Já passa de 70 o número de condicionantes listadas pelas dez comunidades de São Mateus, norte do Estado, que serão diretamente impactadas pelas obras e funcionamento do PetroCiry S/A, megaempreendimento previsto para o litoral sul do município.
A mobilização popular, ainda que um pouco tardia, está ao menos conseguindo vencer a negligência que os moradores alegam ser vítimas há mais de quatro anos, desde que teve início o processo de licenciamento.
“Nunca veio ninguém aqui pra conhecer a nossa realidade, saber o que a gente precisa”, reclama a presidente da Associação de Pescadores, Moradores, Marisqueiros do Distrito de Barra Nova Sul (Asspmmdbns), Claudia Monteiro, “nascida e criada” na localidade, como ela gosta de afirmar.
Claudia integra uma comissão que reúne os presidentes de dez associações da região: Urussuquara, Campo Grande, Barra Nova Sul, Barra Nova Norte, São Miguel, Gameleira, Nativo, Ferrugem, Ponta e Ilha Preta, sendo que as três primeiras é que receberão as estruturas do complexo portuário e todas altamente impactadas pelo crime socioambiental da Samarco/Vale-BHP.
Ela contabiliza seis reuniões feitas com os representantes do empreendimento, uma delas como diretor-geral, José Roberto Barbosa da Silva, onde, sempre, são exaltadas as promessas de emprego, desenvolvimento e melhorias para a população local.
“Debati com o José Roberto. Ele disse que o porto vai servir de estuário, que vai ter mais peixes. Mas quem é o pescador que vai poder pescar ali? O que vão fazer com os pescadores que tiverem de parar de pescar? Nada, nada, nada, não dá resposta nenhuma”, conta.
A líder comunitária diz que o sentimento dos pescadores é de que “querem acabar com o pescador”. “Pra nós esse mar é tudo, é onde a gente tira o nosso sustento”, lamenta.
“A gente sabe que o impacto ambiental vai ser grande demais. Na área da saúde e da educação também. E como vai viver o meu pescador se a área do empreendimento é na área de pesca? Eles vão ter que arrumar uma forma de sustentabilidade! Vamos estar diretamente afetados”, implora.
Claudia diz que as comunidades aguardam a visita de um pesquisador da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), que, por insistência das lideranças, prometeu fazer uma ronda na região, para conhecer de perto a realidade local, as necessidades e fragilidades que devem ser consideradas no licenciamento.
“É obrigação dele vir na comunidade pra ver como ela vive. Mas só vir, ver, e não fazer nada, não adianta”, cobra a jovem liderança, destacando que não irão permitir que aconteça, na região, o que acontece com os royalties do Petróleo, que “vão tudo pra prefeitura, mas não chegam nas comunidades impactadas. Se a gente quer passar uma máquina na estrada, tem que brigar, não chega nada”, protesta.
O empreendimento
O Petrocity S/A foi anunciado para a região em 2013 e teve seu processo de licenciamento iniciado em 2016, no Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) – documento nº 020.685/2014.
O terminal portuário, como informado no termo de referência, será destinado a atender às atividades das plataformas de exploração e produção de petróleo, compreendendo uma área de 1,5 milhão de metros quadrados – o equivalente a 150 campos de futebol.
Para a implantação do canal de acesso e bacia de evolução, será necessária a dragagem de 2,3 milhões de metros cúbicos, o que impactará ainda mais a pesca artesanal e o turismo. As comunidades do litoral norte do Estado vem há anos denunciando os impactos às atividades e ao meio ambiente gerados pelo avanço da indústria portuária à região. O porto da Petrocity ameaça ainda ecossistemas como manguezais, restingas, dunas, várzeas e fauna típica.
Técnicos do Iema não aprovam a localização
“Não obstante, reforçamos que, após análise preliminar, é de nosso entendimento que as características socioambientais desta região não são propícias à implantação de um terminal portuário, conforme ressalta o Parecer Técnico GCA/CAIA Nº 156-2013 de análise do Protocolo Iema nº 010305/13, que recomenda o indeferimento do pleito da empresa”, ressaltaram os técnicos do Iema em relação ao projeto.
Eles apontaram “diversas fragilidades para a instalação do empreendimento” e recomendaram a realização de uma “avaliação de alternativas locacionais robusta, considerando além dos terminais e portos existentes, os terminais portuários que se encontram em fase inicial de licenciamento ambiental e dando especial atenção a localidades que possuam infraestrutura adequada e compatível com o porte e modalidade do empreendimento”.
No entanto, mesmo com eventual manifestação contrária, tanto da área técnica como da comunidade, há riscos de o Iema aprovar o projeto, como já registrado em diversos processos semelhantes no Estado.