Fazem dois anos que a Secretaria de Cultura de Vitória não lança editais da Lei Rubem Braga (LRB) – lei de incentivo à produção artística da Capital. O fato tem provocado um buraco na produção cultural da cidade, uma vez que LRB é a responsável por viabilizar parte considerável de projetos de produtores e artistas locais. Somente no último edital, de 2015, foram feitas mais de 200 inscrições. Em 27 anos de existência, foram cerca de dois mil projetos realizados com apoio da LRB.
O vácuo no lançamento dos editais é lamentado por realizadores que reconhecem na LRB um importante instrumento não só para fomento à produção cultural, mas na própria formação de artistas capixabas. “A geração do audiovisual dos anos 1990 foi quase toda formada em projetos apoiados pela Rubem Braga”, diz a cineasta e produtora Sáskia Sá, que estranha a decisão da Secretaria de Cultura. “Se é lei, deve ser cumprida.”
A alternativa que resta hoje para fomento da produção artística capixaba praticamente se resume aos editais da Secretaria de Estado da Cultura (Secult), uma vez que projetos originais do Espírito Santo raramente são contemplados nos editais de incentivo à cultura que concorrem em nível nacional. E, infelizmente, a produção cultural no Brasil é em sua maior parte viabilizada por meio de verba pública, seja diretamente ou por renúncia fiscal. “Até artistas da projeção de Ivete Sangalo recorrem aos editais de incentivo cultural”, diz a produtora Tânia Silva, da Caju Produções.
Burocracia?
Sáskia e Tânia já foram completadas pela LRB, mas hoje demonstram certo desânimo em submeter novos projetos. E os motivos são vários, como a burocracia e as incongruências que se impõem desde o processo de submissão à prestação de contas do projeto aprovado. “É comum que projetos aprovados recebam apenas uma parte do orçamento proposto, e ainda assim temos que prestar conta de 100% do valor do aporte informado no edital”, aponta Tânia.
Esse foi um problema que afetou a produção de Vento Sul, curta metragem de Sáskia Sá, que precisou concorrer nos editais da Secult para completar a verba e finalizar o filme. “Fomos contemplados em edital de 2011 da LBR, mas tivemos um corte de 50% no orçamento do filme, o que atrasou a produção.” A outra metade da verba para realização do curta foi obtida em edital da Secult de 2013 e o filme foi lançado em 2014.
“Os editas não são claros sobre isso. A gente só fica sabendo do corte quando da aprovação do projeto,” diz Tânia. O fato, segundo ela, faz com que produtores e artistas tenham que correr atrás de outros apoios e/ou reduzir custos, como diminuir o cachê de colaboradores ou do realizador. Sáskia acredita que os cortes fazem com que muitos projetos fiquem pelo caminho, sem conclusão ou com grande risco de inadimplência. Hoje à frente da produtora Horizonte Líquido, ela diz não considerar mais a LRB como fonte de fomento para novos projetos. “É complicado”, destaca.
Gerência
Outro problema apontado pelas produtoras é quanto à gerência da LRB. “Ao contrário da Secult, pela LRB não conseguimos assistência para tirar dúvidas sobre a burocracia de submissão dos projetos e de seu acompanhamento, quando aprovado”, diz Tânia, que conta já ter perdido um projeto por não ter informado o número do PIS. “Ou seja, perde-se um tempo de investimento para montar o projeto e ele não passa por falta de um documento que nem era determinante ao seu conteúdo.”
As falhas de gerência são um problema apontado também por Leandra Moreia, produtora e presidente da Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-metragistas do Espírito Santo (ABD Capixaba),que se queixa do número reduzido de pessoal interno para acompanhar a execução dos projetos. Ainda sobre a gerência, Leandra considera que as comissões de seleção deveriam emitir pareceres consistentes sobre cada projeto e que estes deveriam estar acessíveis a todos que quisessem consulta-los. “Além disso, não existe uma política efetiva de difusão dos projetos apoiados, de modo a tornar público os resultados alcançados”.
Das três produtoras, apenas Leandra tem acompanhado o processo de reformulação que a equipe da Secretaria de Cultura de Vitória está promovendo na LRB. Tânia Silva e Sáskia Sá dizem desconhecer qualquer notícia sobre isso. “Sou produtora há mais de 15 anos e não estou sabendo desse processo. A Secretaria não tem uma comunicação direta com os produtores”, diz Tânia.
O vácuo
Apesar das três produtoras reconhecerem a importância da LRB para a produção artística e cultural de Vitória, o vácuo no lançamento dos editais cria uma série de embaraços, pois “deixa de girar uma máquina da economia criativa, que reúne uma teia de profissionais quem ficam sem trabalho”, diz Tânia Silva. Como exemplo, Leandra informa que nos últimos três anos antes da suspensão dos editais, foram captados através da LRB cerca de R$ 5,5 milhões via renúncia fiscal, distribuídos em 207 projetos.