Na semana em que um jovem agricultor saudável morre, repentinamente, por insuficiência respiratória aguda, levantando sérias suspeitas de intoxicação por agrotóxicos, surge como um bálsamo a notícia de que o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) está retomando uma antiga prática de formação técnica e política em agricultura alternativa.
Na última quinta-feira (23), um grupo de doze famílias do município de Pancas – bem próximo a Marilândia, onde o jovem citado veio a óbito horas depois de aplicar agrotóxicos em sua lavoura de café – realizou mais um mutirão na área de um hectare onde funciona uma “roça coletiva”, que se prepara para abrigar o primeiro Centro de Referência em Agroecologia do MPA no estado.
A roça coletiva fica na região do Córrego do Espinho e está recebendo plantios de milho, arroz, mandioca, banana e amendoim. A produção é compartilhada entre o grupo e o objetivo é que, a partir de fevereiro, se transforme em um Organismo de Controle Social (OCS), que poderá receber certificação participativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), favorecendo a comercialização com reconhecimento do produto como sendo diferenciado, saudável e sustentável.
Mesmo com todo o caráter de trabalho coletivo que caracteriza o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), uma das principais organizações voltadas à expansão da Agroecologia no Brasil e no mundo, tendo ajudado a fundar a Rede Campesina, que atua em toda a América Latina há vinte anos, a iniciativa é considerada inédita no Espírito Santo. “Tivemos algumas experiências em vários municípios, mas pontuais, que duraram um ano, dois… foram bem pontuais. Agora retomamos esse trabalho, mas a longo prazo”, explica Douglas Fernandez, militante e técnico extensionista do MPA.
O foco, diz, é na produção de sementes crioulas – genuínas e com genética livre dos transgênicos – e no fortalecimento dos canais de comercialização na Grande Vitória, “para o povo trabalhador, nas periferias de Vitória”, conta. “Surge como demanda nesse período de seca, muitas famílias perderam muitas sementes”, lamenta Douglas.
O espaço também será utilizado para a formação política dos militantes. “A formação política tem que ser constante, o Movimento sempre fez. Mas na conjuntura atual, é ainda mais necessário”, contextualiza Genques Borcarte Strelhow, membro da coordenação estadual do MPA e um dos participantes do grupo do Córrego do Espinho, referindo-se à perda de direitos, ao congelamento dos gastos públicos e outros ataques aos trabalhadores.
A união dos camponeses é uma questão de sobrevivência, destaca Genques, principalmente no período atual, onde a difícil conjuntura nacional se torna ainda mais cruel em nível estadual. “Nós temos uma situação no Espírito Santo bem particular”, pondera. A seca extrema dos últimos três anos levou os agricultores familiares a uma situação de dívida insustentável, mas, mesmo com toda a reivindicação feita às instituições– bancos públicas e governos estadual e federal –, nenhum apoio efetivo foi obtido.
“Alguns poucos deputados levantaram a bandeira para discutir, mas foi pouca coisa. A instituição do Estado Brasileiro não contribuiu em nada com os camponeses do Espírito Santo. Estamos resistindo e construindo outras formas. Não é suficiente, precisa da contrapartida dos governos estadual e federal pra fortalecer a produção de alimentos”, afirma.
Na unidade produtiva coletiva, os camponeses se encontram quinzenalmente e decidem tudo coletivamente: o que plantar, onde e como. “As famílias precisam deixar seu trabalho individual pra fazer o coletivo. Tem sido um desafio, mas tem dado muito certo”, relata o coordenador do MPA, avaliando esses primeiros oito meses de trabalho.
“Dialogamos sobre a nossa proposta de produzir alimento para a classe trabalhadora e sobre a aliança campo-cidade. A intenção da roça é fortalecer a comercialização que o MPA tem feito na Grande Vitória nos bairros de periferia. A nossa tarefa de levar alimento pro trabalhador”, reafirma Genques.