderação de interesses como a segurança pública e a inviolabilidade do domicílio do cidadão”, informou ao conceder habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública do Rio.
 
O certo, segundo Rovena, seria a Defensoria Pública do Espírito Santo – que tem um Núcleo de Direitos Humanos atuante e competente para essas ações – fazer como a Defensoria do Rio e impetrar habeas corpus coletivo na tentativa de questionar a validade da ordem diante da quantidade de violações existentes. No entanto, a Defensoria precisa ser demandada para que isso aconteça.

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