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O byronismo e a poesia romântica de Álvares de Azevedo

Temos o poeta Álvares de Azevedo inserido na segunda geração romântica da poesia brasileira junto com o popular Casimiro de Abreu, cujo lirismo mais simples e acessível teve maior entrada no público com a sua poesia intimista e que não tinha uma veia agressiva, sendo mais afeita aos saraus e salões, além de Junqueira Freire, mas foi Álvares de Azevedo quem exerceu a maior influência no que veio depois na poesia brasileira.

 

A face byroniana de Álvares de Azevedo foi o fator precípuo de sua grande influência na literatura nacional, sobretudo das gerações que surgiriam depois dele na Academia de Direito de São Paulo, nos levando a uma reflexão direta do que foi a presença ilustre de Lord Byron na poesia brasileira e mundial, poeta inglês que se tornou conhecido internacionalmente em 1812, com a publicação da primeira parte de seu longo poema narrativo intitulado Childe Harold's Pilgrimage, e que teve sua evolução com trabalhos como The Giaour de 1813, A noiva de Abydos, dentre outros.

 

A característica de Byron, seu estilo, era a de nos apresentar um tipo de herói angustiado, descrente, tentando ser uma exceção no mundo, com digressões sentimentais prolixas e enfadonhas que hoje nos parecem supérfluas e datadas. Tal face byroniana também pôde evoluir para um outro lado com sua obra Don Juan de 1819, em que o poeta e escritor revelava uma tendência irônica e mordente que também foi objeto de imitação por outros poetas e artistas.

 

Contudo, o byronismo não se limitava ao aspecto literário, ou no que se refere a sua obra escrita, pois tínhamos também a influência das histórias contadas sobre a vida de Lord Byron, em que se citavam as orgias que aconteciam em sua residência na Inglaterra e na Itália. O byronismo então era mais do que um estilo literário, mas uma filosofia de vida e uma moda febril em que vários poetas e escritores se tornaram seus imitadores, para o bem e para o mal. Sendo, por conseguinte, o poeta inglês a maior figura literária de sua época, o símbolo máximo do romantismo, era fundamentalmente o ideal romântico perseguido pelos demais escritores e pessoas que receberam a sua influência.

 

E temos então Álvares de Azevedo como um representante exemplar do romantismo brasileiro, e que tem sua face revelada em trabalhos como Noite na Taverna, e que tem aí também umas das manifestações do byronismo no Brasil, o que significava uma literatura repleta de cinismo, pessimismo, ironia, com descrições mórbidas e diabolismos de toda espécie com toques lúbricos.

 

Contudo, a vida de Álvares de Azevedo, embora perseguisse o ideal byroniano, enfrentava uma São Paulo ainda provinciana, com um tipo de sociedade acanhada em geral, com pouco horizonte intelectual e pouco apelo ao temperamento de escritores românticos como ele. Vários críticos, portanto, deploraram o contexto medíocre e insosso em que estava inserido o homem Álvares de Azevedo, cuja escrita e estro poderiam ser apenas, talvez, delírios de um poeta adolescente e que teve morte prematura, mas que teve, no entanto, tempo para dar belas contribuições à poesia e literatura brasileira em poemas como “Ideias íntimas”, “Namoro a cavalo”, “Spleen e charutos”, em que o prosaísmo e o coloquialismo também davam as caras no estilo romântico que povoava seus poemas em geral.
 
POEMAS
 
NO MAR : O poema, de temperamento e estilo românticos, tem no poeta um canto de ser amante, amoroso, e que tem na dor de amor este poeta que se tornará o exemplar mais bem ou mal acabado do ultrarromantismo da segunda geração de poetas românticos brasileiros, no que temos este então se debatendo apaixonadamente com a sua musa: “Era de noite – dormias,/Do sonho nas melodias,/Ao fresco da viração;/Embalada na falua,/Ao frio clarão da lua,/Aos ais do meu coração!/Ah! Que véu de palidez/Da langue face na tez!/Como teus seios revoltos/Te palpitavam sonhando!/Como eu cismava beijando/Teus negros cabelos soltos!”. O poema revela a visão do sono e num canto de saudade o poeta lamenta: “Como eras saudosa então!/Como pálida sorrias/E no meu peito dormias/Aos ais do meu coração!” (…) “Suspiravas? que suspiro!/Ai que ainda me deliro/Sonhando a imagem tua/Ao fresco da viração,”. Temos aqui a imagética da projeção extrema da idealização romântica, de uma intensidade que esbarra geralmente num mundo inóspito e gélido de sentimentos, no que o poema segue, com a visão de areia e de mar, para um consolo espiritual de um poeta perdido: “Como virgem que desmaia,/Dormia a onda na praia!/Tua alma de sonhos cheia/Era tão pura, dormente,/Como a vaga transparente/Sobre seu leito de areia!”.
 
