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Perigo no mar: primeiro surto de mobilivírus em cetáceos na América do Sul chega ao Espírito Santo

Um surto de mobilivírus , deflagrado devido à elevada poluição química que afeta a costa capixaba, em especial a da Grande Vitória, é considerada a principal causa da alta mortalidade de golfinhos ou boto-cinza (Sotalia guianensis) que ocorre no Espírito Santo. Desde setembro de 2017, foram registrados 35 animais mortos, o triplo do número habitual para o período.

O mobilivírus provoca a queda de imunidade dos animais, tornando-os vulneráveis a doenças infecciosas – por outros vírus, bactérias, fungos e protozoários – como pneumonia e meningite, que acabam por levar os indivíduos a óbito.

O surto teve início no Rio de Janeiro, na Baía de Sepetiba – que banha os municípios de Itaguaí e Mangaratiba e abriga a maior população conhecida da espécie no mundo – onde a mortandade já vitimou cerca de 200 animais, mais de 10% da população local da espécie, segundo um boletim técnico elaborado por pesquisadores do Laboratório de Mamíferos Aquáticos e Bioindicadores da Faculdade de Oceanografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (MAQUA/UERJ) e do Laboratório de Patologia Comparada de Animais Selvagens da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP (LAPCOM/FMVZ/USP).

Das águas fluminenses, o surto já se espalhou também para São Paulo e acredita-se que já tenha chegado ao sul da Bahia.

Diferentemente de SP e RJ, no ES ainda não foi possível isolar o vírus. A ausência de laboratórios apropriados para realizar o teste PCR (sigla em inglês para “reação em cadeia polimerase”) – só feito atualmente, no Brasil, na Universidade de São Paulo (USP) e na Fundação Osvaldo Crua (Fiocruz), no Rio de Janeiro – e mesmo de recursos financeiros para o envio de material para esses locais, ainda não produziu as comprovações definitivas, mas os pesquisadores e cientistas especializados em cetáceos, que atuam na tragédia em Sepetiba, estão trabalhando para viabilizar essas análises.

“Eu não tenho a menor dúvida que os golfinhos daqui estão contaminados com o mesmo vírus“, afirma Lupércio Barbosa, presidente da ong Instituto Orca, que há mais de três décadas estuda e atua na conservação de cetáceos no estado, e tem se correspondido permanentemente com os pesquisadores do MAQUA/UERJ. 

A causa da ação devastadora do mobilivírus  nas águas capixabas também é a mesma que nas baías fluminenses, segundo o presidente da Orca. Ele explica que há um equilíbrio entre os patógenos que normalmente existem nos corpos hídricos – mar e outros – e os seres que vivem nesses ambientes, como animais e vegetais. A partir do momento que ocorre um estresse ambiental, instala-se um desequilíbrio entre os patógenos e a fauna e flora locais, que ficam mais ficam suscetíveis a contraírem doenças e serem vítimas de mortalidades. “A Grande Vitória tem pressão uma antrópica muito grande, está cercada por várias fontes de contaminação”, diz. 

A diferença, ressalta, é que Sepetiba e Guanabara são áreas abrigadas, enquanto no Espírito Santo o mar é aberto, com probabilidade de contágio menor. No RJ, “a transmissibilidade do vírus nessas baías é muito maior do que aqui”, contextualiza o ambientalista.

Em ambas as regiões, porém, os animais chegam moribundos às praias, em situação bem diferente de quando morrem afogados por serem capturados incidentalmente em redes de pesca, esta, até então, a principal causa de morte da espécie, mais de 90% dos casos. “Ocorre uma desintegração do tecido da pele, o animal começa a se desmanchar, como uma lepra”, descreve o pesquisador.

