Nesta última semana de fevereiro, recebeu simultaneamente, do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf), as licenças prévia (LP) e de operação (LO) para plantios de 109,91 hectares na Fazenda Santana I, em São Mateus (LP nº 297/2018 e LO nº 364/2018) e de 127,54 hectares na Fazenda Cana Brava X, em Pinheiros (LP nº 294/2018 e LO nº 360/2018).
Somente neste ano, a empresa tornou público a permissão estatal para plantios de, pelo menos, 729,72 hectares em Linhares (Fazenda Nossa Senhora das Graças)e de 115 hectares também em Pinheiros (Fazenda Bonita II), totalizando 1.082,17 hectares, apenas em três municípios da região mais árida do Estado.
Os reflorestamentos com espécies nativas, para recuperação do solo e dos recursos hídricos, no entanto, sejam por meio do alardeado Programa Reflorestar ou outras políticas públicas, não chegam nem perto desse montante. Ao contrário, a principal estratégia do governo Paulo Hartung com relação à crise hídrica tem sido o investimento pesado em grandes, médias e pequenas barragens, muitas delas feitas ao arrepio da legislação, sem a devida consulta dos conselhos de Meio Ambiente e de Recursos Hídricos e dos Comitês de Bacias Hidrográficas onde as faraônicas obras são instaladas.
Segundo estimativas do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), pelo menos 250 mil hectares do território capixaba hoje já estão cobertos com a monocultura industrial de eucaliptos voltada à produção de celulose. Os movimentos sociais do campo estimam que o total seja maior, em torno de 350 mil, sem contar os plantios menores feitos em propriedades particulares de pequenos agricultores.
A cumplicidade do Estado com o adoecimento do norte e noroeste do Espírito Santo, por meio do deserto verde, é histórica. Teve início na década de 1950, com a implantação da pioneira, Aracruz Celulose, e seus correntões de ferro que derrubaram milhares de hectares de Mata Atlântica de Tabuleiro, um dos biomas de maior biodiversidade de todo o planeta, e expulsaram os moradores do campo e da floresta à base de ferro, fogo e grilagem.
Depois de um curto período de ligeira redução do crescimento do deserto, no início do século XXI, a agressão voltou a crescer, motivada por um novo destino para a fibra da árvore exótica, a produção de placas de MDF, por parte da empresa Placas do Brasil, instalada em Pinheiros. A emissão simultânea das LPs e LOs, aparentemente resultado do Licenciamento Simplificado, favorecem ainda mais o galopante avanço da destruição social e ambiental na região.
Quilombolas, camponeses, indígenas, pequenos agricultores e trabalhadores sem terra são os primeiros alvos humanos a serem desprezados e massacrados pela roda da fortuna das papeleiras e afins. Os impactos, no entanto, atingem toda a sociedade, que perde suas nascentes, córregos e rios, e que é obrigada a conviver com a seca e as mudanças climáticas cada vez mais acentuadas.
Em dezembro último, a Justiça Estadual declarou a ilegalidade do Programa Fomento Florestal II da Aracruz Celulose, implantado em 2001 em 30 mil hectares do norte capixaba, para atender à demanda da Fábrica C.
A decisão foi do juiz Julio Cesar Costa de Oliveira, da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual, Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente e Saúde de Vitória, que declarou a nulidade da Licença de Operação (LO) nº 001/2000, emitida pelo Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf), autorizando a implantação do Fomento II, sem a exigência de apresentação prévia de Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima).
Em sua sentença, o juiz ressalta que chamou atenção o fato de, para a emissão da LO, a empresa ter apresentado apenas descrições genérica dos impactos dos empreendimento, não havendo dados específicos “por bacias e micro-bacias hidrográficas, e sem considerar os Meios Físicos, Biológicos e Socioeconômicos”.
Sendo uma decisão em primeira instância, o processo cabe recurso no Tribunal de Justiça. No entanto, na avaliação de um dos advogados que elaboraram a ação, Sebastião Ribeiro Filho, há poucas chances de os desembargadores decidirem de forma diferente à do juiz.
Em outro processo, a Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Espírito Santo negou provimento ao recurso impetrado pela Suzano Papel e Celulose S/A e a Aracruz Celulose (Fibria) na ação civil pública em que o Ministério Público Estadual (MPES) requer a proibição para novos plantios de eucalipto no município de Montanha, extremo norte do Estado.
Em seu despacho, o relator da decisão em segunda instância, desembargador substituto Getulio Marcos Pereira Neves, cita o estudo feito pelo MPES mostrando falhas no Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) apresentados pelas empresas.
“O MPES apresentou estudo técnico que dá conta de que a área onde se visa implantar a monocultura da agravante ‘é considerada de vulnerabilidade natural alta e muito alta para recursos hídricos’, o que significaria dizer que tratar-se de área ‘incapaz de resistir e⁄ou recuperar-se após sofrer impactos negativos decorrentes da atividade antrópica.’ (pág. 1540), atraindo a incidência dos princípios da precaução e da prevenção”, afirmou o desembargador.