O POETA : O poeta aqui se confronta tanto com seu temperamento romântico e amoroso como com sua face mórbida, flertando com o amor e com a morte, no que temos : “Era uma noite – eu dormia/E nos meus sonhos revia/As ilusões que sonhei!/E no meu lado senti …/Meu Deus! por que não morri?/Por que do sono acordei?/No meu leito – adormecida,/Palpitante e abatida,/A amante de meu amor!” (…) “Senti-lhe o colo cheiroso/Arquejando sequioso;” (…) “Um sonho do coração/Que suspirando morria!/Não era um sonho mentindo;/Meu coração iludido/O sentiu e não sonhou:/E sentiu que se perdia/Numa dor que não sabia …/Nem ao menos a beijou!”. A dor da morte nos aparece como a dor de um amor que tanto foi perdido como nunca aconteceu, restando uma idealização que adoece com o coração sucumbido de um poeta que faz um derramamento extremo, no que temos, portanto: “Não sei … Dorme no passado/Meu pobre sonho dourado …/Esperança que mentiu!/Sabem as noites do céu/E as luas brancas sem véu/As lágrimas que eu chorei!” (…) “que não esqueci/A noite que não dormi,/Que não foi uma ilusão!/Sou eu que sinto morrer/A esperança de viver …” (…) “Riríeis das esperanças,/Das minhas loucas lembranças,/Que me desmaiam assim?/Ou então, de noite, a medo/Choraríeis em segredo/Uma lágrima por mim?”. O choro aparece aqui como o estro lutando entre ideal e mundo real, armadilha tipicamente romântica.
 
QUANDO FALO CONTIGO, NO MEU PEITO : O poeta se dirige a sua mulher, seja esta aqui do mundo ou apenas uma presença etérea e poética, não importa : “Quando falo contigo, no meu peito/Esquece-me esta dor que me consome:” (…) “Que existência, mulher! se tu souberas/A dor de coração do teu amante,”. O poeta está louco, no que temos : “Sou um doido talvez de assim amar-te,/De murchar minha vida no delírio …” (…) “_ E não pude, febril e de joelhos,/Com a mente abrasada e consumida,/Contar-te as esperanças do meu peito/E as doces ilusões de minha vida!/Oh! quando eu te fitei, sedento e louco,/Teu olhar que meus sonhos alumia,/Eu não sei se era vida o que minh`alma/Enlevava de amor e adormecia!”. Ele deseja ardentemente este ideal e quer contar o que viveu e o que viu para esta amante que não está ali, mas que aqui no poema é um espanto que consome todo o poema e o estro romântico de Álvares de Azevedo, no que temos : “Tem pena, anjo de Deus! deixa que eu sinta/Num beijo esta minh`alma enlouquecer/E que eu viva de amor nos teus joelhos,/E morra no teu seio o meu viver!” (…) “Adeus, anjo de amor! tu não mentiste!/Foi minha essa ilusão, e o sonho ardente:/Sinto que morrerei … tu dorme e sonha/No amor dos anjos, pálida inocente!/Mas um dia … se a nódoa da existência/Murchar teu cálice orvalhoso e cheio,/Flor que não respirei, que amei sonhando,/Tem saudades de mim, que eu te pranteio!”. Aqui novamente a coda é o choro, sucumbir é a regra, e esta desilusão se ilude com poesia.
 
DESALENTO : O poema é um tipo de aviso, um roteiro do sentimento, do que se deve observar no coração que mora na poesia e no mundo real, e o poema segue como um tipo de caminho indicado pelo poeta, do que ele sabe e quer contar, como se fosse um ensinamento, no que temos : “Feliz daquele que no livro d`alma/Não tem folhas escritas,/E nem saudade amarga, arrependida,/Nem lágrimas malditas!/Feliz daquele que de um anjo as tranças/Não respirou sequer,/E nem bebeu eflúvios descorado/Numa voz de mulher!”. E a idealização romântica aqui já tem consciência de suas sensações surdas, já consegue fazer uma mínima ausculta do próprio coração, cujo derramamento flui com visões floridas de uma amante pautada a todo o tempo neste poema romântico, no que temos : “Quem nunca te beijou, flor dos amores,/Flor do meu coração,/E não pediu frescor, febril e insano,/Da noite à viração!” (…) “Mas, nesse doloroso sofrimento/Do pobre peito meu,/Sentir no coração que à dor da vida/A esperança morreu! …/Que me resta, meu Deus?! aos meus suspiros/Nem geme a viração,/E dentro – no deserto do meu peito/Não dorme o coração!”. Ah, no meu peito, o coração! Imagética obcecada do sentimento romântico em poesia!
 