Contaminação em seres humanos

Semelhante ao que ocorre com a febre amarela, o mobilivírus não é transmissível – até onde se sabe – aos seres humanos, sendo os golfinhos os seus hospedeiros, assim como os macacos são hospedeiros do mosquito transmissor. Os animais, no entanto, sinalizam onde a doença está se instalando de forma mais intensa, evidenciando algum grave desequilíbrio ecológico.

No caso dos botos-cinzas, o agravante é que as doenças associadas ao mobilivírus são transmissíveis aos humanos. “Ao ter contato com a água onde está o animal, ou suas secreções e tecidos, dependendo da imunidade, a pessoa pode se contaminar sim”, alerta Lupércio.

A situação é muito grave e não está tendo o devido tratamento por parte dos órgãos ambientais e empresas. “Esse momento é mais do que oportuno pra que as instituições de pesquisa, as universidades, as empresas e os órgãos ambientais se unam pra fazer uma grande investigação”, convoca Lupércio, citando, como exemplo de oportunidade mal utilizada, o Projeto de Monitoramento de Praias das Bacias de Campos e do Espírito Santo (PMP-BC/ES), executado pela empresa CTA, como condicionante do licenciamento ambiental da Petrobras.

O pesquisador lamenta que o Projeto esteja limitado a recolher os corpos dos animais e levá-los para necropsias nas instalações das ongs que compõem a Rede de Encalhe de Mamíferos Aquáticos no Brasil (Remab), que, no Espírito Santo, são a Orca e o Instituto Baleia Jubarte, localizado no sul da Bahia “Esse Projeto não prevê recursos pra fazer as necropsias, dificultando a obtenção de dados importantes sobre os animais”, explica Lupércio.

ES registrou o primeiro caso

O boletim técnico do MAQUA/UERJ) e LAPCOM/FMVZ/USP informa que o mobilivírus  dos cetáceos foi detectado pela primeira vez no final da década de 1980/início da década de 1990, quando surgiram surtos em populações de golfinhos do Atlântico Norte e Mar Mediterrâneo.

No Brasil, o primeiro caso confirmado foi detectado em um filhote de boto-cinza encontrado em Guriri, no litoral norte do Espirito Santo, em 2010. Esta é a segunda vez que o vírus é identificado no Brasil, e a primeira vez que um surto da doença é detectado.

No boletim, os especialistas explicam que o mobilivírus  dos cetáceos afeta os pulmões, cérebro e o sistema imunológico. Os golfinhos se infectam preferencialmente por via respiratória uma vez que os mobilivírus  geralmente são transmitidos por meio da inalação de aerossóis contendo partículas virais, ou então por contato direto entre os animais. Como nas baías de Ilha Grande e Sepetiba os botos formam grandes grupos, às vezes com mais de 200 animais, a transmissão deve ocorrer rapidamente e em grande escala.

Não se sabe quanto tempo o surto pode durar. “Tipicamente os surtos duram enquanto houver animais suscetíveis. Atualmente não há como parar a disseminação do vírus em populações de botos ou golfinhos suscetíveis, e não há vacinas ou medicamentos antivirais disponíveis que possam ser administrados de forma eficaz em populações de golfinhos em vida livre, informa o documento.

Evite aproximar-se do animal

Um outro aspecto muito importante, destacado pelos pesquisadores, é que, como os animais estão vulneráveis devido à doença, é necessário que não haja aproximação excessiva de embarcações de grupos de botos. Botos, baleias e golfinhos são protegidos por lei (Portaria nº 117, de 26 de dezembro de 1996).

“Evite tocar ou aproximar-se do animal, vivo ou morto. Contate a equipe de monitoramento de praias de sua região”, orientam. “O mobilivírus  dos cetáceos não é infeccioso para as pessoas e animais de estimação, mas os golfinhos podem ter outros patógenos bacterianos ou fúngicos secundários que podem colocar em risco animais domésticos e as pessoas”, alertam.

No Espírito Santo, o Projeto de Monitoramento de Praias pode ser acionado pelo telefone 0800 039 5005.

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