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TACs regularizam loteamento dentro da APA de Setiba sem sanear agressões ambientais

Às vésperas do aniversário de 25 anos do assassinato do biólogo Paulo Cesar Vinha, mais uma ofensiva visa perpetuar agressões ambientais dentro da zona de amortecimento do Parque Estadual que leva o nome do ambientalista, um verdadeiro mártir na defesa do direito constitucional ao “meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”.

Desta vez, tratam-se dois Termos de Ajustamento de Conduta Urbanística (TACs) firmados no dia 14 de julho de 2017 entre o Ministério Público Estadual (promotor da 2ª Promotoria Cível de Guarapari, Otávio Guimarães de Freitas Gazir), a Imobiliária Patrimônio (proprietário Carlos Augusto de Azevedo) e o Município de Guarapari (prefeito Edson Figueiredo Magalhaes e Milena Moreira Ferrari, da Secretaria Municipal de Análise e Aprovação de Projetos – Semap), e homologado, no dia no dia 12 de setembro, pelo juiz Gustavo Marçal da Silva e Silva, da Vara dos Feitos da Fazenda Pública Estadual, Municipal, de Registros Públicos e do Meio Ambiente do Juízo de Guarapari.

os Acordos imputam à imobiliária a obrigação de patrolar 18 ruas dos loteamentos Vale do Luar e Village do Sol/Setor Recanto – localizados inteiramente dentro da Área de Proteção Ambiental (Apa) Estadual de Setiba, criada para proteger a zona de amortecimento do Parque Estadual Paulo Cesar Vinha – ao custo de R$ 60 mil.

E só.

Os TACs não fazem qualquer menção à necessidade de implantação de esgotamento sanitário – visto que já há contaminação do superficial lençol freático –, instalação de energia elétrica e abastecimento de água adequados, recuperação de vegetação e nascentes ou quaisquer outras agressões ambientais e omissões a obrigações urbanísticas mínimas pela empresa ao longo dos anos.

Muitas das numerosas agressões foram alvos de autos de infração pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) e motivaram o MPE/ES a impetrar, em 29 de novembro de 2012, uma ação civil pública (Processo nº 0021168-79.2012.8.087.0021) requerendo, em caráter liminar, a proibição de comercialização de lotes no loteamento Vale do Luar. Liminar, inclusive, que foi concedida, em três de dezembro de 2012, também pelo juiz Gustavo Marçal da Silva e Silva.

Cinco anos depois, porém, o próprio magistrado, ao homologar os TACs, suspendeu os efeitos da sua liminar e extinguiu o processo. E o Iema, gestor da APA do Parque, foi excluído por ele da audiência de assinatura dos simplórios Acordos, sob a justificativa de impossibilidade da diretora do órgão realizar deslocamento entre municípios, no caso, Cariacica e Guarapari.

Talvez ainda mais grave é o fato de o turismólogo Walter Dietrich, servidor da autarquia responsável, há mais de uma década, pela administração das duas unidades de conservação, dizer que “a única crítica ao TAC é que o Iema poderia ter participado mais”, mas que, apesar disso, o avalia como satisfatório.

Grave porque, considerando o ofício emitido em 3 de agosto de 2017 pela então diretora-presidenta Andreia Pereira Carvalho, o entendimento oficial do alto escalão da autarquia é bem diferente, visto que, no documento, o órgão manifesta seu interesse em ingressar no processo, solicitação que é feita ao juiz Gustavo por meio da Procuradoria Geral do Estado (PGE) e que, até hoje, não obteve resposta do magistrado.

A participação do Iema no caso está fartamente documentada, desde 2010. Além de diversos autos de infração, emitidos principalmente a partir de 2003, o órgão assina pareceres técnicos detalhando os crimes ambientais cometidos, seja isoladamente ou como parte da Comissão Técnica de Uso e Ocupação do Solo na APA de Setiba.

Em um deles, estabelece várias ações de recuperação e compensação a serem empreendidas pela Imobiliária Garantia (cujos proprietários hoje respondem pela Imobiliária Patrimônio, que firmou os TACs Urbanísticos de 2017).

Especificamente na decisão de 2012, que proíbe a comercialização dos lotes no Vale do Luar, o juiz Gustavo Marçal da Silva e Silva informa que, “mesmo com o auto de interdição de 2003 [do Iema], se observadas as fotos de satélite apresentadas, é possível notar que as atividades de implantação do loteamento tiveram continuidade, apresentando um maior número de casas construídas e a abertura de novos arruamentos, com indícios de atividades de corte de vegetação recente”. Daí porque, prossegue, “afigurava-se imprescindível a prévia obtenção, pela requerida, de licenciamento ambiental”.

E a multa de R$ 500 mil?