SONETO : Este soneto nos dá um estro romântico enxuto, a virgem do mar, que dorme, portanto, é a imagem da musa que dorme, algo a se estudar na psiquê da poesia romântica de Álvares de Azevedo, e que aqui mais uma vez se revela, no que temos : “Pálida à luz da lâmpada sombria,/Sobre o leito de flores reclinada,/Como a lua por noite embalsamada,/Entre as nuvens do amor ela dormia!/Era a virgem do mar, na escuma fria/Pela maré das águas embalada!/Era um anjo entre nuvens d`alvorada/Que em sonhos se banhava e se esquecia!/Era mais bela! o seio palpitando …” (…) “Não te rias de mim, meu anjo lindo!/Por ti – as noites eu velei chorando,/Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!”. E a coda aqui mais uma vez vem com choro, mas garante um sorriso no fim.
 
POEMAS
 
NO MAR
 
Era de noite – dormias,
Do sonho nas melodias,
Ao fresco da viração;
Embalada na falua,
Ao frio clarão da lua,
Aos ais do meu coração!
 
Ah! Que véu de palidez
Da langue face na tez!
Como teus seios revoltos
Te palpitavam sonhando!
Como eu cismava beijando
Teus negros cabelos soltos!
 
Sonhavas? – eu não dormia;
A minh`alma se embebia
Em tua alma pensativa!
E tremias, bela amante,
A meus beijos, semelhante
Às folhas da sensitiva!
 
E que noite! que luar!
E que ardentias no mar!
E que perfumes no vento!
Que vida que se bebia
Na noite que parecia
Suspirar de sentimento!
 
Minha rola, ó minha flor!
Ó madressilva de amor!
Como eras saudosa então!
Como pálida sorrias
E no meu peito dormias
Aos ais do meu coração!
 
E que noite! que luar!
Como a brisa a soluçar
Se desmaiava de amor!
Como toda evaporava
Perfumes que respirava
Nas laranjeiras em flor!
 
Suspiravas? que suspiro!
Ai que ainda me deliro
Sonhando a imagem tua
Ao fresco da viração,
Aos ais do meu coração,
Embalada na falua!
 
Como virgem que desmaia,
Dormia a onda na praia!
Tua alma de sonhos cheia
Era tão pura, dormente,
Como a vaga transparente
Sobre seu leito de areia!
 
Era de noite – dormias,
Do sonho nas melodias,
Ao fresco da viração;
Embalada na falua,
Ao frio clarão da lua,
Aos ais do meu coração!
 
O POETA
 
Era uma noite – eu dormia
E nos meus sonhos revia
As ilusões que sonhei!
E no meu lado senti …
Meu Deus! por que não morri?
Por que do sono acordei?
 
No meu leito – adormecida,
Palpitante e abatida,
A amante de meu amor!
Os cabelos recendendo
Nas minhas faces correndo
Como o luar numa flor!
 
Senti-lhe o colo cheiroso
Arquejando sequioso;
E nos lábios, que entr`abria
Lânguida respiração,
Um sonho do coração
Que suspirando morria!
 
Não era um sonho mentindo;
Meu coração iludido
O sentiu e não sonhou:
E sentiu que se perdia
Numa dor que não sabia …
Nem ao menos a beijou!
 
Soluçou o peito ardente,
Sentiu que a alma demente
Lhe desmaiava a tremer:
Embriagou-se de enleio,
No sono daquele seio
Pensou que ele ia morrer!
 
Que divino pensamento,
Que vida num só momento
Dentro do peito sentiu …
Não sei … Dorme no passado
Meu pobre sonho dourado …
Esperança que mentiu!
 
Sabem as noites do céu
E as luas brancas sem véu
As lágrimas que eu chorei!
Contem do vale as florinhas
Esse amor das noites minhas!
Elas sim … eu não direi!
 
E se eu tremendo, senhora,
Viesse pálido agora
Lembrar-vos o sonho meu,
Com a fronte descorada
E com a voz sufocada
Dizer-vos baixo – Sou eu!
 
