A raiz do problema para a crise instalada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Neonatal do Hospital Estadual Infantil e Maternidade Alzir Bernardino Alves (Heimaba), em Vila Velha, está na baixa qualificação e inexperiência dos trabalhadores que a Organização Social Instituto de Gestão e Humanização (IGH) tem contratado para atuar no hospital. É o que aponta o diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde no Espírito Santo (Sindsaúde-ES), Daniel da Silva.
De acordo com ele, a OS está descumprindo cláusulas contratuais que firmou com o governo do Estado. Um delas, por exemplo, proíbe a contratação de profissionais de saúde inexperientes para atuar na UTI Neonatal. Segundo o documento, são necessários, pelo menos, dois anos de experiência.
O salário para esses profissionais, como técnicos de enfermagem, chega a pouco mais que o mínimo, como R$ 1.100,00 para 44 horas semanais. “Ninguém que tem experiência aceita um salário desses, apenas quem está se formando. A OS só pensa em lucro, alguém precisa fiscalizar o Heimaba; caso contrário, as mortes vão continuar e aumentar”, alertou Daniel.
De acordo com denúncia da entidade, o número de mortes na UTI Neonatal do Heimaba disparou depois que a OS assumiu a unidade. Em outubro e novembro de 2017, foram seis óbitos, enquanto entre janeiro e setembro do mesmo ano apenas dois. Dados mais recentes revelam, ainda, que, na virada do ano, as mortes de prematuros continuaram. Entre os dias 1 e 2 de janeiro deste ano, foram registrados mais quatro.
Ainda segundo o diretor, por falta de qualificação e experiência, os erros na UTI Neontal são recorrentes, como medicações erradas, o que pode estar causando as mortes. “Num caso específico, o ambu, para respiração mecânica, estava sendo usado num prematuro, o que não é recomendado pelos riscos de estourar o pulmão do bebê”.
Mortes são frequentes
Mas os óbitos não estão restritos apenas aos prematuros, conforme relato de quem atua na unidade. “As mortes estão acontecendo em todos os setores. Logo após a transição, quando a OS assumiu de fato o hospital, em outubro de 2017, 10 crianças morreram num prazo aproximado de um mês”, relata Daniel da Silva, que além de diretor do Sindsaúde-ES, também faz parte do Conselho Gestor do Heimaba.
Daniel explica que, diante de tantas mortes, o Conselho Gestor do Heimaba solicitou à IGL um relatório completo dos óbitos registrados desde setembro do ano passado, quando a OS assumiu a unidade.
“Recebemos a resposta de que a OS não era obrigada a prestar contas ao Conselho Gestor e de que os dados seriam passados apenas para a Secretaria de Estado da Saúde, a Sesa. Mas seguimos pressionando”.
Equipes experientes desfeitas
Logo que a OS assumiu o Heimaba, as equipes experientes e qualificadas de servidores estaduais da Saúde, começaram a ser desmontadas. Há casos de trabalhadores com até 15 anos de experiência em UTI Neonatal que foram transferidos.
“Os servidores tinham orgulho em dizer que trabalhavam no Heimaba. Quando ocorria um óbito era porque era inevitável; agora não, é por falta de qualificação, falta de atenção, falta de cuidado. Os poucos servidores que restaram na unidade sofrem assédio moral e estão sem qualquer motivação para o trabalho e até médicos concursados estão pedindo transferência da unidade”, relatou Daniel.
Uma mãe, cuja filha ficou dois meses internada no Heimaba, também relata a situação de caos. “Depois que a OS entrou, nem soro fisiológico estava tendo. São muitos inexperientes no hospital, que é referência em cardiologia. Depois da terceirização, o Heimaba ficou dois meses sem cirurgia cardíaca. Minha filha é cardiopata e, desde que nasceu, já passou por cinco cirurgias, graças a Deus, antes da troca. Fiquei 65 dias lá e vi como ficou precária a situação, um descaso com os pacientes. Minha filha e demais pacientes ficaram até 24 horas sem medicação por falta de profissional e há crianças aguardando cirurgia por até dois meses, correndo riscos”, relatou a mãe, que preferiu não ser identificada.
Questionamentos
O processo para terceirização da gestão do Heimaba teve início em abril de 2017, com o lançamento do Edital 001/2017 da Sesa. Depois do lançamento, o Ministério Público Estadual (MPES) ingressou com ação civil pública pedindo anulação do certame até que o Estado adotasse as providências necessárias para sanar as irregularidades. O pedido foi acatado pelo juiz Aldary Nunes Júnior, da Vara de Fazenda Pública de Vila Velha, que determinou a suspensão do edital.
A Sesa alegou que sanou essas irregularidades e o processo prosseguiu e, proclamado o resultado, o Conselho Gestor do Hospital e o Sindsaúde-ES protocolaram nova denúncia no MPES em virtude das irregularidades cometidas pelo IGH em outros estados. “Fomos documentados e mostramos aos gestores da Sesa quem era essa empresa”.
A OS acumula denúncias de quebra de contrato. No estado do Piauí, por exemplo, o Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região (TRT-PI) determinou a suspensão do contrato entre a Secretaria de Saúde do Piauí (Sesapi) e o IGH na gestão do Hospital Justino Luz, no município de Picos.