O episódio registrado em Guarapari na terça-feira de Carnaval (13), em que a Polícia Militar reprimiu duramente foliões na Praia das Castanheiras, centro da cidade, parece ter repercutido mal para a Secretaria de Estado de Segurança Pública, que comanda a tropa, respingando até na imagem do governador Paulo Hartung.
Sinal disso é que, poucos dias depois, nessa quinta-feira (15), Hartung participou de um evento político que reuniu o prefeito da cidade Edson Magalhães (SD); deputados estaduais e federais, além de lideranças empresariais em Meaípe, badalada localidade do balneário. Também participaram membros da cúpula da segurança pública estadual e representantes da comunidade, como o presidente da Associação de Hotéis e Turismo de Guarapari, José Renato Cesar.
O motivo do encontro, segundo notícia divulgada no site oficial, foi “agradecer a Hartung pela atuação do governo do Estado no Carnaval 2018; em específico, na área da segurança pública”.
Praça de Guerra
Parece até ironia, pois neste Carnaval 2018, antes e durante os dias oficiais de folia, houve forte repressão aos blocos carnavalescos. Pelo menos em três episódios foram registrados confronto direto com uso de spray de pimenta, bombas de efeito moral, balas de borracha; ações que resultaram em feridos e pânico num período destinado à diversão e à alegria.
O mais violento de todos foi, justamente, registrado no balneário de Guarapari. Na madrugada de segunda (12) para terça-feira (13), por volta das 3 horas, o calçadão da Praia das Castanheiras, que integra o centro da cidade, transformou-se em cenário de guerra. Os PMs utilizaram uso da força e armas menos letais, como spray de pimenta, bombas e balas de borracha. Houve pânico, correria, pessoas quase pisoteadas e outras atingidas pelas balas de borracha. Entre os foliões estavam crianças, idosos até em cadeiras de rodas, adolescentes, jovens; enfim, famílias inteiras.
De acordo com versão do comando da PM, a ação foi necessária, pois foliões iniciaram a confusão jogando garrafas contra homens da corporação. Mas quem estava no local e presenciou todos os fatos tem outra versão. Relatos dão conta de que, desde o início do Carnaval, a Polícia Militar lançou mão do spray de pimenta para dispersar os foliões das ruas em Guarapari, depois que a programação oficial da cidade com desfile de blocos era encerrada. Uma espécie de toque de recolher.
A estudante Taís Ramalhete, de 18 anos, que mora em Guarapari desde que nasceu, conta que, em nenhum momento, os foliões provocaram a PM. “Muito pelo contrário! Na noite de sábado, a PM constantemente ‘tacava’ spray de pimenta sem razão alguma; não vi briga em momento algum”, contou a jovem.
Taís continua: “as garrafas foram lançadas quando vários policiais vieram do início da praia ate o final tacando spray e, logo em seguida, começaram com as bombas. Disseram que havia som alto, mentira! Desde o primeiro dia de Carnaval, ouvi turistas reclamando que não tinha som no Carnaval de Guarapari. Os PMs não foram recebidos com pedradas e garrafadas. Desde o início da festa, eles já estavam no local, andavam juntos e notificando quem estava com caixinhas de som. Na minha opinião, foi tudo premeditado para a festa não durar até de manhã. Tanto que, antes da confusão começar, passaram umas 20 viaturas e todo mundo se perguntando qual a necessidade daquilo, sendo que não tinha briga nem nada”, disse Taís.
Gabriely Rocha, também de 18 anos, foi atingida por balas de borracha nas pernas, que causaram ferimentos graves. A jovem fez um desabafo em rede social sobre o episódio: “Ontem passei por uma situação criada pelos policiais, que não desejo a ninguém. Estava curtindo o carnaval no centro, quando começaram a tacar bomba de 'efeito moral' nas pessoas e infelizmente acabei sendo atingida por uma. Vi pessoas caindo no chão e eles continuaram a jogar essas bombas, pais de família protegendo os seus filhos que gritavam de medo, uma situação criada sem necessidade”, disse em um trecho da postagem
Despreparo
Moradores questionaram o preparo da PM dado pelo governo para enfrentar a situação. “Cadê as câmeras de videomonitoramento para apurar de onde realmente começou o conflito?E por que tratar todo mundo como vagabundo?”, disse uma moradora que preferiu não ser identificada.
O arquiteto C. Pinheiro, por sua vez, completa: “o treinamento militarizado envolve muita violência física. Se tivéssemos um treinamento civil com profissionais de variadas formações; um programa de segurança e não o enfrentamento bélico, certamente, o aparelho de segurança pública se faria presente sem tanta pirotecnia e com resultados mais objetivos. Eles hoje tratam o policiamento como um campo de batalha e veem no cidadão um inimigo em potencial. Mas a força está tão ‘bolsanariana’ que nem aceita críticas”.
Ambos concordam com uma repressão seletiva da PM, que atua mais em locais onde há público de pessoas com menos recursos financeiros, que escolhem o carnaval de rua gratuito. Em Guarapari, há casas de shows privadas frequentadas por jovens de classe média, em que há som alto durante toda a noite incomodando moradores, e que nunca sofreram fiscalização. “Nos dois dias seguintes, eles (os PMS) voltaram lá e continuaram jogando bomba depois de um determinado horário, tipo toque de recolher mesmo. Estão criminalizando a diversão de quem é mais pobre”, disse César.