Sou eu! que não esqueci
A noite que não dormi,
Que não foi uma ilusão!
Sou eu que sinto morrer
A esperança de viver …
Que o sinto no coração! –
 
Riríeis das esperanças,
Das minhas loucas lembranças,
Que me desmaiam assim?
Ou então, de noite, a medo
Choraríeis em segredo
Uma lágrima por mim?
 
QUANDO FALO CONTIGO, NO MEU PEITO
 
Quando falo contigo, no meu peito
Esquece-me esta dor que me consome:
Talvez corre o prazer nas fibras d `alma:
E eu ouso ainda murmurar teu nome!
 
Que existência, mulher! se tu souberas
A dor de coração do teu amante,
E os ais que pela noite, no silêncio,
Arquejam no seu peito delirante!
 
E quanto sofre e padeceu, e a febre
Como seus lábios desbotou na vida,
E sua alma cansou na dor convulsa
E adormeceu na cinza consumida!
 
Talvez terias dó da mágoa insana
Que minh`alma votou ao desalento,
E consentira a virgem dos amores
Descansar-me no seio um só momento!
 
Sou um doido talvez de assim amar-te,
De murchar minha vida no delírio …
Se nos sonhos de amor nunca tremeste,
Sonhando meu amor e meu martírio!
 
_ E não pude, febril e de joelhos,
Com a mente abrasada e consumida,
Contar-te as esperanças do meu peito
E as doces ilusões de minha vida!
 
Oh! quando eu te fitei, sedento e louco,
Teu olhar que meus sonhos alumia,
Eu não sei se era vida o que minh`alma
Enlevava de amor e adormecia!
 
Oh! nunca em fogo teu ardente seio
A meu peito juntei que amor definha;
A furto apenas eu senti medrosa
Tua gélida mão tremer na minha! …
 
Tem pena, anjo de Deus! deixa que eu sinta
Num beijo esta minh`alma enlouquecer
E que eu viva de amor nos teus joelhos,
E morra no teu seio o meu viver!
 
Sou um doido, meu Deus! mas no meu peito
Tu sabes se uma dor, se uma lembrança
Não queria calar-se a um beijo dela,
Nos seios dessa pálida criança!
 
Se num lânguido olhar no véu de gozo
Os olhos de Espanhola a furto abrindo
Eu não tremia – o coração ardente
No peito exausto remoçar sentindo!
 
Se no momento efêmero e divino
Em que a virgem pranteia desmaiando
E a c`roa virginal a noiva esfolha,
Eu queria a seus pés morrer chorando!
 
Adeus! rasgou-se a página saudosa
Que teu porvir de amor no meu fundia,
Gelou-se no meu sangue moribundo
Essa gota final de que eu vivia!
 
Adeus, anjo de amor! tu não mentiste!
Foi minha essa ilusão, e o sonho ardente:
Sinto que morrerei … tu dorme e sonha
No amor dos anjos, pálida inocente!
 
Mas um dia … se a nódoa da existência
Murchar teu cálice orvalhoso e cheio,
Flor que não respirei, que amei sonhando,
Tem saudades de mim, que eu te pranteio!
 
DESALENTO
 
Feliz daquele que no livro d`alma
Não tem folhas escritas,
E nem saudade amarga, arrependida,
Nem lágrimas malditas!
 
Feliz daquele que de um anjo as tranças
Não respirou sequer,
E nem bebeu eflúvios descorado
Numa voz de mulher!
 
E não sentiu e mão cheirosa e branca
Perdida em seus cabelos,
Nem resvalou do sonho deleitoso
A reais pesadelos!
 
Quem nunca te beijou, flor dos amores,
Flor do meu coração,
E não pediu frescor, febril e insano,
Da noite à viração!
 
Ah! feliz quem dormiu no colo ardente
Da huri dos amores,
Que sôfrego bebeu o orvalho santo
Das perfumadas flores,
 
E pôde vê-la morta ou esquecida
Dos longos beijos seus,
Sem blasfemar das ilusões mais puras
E sem rir-se de Deus!
 
Mas, nesse doloroso sofrimento
Do pobre peito meu,
Sentir no coração que à dor da vida
A esperança morreu! …
 
Que me resta, meu Deus?! aos meus suspiros
Nem geme a viração,
E dentro – no deserto do meu peito
Não dorme o coração!
 
SONETO
 
Pálida à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!
 
Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d`alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!
 
Era mais bela! o seio palpitando …
Negros olhos as pálpebras abrindo …
Formas nuas no leito resvalado …
 
Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti – as noites eu velei chorando,
Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!
 

Gustavo Bastos, filósofo e escritor

Blog : http://poesiaeconhecimento.blogspot.com 

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