Em sua sentença, o magistrado determina ainda multa no valor de quinhentos mil reais, “que poderá ser cobrada pessoalmente dos representantes legais da empresa”, “para cada ato omissivo ou comissivo que implique desrespeito à presente determinação judicial, a ser convertida para o Fundo de Desenvolvimento Ambiental de Guarapari (FUNDEMAG)”.

O que aconteceu, entre 2012 e 2017, que fez com que a Justiça deixasse de exigir o licenciamento ambiental do Loteamento, abrisse mão das medidas de recuperação e compensação ambiental frente aos crimes praticados pela(s) Imobiliária(s) – Garantia, como consta na Ação inicial e nas placas de publicidade de vendas de lotes ainda instaladas às margens da Rodovia do Sol,  e em seguida a Patrimônio, como consta nos TACs – desconsiderasse a vulnerabilidade ambiental da região, legalmente protegida por uma unidade de conservação, passando a aceitar a homologação de um TAC Urbanístico (e não Ambiental) que se limita ao patrolamento de 18 ruas?

Acrescenta-se ainda que, mesmo sendo de cunho urbanístico, os TACs sequer mencionam obrigações elementares, por parte da Imobiliária, de prover seus clientes com serviços adequados de fornecimento de energia elétrica, abastecimento de água, tratamento de esgoto, pavimentação de ruas, entre outras.

Nas Considerações iniciais dos TACs, consta que “todas as obras usuais para o loteamento em questão foram implantadas: abertura de ruas e demarcação das quadras e lotes, com implantação de energia elétrica em um ponto do loteamento”.

A afirmação desrespeita gravemente o que foi reivindicado pelos moradores, no texto da Ação Civil Inicial, impetrada pelo Ministério Público Estadual em 29 de novembro de 2012. Reivindicações essas embasadas por legislação federal pertinente e na própria publicidade feita pela empresa.

Nas Considerações iniciais da Ação, consta que “No material publicitário, amplamente veiculado, a Imobiliária Garantia comprometia-se a fornecer, aos proprietários do Empreendimento do Vale do Luar, as medidas necessárias e indispensáveis ao regular funcionamento do pretenso condomínio, em especial, aquelas pertinentes à iluminação, à segurança, ao fornecimento de água, recolhimento de esgoto, ao fornecimento de energia elétrica, dentre outras”.

Audiência pública

Na véspera do registro da Ação, a Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa realizou, no dia 28 de novembro de 2012, uma audiência pública com os moradores do Bairro Village do Sol e do Condomínio Vale do Luar, em Guarapari, para debater a regularização do fornecimento de energia elétrica e água.

Um dos presentes foi o então secretário do Meio Ambiente de Guarapari, José Jacinto Baldoto, que informou ter solicitado “todos os processos de licenças ao Iema para saber como proceder diante dos problemas existentes nos loteamentos e condomínios” e que , segundo consta matéria divulgada pela Ales na ocasião.

No texto, a Assembleia destacou ainda a declaração do secretário, dando conta de que “uma série de procedimentos não foi cumprida pela empresa empreendedora e que os corretores de imóveis foram comunicados que estariam incorrendo em crime se negociassem terrenos sem documentação legal”.

O então secretário municipal de Planejamento e Desenvolvimento Rural e Urbano, Edgar Behle, informou ainda que “50% do município é composto de ocupação irregular”.

Também presente na audiência, o então gestor da Companhia Espírito Santense de Saneamento (Cesan) em Guarapari, Alberto Coelho, recebeu um requerimento de estudo de viabilidade técnica e econômica para que a concessionária pudesse assumir os serviços de água e esgoto no loteamento.

Passados cinco anos, no entanto, o esgoto não foi implementado, havendo contaminação do lençol freático pelas fossas individuais, e a água é fornecida pela empresa particular Água Limpa.

Um novo mártir?

O operador industrial Reginaldo de Souza Lima, um dos moradores do loteamento, conta que a água “não é muito boa”, sendo amarelada e mais cara que a água da Cesan. Reclama também das ruas que não são calçadas e que em dia de muita chuva, os carros não conseguem transitar. Falta também iluminação nas ruas e que, apesar de toda deficiência, está sendo cobrada uma taxa condominial de mais de R$ 120,00 por mês, a qual, muitos moradores estão se recusando a pagar.

Centenas de proprietários também deixaram de quitar as prestações do financiamento dos seus lotes, à medida que foram constatando as irregularidades do loteamento e a impossibilidade de obterem a devida documentação de seus imóveis.

“Mais da metade dos moradores já deixou de pagar e no final do ano passado fomos processados pela imobiliária”, conta Reginaldo, que, no momento, estuda que medidas legais irá tomar para defender seus direitos.

A PGE também aguarda resposta da Justiça para integrar o processo – extingo pelo juiz de Guarapari – e defender a conservação do meio ambiente na região. Será preciso um novo mártir para que tais direitos sejam garantidos?

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