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Vale tenta desqualificar ação judicial que questiona exploração de águas subterrâneas em Tubarão

Num momento em que o controle dos aquíferos – reservatórios subterrâneos de água, formados em rochas porosas – está no topo das metas das maiores corporações econômicas do mundo (muitas delas patrocinando o 8º Fórum Mundial da Água, que acontece em março em Brasília), a Vale S/A se esforça para tentar desqualificar uma ação civil pública que questiona sua exploração de águas subterrâneas feita dentro do Complexo de Tubarão, no limite entre os municípios de Vitória e Serra.

 

Em sua contestação à ação, impetrada pela Juntos SOS ES Ambiental, a Vale chega a “confundir” poluição do ar com poluição da água, mas não consegue negar a contaminação comprovada dos valiosos recursos hídricos que explora, tampouco o crescimento exponencial do consumo, garantido por pelo menos 87 poços, 80 deles abertos nos últimos dez anos – como bem informou reportagem publicada neste Século Diário em 2015 – com ênfase nos últimos quatro anos, no auge da maior crise hídrica da história do Espírito Santo.
 
Daí o motivo da afirmação, bem conhecida no meio ambientalista e também entre a elite econômica e política do Estado, que “a Vale exporta não só pelotas, mas também água”.
 
Na contestação apócrifa feita no processo, a ré diz que uma ação anterior, de 2006, pela Associação Nacional dos Amigos do Meio Ambiente (Anama), trataria dos mesmos objetivos, sendo portanto a da Juntos – SOS redundante e desnecessária.
 
Em sua réplica, porém, a entidade reafirma que sua ação tem foco na água, que é explorada de forma insustentável pela Vale – com conivência do Estado, que se omite de devida regulamentação –, enquanto a citada pela empresa, que tramita há mais de dez anos da Justiça, objetiva exigir redução da poluição do ar gerada pela multinacional, bem como ressarcir a população e o meio ambiente dos danos provocados.
 
O ponto em comum entre as duas é um laudo pericial elaborado por exigência do magistrado responsável pelo julgamento da ação da Anama, em que ficou comprovado – mesmo a partir de laudos iniciais, ainda longe de serem concluídos, segundo entendimento do juiz, considerando  a inexistência de estudos imparciais sobre o assunto, sendo todos eles feitos pela própria poluidora – não só a relevante poluição do ar pela Vale, mas também da baía de Vitória e das águas subterrâneas localizadas dentro do Complexo Minero-siderúrgico, onde também se localiza a planta da siderúrgica ArcelorMittal Tubarão.
 
A partir desse laudo, inclusive, que a Juntos tomou iniciativa de questionar a abertura excessiva de poços para garantir o consumo insustentável de água pela mineradora, bem como a contaminação dos recursos hídricos na região pelas atividades industriais da mesma.
 
“A presente demanda tem como objetivo impedir a captação de águas subterrâneas pela Vale S/A, através de perfuração de poços de abastecimento de água, que têm sido operado pela empresa, ora demandada, sem critérios de planejamento, eficiência, segurança, com a contaminação/comprometimento dos aquíferos da Grande Vitória”, reafirma a Juntos.
 
No documento, a entidade informa a constatação, alcançada pelo perito, “que o processo de produção das indústrias siderúrgicas e metalúrgicas e da tecnologia utilizada, decorre uma ampla variedade de substâncias que podem ser liberadas em seus efluentes, entre elas estão os sólidos em suspensão, fenóis, cianetos, amônia, fluoretos, óleos e graxas, ácido sulfúrico, sulfato de ferro e metais pesados e, diante deste fato, o perito judicial coletou amostras no Porto de Tubarão, evidenciando a presença de compostos altamente nocivos à saúde humana e ao meio ambiente, tais como benzeno, 1.1-dicloroeteno, tricloroeteno, tetracloroeteno e fenóide, além da presença de microbiológicos tais como E. coli, Enterococos e coliformes termotolerantes”.
 
“Não há sequer um único resultado analítico das amostras de água subterrânea que demonstrem a inexistência de compostos altamente nocivos à saúde humana e ao meio ambiente”, destaca a Juntos – SOS.
 
Entre os pedidos da ação, a autora pede que a mineradora suspenda a exploração dos poços artesianos até que seja realizado um novo estudo sobre a qualidade da água, além da adoção das providências cabíveis para eliminar a contaminação e da autorização estatal para exploração dos recursos subterrâneos. Tudo isso sob pena de multa diário no valor de R$ 500 mil por dia de atraso, no atendimento de cada providência (ao todo, são sete).
 
Ressarcimento à coletividade
 
Outro ponto importante rebatido pela ONG é o questionamento do valor da ação proposta, considerado demasiado alto pela ré. Citando jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e artigos da Constituição Federal e da Política Nacional de Meio Ambiente, a entidade afirma que “é de se ressaltar que, em nosso sistema jurídico, vigora o princípio da reparação integral ou in integrum do dano ambiental, irmão siamês do princípio do poluidor-pagador, a determinar a responsabilização por todos os efeitos decorrentes da conduta lesiva, incluindo, entre outros aspectos, o prejuízo suportado pela sociedade, até que haja completa e absoluta recuperação in natura do bem lesado”.
 
Convém finalmente frisar, destaca a entidade, “que, ao contrário do que alega a ré, os deveres de indenização e recuperação ambientais não são ‘pena’, mas providências ressarcitórias de natureza civil que buscam, simultânea e complementarmente, a restauração do status quo antes da biota afetada e a reversão à coletividade dos benefícios econômicos auferidos com a utilização ilegal e individual de bem suprainidividual salvaguardado, que, nos termos do art. 225 da Constituição, é ‘de uso comum do povo’”.
 
A recusa de aplicação ou aplicação parcial do princípio do poluidor/pagador, ressalta a Juntos – SOS, “arrisca projetar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa, daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável, ‘risco ou custo de negócio’, acarretando o enfraquecimento do caráter dissuasório da proteção legal, um verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do infrator premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério”.

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