A destruição de um museu é algo a se lamentar profundamente. Principalmente quando trata-se do único museu de história natural de um estado e quando o que morre representa um dos maiores legados de uma personalidade da envergadura de Augusto Ruschi, Patrono da Ecologia do Brasil, cientista de renome internacional e um dos filhos mais ilustres do Espírito Santo (o cronista Rubem Braga já afirmou ser ele, na verdade, o mais notável de todos os capixabas, o único que a ser imortalizado na história).
Sim, falamos do Museu de Biologia Prof. Mello Leitão, fundado em 29 de junho de 1949, pelo naturalista Augusto Ruschi, na chácara de sua família, no centro da cidade de Santa Teresa, na região serrana do Estado.
Mesmo após a morte de seu fundador, em 1986, e já vinculado ao Ministério da Cultura, o MBML continuou cumprindo dignamente com seu papel junto à ciência e à conservação da natureza, dando continuidade ao árduo trabalho empenhado pelo famoso cientista, que dedicou sua vida, sua saúde e seus próprios recursos financeiros para a manutenção de uma de suas mais importantes obras.
Em 2014, no entanto, a aprovação da Lei nº 12.954/2014 desferiu um golpe baixo contra a história do Mello Leitão e a honra de seu fundador. A lei cria o Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA), como uma nova unidade dentro do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI), dedicada a centralizar as pesquisas sobre a conservação do bioma em nível nacional.
A lei surge num momento em que a discussão sobre a transferência do MBML para o MCTI já estava madura e bem aceita entre os pesquisadores que de alguma forma se relacionavam com o Museu, devido ao MCTI ser mais alinhado com as finalidades do Museu do que o Ministério da Cultura.
Ocorre, porém, que ao invés de o Instituto ser abrigado dentro da tradicional instituição científica capixaba, a criação do INMA inaugurou o início do fim do Mello Leitão. A citada lei, logo em seus primeiros incisivos, estabelece, literalmente, a extinção do MBML.
Algo totalmente desnecessário e ultrajante, na opinião do doutor em Zoologia, Piero Ruschi, e dos que o apoiam a luta pelo resgate da identidade do Museu do Ruschi.
A partir daí, todo o processo de implementação do INMA foi colecionando vícios e imoralidades por parte de um grupo de pesquisadores e acadêmicos, reunidos no Movimento em Defesa do INMA (MoveINMA).
Falta de transparência
O erro crasso – moral e historicamente falando – de extinguir o Mello Leitão como primeira condição para a criação do INMA, abriu caminho para muitos outros, alguns menos perceptíveis, mas, todos, invisíveis para a imprensa hegemônica e, com muito esforço do MoveINMA, desconhecidos pela própria população de Santa Teresa.
Em um segundo discurso na Tribuna Popular da Assembleia Legislativa sobre o caso, nessa segunda-feira (6), Piero, filho caçula de Augusto Ruschi, lembrou os principais atropelos que marcam a trajetória do MoveINMA até agora.
“Em suma, a inadequação dos procedimentos jurídicos em si, pois eles infringem a própria legislação brasileira de museus, que diz que institutos, como o Instituto Nacional da Mata Atlântica, deveriam ser abrigados em Museus, e não dissolvê-los juridicamente pra dar esse passo”, denuncia.
Outra questão lembrada pelo zoólogo foi o planejamento financeiro. “Como eu tenho alertado desde antes, os cargos desse novo instituto seriam 15 cargos DAS”, informa Piero, referindo-se à atual disponibilidade de apenas três cargos para o INMA.
“Não bastasse a falta de transparência, como esses dados que eu acabei de informar, a população foi levada a acreditar que o Museu Mello Leitão apenas trocou de nome para Instituto Nacional da Mata Atlântica. Não foi feita uma audiência pública, tivemos problemas com as comissões de transferência, que não foram realizadas devidamente”, relata.
Piero destacou ainda a perda do patrimônio do Mello Leitão, a decisão esdrúxula de transferir suas laboratórios para localidades na zona rural do município e a transformação do boletim científico do Museu – lançado no mesmo ano da criação do MBML, em 1949 – em um informativo de educação ambiental/difusão científica. “Ele perdeu sua autonomia, ele perdeu seu patrimônio físico, suas coleções, que são patrimônio de utilidade pública do Espírito Santo e do município de Santa Teresa”, lamenta.
A Sociedade dos Amigos do Museu de Biologia Prof. Mello Leitão (Sambiio) também foi citada, como mais um braço do processo de desmonte do Museu, o que contraria absolutamente o seu estatuto.
“A Sambio, que deveria ser o protetor do museu, o melhor amigo do museu Mello Leitão, agiu como um verdadeiro inimigo”, conta, relatando a dificuldade que a família de Ruschi teve para conseguir aprovar, junto à direção do Museu e da Sambio, a instalação de fotografias do naturalista na fachada do Museu, em virtude das comemorações do centenário do cientista.
“A Sambio hoje não se poupa ao trabalho de colher os louros de ter lá um trabalho a contento da memória do meu pai, mas o que as pessoas não sabem é que ela deu muito trabalho pra que isso fosse realizado.
Em sua fala na Assembleia, a convite do deputado estadual Padre Honório (PT), Piero mencionou ainda o processo de seleção do diretor do INMA, cujo vencedor, já informalmente conhecido, nos bastidores do processo, é o coordenador do MoveINMA, que, inclusive, indicou alguns dos nomes para compor o comitê responsável pela análise dos candidatos.
Ódio a Augusto Ruschi
“Eu tenho que dizer uma coisa: durante esse caminho, o Movimento Instituto Nacional da Mata Atlântica convidou pessoas que tem o ódio público e declarado pelo meu pai pra compor esse comitê. Então, eu não quero dizer aqui que eu suspeito da imparcialidade do comitê, mas eu suspeito inteiramente da imparcialidade da escolha desse comitê, porque pessoas que têm ódio declarado do meu pai foram convidadas pra compor esse comitê”, disse.
“Isso é uma lição muito grande pra nós capixabas, porque ela diz diretamente como nós tratamos os nossos heróis, os nossos exemplos”.
A afirmação, feita na abertura de sua fala na Tribuna Popular, foi reafirmada, em outras palavras, ao final, quando o projetor de apoio ao discurso exibiu imagens do Rio Doce repleto pelos rejeitos de mineração da barragem de Fundão, da Samarco/Vale-BHP, que rompeu no dia cinco de novembro de 2015, sendo este o maior crime ambiental do pais e o maior do mundo, no universo da mineração, mas que até hoje, passados dois anos, continua impune, sem o devido atendimento aos atingidos e sem qualquer medida efetiva de recuperação dos ambientes destruídos pela lama. “Bem, a conclusão que eu chego, vendo tudo isso, de dois anos pra cá, é que o Espírito Santo trata os seus heróis da mesma forma que ele trata os rios”.