O crime que tirou brutalmente a vida da médica Milena Gottardi, no dia 15 último, em Vitória, como não poderia ser diferente, causou e continua causando grande comoção social. Além do choque ante a mais um episódio de violência que entra para as estatísticas de homicídios no Espírito Santo, a sociedade está indignada com os posicionamentos da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Espírito Santo (OAB-ES), que vem tendo uma conduta, no mínimo, polêmica no caso.
Os desenrolar dos fatos confirmam os “escorregões” da Ordem. Assim que as investigações se iniciaram, a polícia não precisou de muito tempo para descartar a tese de latrocínio e se concentrar na linha de crime de mando. Rapidamente, as peças do quebra-cabeça se ofereceram à polícia, que identificou o ex-sogro, Esperidião Frasson, e o ex-marido da vítima, Hilário Frasson, como os mandantes do crime. Nessa segunda-feira (25), a polícia prendeu o último suspeito de envolvimento na intermediação do assassinato da médica. Ao todo, além dos mandantes, mais cinco pessoas estão detidas.
Depois do crime consumado, a polícia agiu com celeridade e deu a resposta que a sociedade esperava ao prender os suspeitos. Os delegados que conduziram as investigações também não hesitaram em manter o policial civil Hilário como um dos principais suspeitos.
Os familiares da médica e a sociedade acompanhavam atentamente as apurações, temendo que o ex-marido de Milena pudesse ser inocentado — havia a expectativa de o pai, Esperidião, assumir o mando do crime para poupar o filho.
Em meio a esse clima de tensão, com o crime ganhando um contorno ainda mais cruel, com a iminente confirmação de que se tratava de um feminicídio tramado por pai e filho, surge no enredo o presidente da OAB-ES. Homero Mafra esteve na Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) no dia 20 de setembro, alegando que estaria averiguando o andamento do inquérito. Nas declarações à imprensa, após deixar a DHPP naquele dia, o presidente da Ordem deu a entender que o caráter da visita teria sido institucional, com o intuito de garantir a ampla defesa dos suspeitos.
Esse foi, sem dúvida, o primeiro equívoco importante de Mafra no ''Caso Milena''. Para surpresa de todos, no dia seguinte à visita à DHPP, Mafra assumiria a defesa de Hilário, justamente no momento mais delicado das investigações. Esperidião, o pai, já estava preso, e todas as evidências apontavam Hilário como coautor do mando, tanto que naquele mesmo dia (21) o policial civil seria preso.
O advogado Homero Mafra, além de ser uma “grife” no Estado na área criminalista, entrou no caso, é importante registrar, como presidente da Ordem. Mesmo que ele negue essa condição, a interpretação da sociedade é que Mafra teria usado sua posição na instituição para favorecer seu cliente.
Logo que assumiu o caso, Mafra passou a ser “notícia”. A extensa cobertura da mídia sobre o crime passou a ouvir o então advogado de Hilário, que sempre fez questão de repetir e assegurar que seu cliente é inocente.
A defesa quase “apaixonada” de Mafra é uma estratégia do advogado que não pode ser questionada. Cada um usa a arma que considera mais eficaz para tentar cobrir seu cliente com o manto da inocência. Mas, considerando a comoção social em torno do caso, seria mais prudente que Mafra não fosse à DHPP como presidente da Ordem e no outro dia se apresentasse como patrono da defesa do ex-marido de Milena. Pior, ainda chegou a cogitar na porta da delegacia que poderia assumir também o caso do pai.
Ora, se Mafra queria captar o cliente, que enviasse à DHPP outro advogado de sua banca para averiguar o inquérito ou se identificasse desde o início como advogado de Hilário.
Não bastasse a entrada controversa no caso, surgiram rumores que a diretoria da OAB teria impedido que a Comissão da Mulher Advogada, uma das 52 da OAB, acompanhasse o inquérito.
Os rumores passaram a ser tratados como fatos quando a presidente da Comissão da Mulher Advogada, Flávia Brandão, confirmou que a Ordem havia vetado que o colegiado acompanhasse o inquérito. Pressionada pela repercussão do veto, nessa segunda-feira (26), após uma reunião extraordinária da diretoria, a Ordem, por meio de sua vice-presidente, Simone Silveira, anunciou que todas as comissões estavam liberadas para acompanhar os casos que julgassem pertinentes.
A decisão apressada quis antecipar constrangimento maior, já que o Sindicato dos Advogados do Estado requereu ao Conselho Federal da OAB, também nessa segunda-feira, a cassação do ato da diretoria da seccional capixaba que vetou a atuação da comissão no crime da médica.
A subseção da OAB em Guarapari, por meio de nota, também exigiu explicações da Ordem sobre a recusa em autorizar o acompanhamento do caso pela comissão. A nota também criticou a participação do presidente da OAB-ES, Homero Mafra, na defesa de Hilário Frasson.
As críticas à OAB também se estenderam para as entidades médicas. O Sindicato dos Médicos do Espírito Santo (Simes), o Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo (CRM-ES) e a Associação Médica do Espírito Santo (Ames) divulgaram nota conjunta em repúdio ao veto da OAB.
Alguns deputados estaduais também reafirmaram as críticas à OAB-ES. O deputado Enivaldo dos Anjos (PSD) foi mais longe. Pediu a saída de Mafra da presidência da Ordem.
Por mais que Homero Mafra apresente argumentos para sustentar seu direito de exercer a defesa de Hilário Frasson, as manifestações das associações e entidades de classe repercutem a insatisfação da sociedade sobre a conduta controversa do presidente da Ordem no ''Caso Milena''.
Faltou sensibilidade a Homero Mafra para entender o tamanho da comoção social em torno do crime que tirou cruelmente a vida da médica. Talvez, se tivesse sido menos presunçoso, teria feito melhor reflexão e desistido do cliente.
O comando de uma instituição da importância da Ordem às vezes impõe escolhas. No “Caso Milena”, Homero Mafra seria mais importante como presidente da instituição do que defensor do suposto mandante do crime.