Uma novidade do carnaval capixaba de 2018 é o retorno de algumas escolas que estavam inativas desde a paralisação dos desfiles nos anos 90, que chegou a ser chamada de “década perdida” para o samba e carnaval capixabas.
Em 1992, devido à falta de apoio financeiro do poder público, as escolas de samba decidiram não desfilar. O retorno só se daria em 1998, com algumas das escolas desfilando na Avenida Jerônimo Monteiro, no Centro de Vitória, mas sem caráter competitivo. As agremiações retornaram suas apresentações no Sambão do Povo em 2002, voltando também à disputa em forma de campeonato.
Mas nem todas escolas sobreviveram a essa longa pausa. Desmobilizadas por anos, muitas acabaram adormecidas. O crescimento da qualidade e do destaque dos desfiles no Sambão do Povo a nível estadual e nacional, a memória ainda viva e os ânimos das comunidades fizeram com que algumas buscassem a restruturação para retomar os desfiles.
Curiosamente, uma escola novata, a caçulinha Império de Fátima, fundada em 2013 no Bairro de Fátima, na Serra, acabou sendo importante aliada das escolas-vovós até então inativas.
“A região sempre teve tradição, contando com vários espaços onde se tocava samba. Primeiro organizamos os moradores e depois convidamos pessoas que tinham experiência em outras escolas para contribuir na parte mais técnica”, diz Helder Luduvico, presidente da nova agremiação, que ressalta o bom e velho espírito comunitário que ergue as escolas de samba, citando os diversos voluntários que trabalham nos barracões nos preparativos para a noite de competição.
Acontece que depois de desfilar como convidada em 2016, a escola não teve permissão da Liga Espírito-Santense das Escolas de Samba (Lieses), até então responsável única pela organização para desfilar no Sambão em 2017, realizando apenas uma apresentação no bairro de origem.
Foi a partir daí que surgiu a proposta de reunir outras escolas que estavam inativas ou se rearticulando e fundar uma outra organização, a Federação Capixaba das Escolas de Samba (Fecapes), uma espécie de terceira divisão do carnaval do Espírito Santo. Além da Império de Fátima, outras quatro escolas fazem parte da organização.
A reorganização
A mais antiga de todas é a Mocidade da Praia, fundada em 1947 como uma batucada, antes mesmo do surgimento da primeira escola de samba capixaba – a Unidos da Piedade, em 1955. Depois de ser tricampeã do concurso de batucadas entre 1969 e 1971, a Mocidade, surgida no bairro da Praia do Canto, em Vitória, com proximidade com os pescadores da região, passou a desfilar como escola de samba em 1972. Chegou a ser a grande campeã em 1982 e 1984, mas foi uma das que não conseguiu voltar em 1998.
O movimento de carnaval não parou no bairro, havendo por exemplo os famosos blocos do Triângulo das Bermudas. E foi a partir daí que a escola começou a se reorganizar e se preparar para desfilar novamente no Sambão do Povo, tendo no comando Luciano de Paula Pires, filho do presidente que comandou o primeiro título da escola. Para o retorno à avenida, a Mocidade da Praia escolheu reviver o enredo de 1985. “Eu era criança quando a escola foi campeã pela primeira vez, lembro pouco do desfile, mas tenho na memória a festa, a agitação da época, os amigos de meu pai, que eram baluartes do samba”, conta.
A União Jovem de Itacibá, que já passou perto do título nos anos 80, é outra que volta à avenida, somando-se à atual campeã do Grupo Especial, Boa Vista, como representante do município de Cariacica. Nos últimos anos, a comunidade voltou a se organizar, inicialmente como bloco de carnaval e logo como escola de samba.
Outra escola vem da região da Grande Maruípe, em Vitória: a Independente de Eucalipto. Fundada em 1982, a agremiação também escolheu lembrar o passado e vai dar nova roupagem ao enredo utilizado em 1985.
Jocely Gomes, o Lico, diretor social da Eucalipto, atribui a volta ao engajamento de novos e antigos integrantes. “Tivemos literalmente de ir atrás de pessoas que gostavam e sabiam fazer carnaval. E, muitas dessas pessoas eram da Eucalipto. Com a lacuna dos anos 90, muitas acabaram se refugiando em outras escolas, mas o coração delas sempre foi da Eucalipto”. A escola tinha tentado um retorno em 2006, mas acabou desistindo por falta de recursos. Esse ano, finalmente, estará de volta na passarela do samba.
Retorno adiado
Escola mais antiga da Serra, a Mocidade Serrana foi fundada em 1979. Com a paralisação dos desfiles entre 1992 e 1998, a escola se desarticulou e muitos de seus integrantes acabaram aderindo a outras agremiações, principalmente as do município como a Rosas de Ouro e Tradição Serrana.
De acordo com Anderson Lamburghini, secretário geral da Mocidade, o processo de recuperação começou em torno do ano de 2010. Como a acolhida não foi das melhores em José de Anchieta, bairro onde a escola surgiu, a agremiação acabou se mudando para Planalto Serrano, onde acertou sua documentação e começou a trabalhar como projeto social. Foram feitas mudanças, como a escolha do pássaro de fogo da lenda das montanhas Moxuara e Mestre Álvaro como símbolo da entidade, e a adição do amarelo e do roxo ao tradicional verde e branco da escola.
Havia expectativa para desfilar em 2013, mas acabou não se concretizando. Em 2018, a escola nunca esteve tão perto do retorno, mas acabou desistindo de última hora, na semana passada. Filiada à Fecapes, a Mocidade Serrana alegou não ter condições de arcar com os custos de logística, transportes e outros.
“Tivemos uma promessa de apoio da prefeitura da Serra, mas as condições não nos davam previsão de pagamento. Não podíamos assumir esse risco”, explica Anderson. Segundo ele, a escola já tinha cerca de 85% das fantasias prontas, e algumas delas foram adaptadas e doadas para apoiar as outras escolas da Federação. O dirigente pontua que independente de desfile, a escola continua ativa com seus eventos e atividades culturais e educativas, que é um dos focos da entidade.
Dificuldades financeiras e datas incertas
A questão financeira tem sido um problema para todas as escolas da Fecapes. Tudo tem sido feito sem nenhum recurso público, e muitas vezes com financiamento próprio dos diretores das escolas ou por meio de eventos nas comunidades.
Outro impasse foi por conta da data dos desfiles. Segundo dirigentes, a falta de definição prejudicou imensamente a venda de fantasias e a busca de patrocínios.
Inicialmente, a Fecapes propunha realizar seu desfile no domingo, esperando maior participação de público. Porém, o Sambão foi disponibilizado para as escolas do grupo na quinta-feira. Por fim, surgiu a proposta de duas escolas desfilarem na sexta-feira e duas no sábado, sempre após o encerramento das escolas dos outros grupos. Ou seja, passariam pela passarela depois que o dia raiar.
Às vésperas da data ainda há indefinição, pois a Fecapes luta para que na sexta-feira e sábado, suas escolas desfilem uma antes e uma depois das outras ligas.
Além disso, surgida a partir da negativa de participarem da Lieses, as escolas campeãs da Fecapes não contarão com acesso para a divisão seguinte no próximo ano. “Nossas escolas estão unidas e queremos fazer um grande espetáculo. Qual escola não quer chegar no grupo especial? Todas querem chegar lá em cima, mas é impossível se as portas estiverem fechadas”, questiona Carlos Alberto Assunção, o Mestre Picolé, presidente da Fecapes .