Nos próximos dias, a histórica greve da PM capixaba completará um ano. Ocorrida entre 4 e 25 fevereiro de 2017, a paralisação dos militares deixou um saldo amargo: cerca de 200 homicídios em 20 dias, dados do Ministério Público do Estado, que chegou a criar uma força-tarefa para acompanhar as investigações dos assassinatos. Durante a crise, 3.169 homens das Forças Armadas, sendo 2.637 do Exército, 382 da Marinha e 150 da Força Aérea, além de 287 militares da Força Nacional, vieram para o Estado substituir os PMs nas ruas. O Espírito Santo viveu um estado de exceção jamais registrado em sua história.
Os fatos ocorridos no Estado em 2017 estão relacionados às informações apresentadas no relatório anual da Human Rights Watch (HRW), uma das mais importantes organizações internacionais que militam na área de Direitos Humanos. O documento, divulgado nesta quinta-feira (18), destacou a problemática de crimes dolosos praticados por militares contra civis e o deslocamento de homens das Forças Armadas para atuar em áreas urbanas. Além do Espírito Santo, em julho de 2017, o governo federal alocou milhares de soldados para ajudar no policiamento no Rio de Janeiro.
Nova lei
O relatório da HRW sobre o Brasil aponta mais um fator preocupante: a aprovação pelo Congresso Nacional, em outubro de 2017, do projeto de lei defendido pelo Exército que impede soldados acusados de execuções extrajudiciais de civis serem processados em tribunais civis, atribuindo essa competência, exclusivamente, a tribunais militares. “De acordo com as normas internacionais, execuções extrajudiciais e outras violações graves de direitos humanos devem ser processadas e julgadas na justiça comum”, diz o documento da Human Rights Watch.
O professor Bruno Toledo, que atua no Centro de Apoio aos Direitos Humanos do Espírito Santo, explica que a violência policial é uma problemática antiga. “A legislação pode ser considerada um retrocesso, mas o principal problema tem sido os governos encararem a questão da violência urbana apenas em suas consequências e não em suas raízes. Não dá para encarar o problema como se fosse uma guerra e, por isso, acionar as Forças Armadas. É preciso combater a desigualdade social e investir em Educação e Saúde, o que não tem sido feito; ao contrário, temos visto limitação do orçamento nessas áreas. Não atacar o problema em sua raiz é empurrar muito mais gente para a criminalidade”.
Segundo Bruno, em fevereiro em 2017, durante a greve da PM, a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória em conjunto com a ONG de Direitos Humanos, Conectas, de São Paulo, fizeram um pedido ao relator de Execuções Sumárias da ONU para que a entidade solicitasse ao governo do Espírito Santo informações sobre as investigações dos assassinatos cometidos durante a paralisação dos PMs, incluindo a averiguação de possíveis execuções extrajudiciais. A resposta do Estado só foi dada quatro meses depois e de forma incompleta.
Diagnóstico
O relatório da Human Rights Watch constitui-se um diagnóstico anual, divulgado sempre em janeiro, que é realizado em mais de 90 países apontando as mais flagrantes violações cometidas contra os direitos humanos. No caso brasileiro, teve destaque, neste ano, a violência policial. Foi citado, por exemplo, o episódio em que policiais mataram 10 trabalhadores rurais no Pará. Os militares disseram que agiram em resposta a um ataque, mas testemunhas e dados da perícia indicam que eles executaram as vítimas.
Conforme levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram registrados 4.224 assassinatos cometidos por policiais militares e civis em 2016, um acréscimo de 26% em relação ao ano anterior. A HRW destaca, no entanto, que as execuções extrajudiciais também colocam em risco a vida de policiais que ficam sujeitos a retaliações, aumentando a violência durante confrontos com criminosos. Nesse sentido, a organização aponta que 437 policiais foram mortos no país em 2016.
Também foram citados a violência no campo, o desrespeito à liberdade de expressão, casos de tortura e maus tratos e assassinatos de presos adultos e adolescentes, além de desrespeito aos direitos de mulheres, crianças e deficientes.
No caso do sistema prisional brasileiro, o relatório apontou problemas de superlotação. Vale destacar que, no Espírito Santo, por exemplo, o número de detentos em unidades prisionais cresceu 274,26% num período de 10 anos – de dezembro de 2006 a junho de 2016. Em números absolutos, a quantidade de pessoas com restrição de liberdade em presídios passou de 5.187 para 19.413. O Estado é, ainda, o sexto que mais encarcera proporcionalmente, perdendo apenas para Mato Grosso do Sul, Acre, Alagoas, Rondônia, São Paulo e Distrito Federal: são 488,5 indivíduos para cada grupo de 100 mil habitantes. Os dados são do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública.