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A falácia da participação social nos conselhos ambientais

“Esses espaços estão sendo negados à população. A lei diz que são soberanos, então eles infringem a lei todos os dias!”. A afirmação, referente às manobras políticas engendradas nos conselhos de meio ambiente e de recursos hídricos capixabas pelos gestores públicos em comum acordo com o setor empresarial, é da bióloga Marcia Lederman, atual diretora-presidenta da Sociedade Amigos por Itaúnas (Sapi). Mas traduz uma certeza compartilhada pelo conjunto dos conselheiros ambientais mais experientes do Espírito Santo.

“O voto que ganha nunca é da sociedade. Não tem divisão de poder”, lamenta Paulo Pedrosa, da Associação dos Amigos da Praia de Camburi (AAPC), uma das ONGs mais combativas da Grande Vitória.

“Só estamos lá para referendar os atos do governo e do setor empreendedor”, reconhece Eraylton Moreschi Junior, presidente da Juntos SOS ES Ambiental, outra entidade entre as mais ativas nos conselhos da Capital e do interior.

“São espaços mais informativos e consultivos”, eufemiza Marcia Lederman. A ambientalista lembra que os conselhos e comitês foram criados para que a população fizesse parte dos processos de decisão dos investimentos de políticas e investimentos públicos. Na esfera ambiental, a Lei nº 9.985/00, que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), é um marco da “explosão” dos conselhos.

Uma conquista de duas décadas, pondera Marcia, que tem sido minada, principalmente nos últimos 10 anos. “Vivemos uma falsa democracia nesses espaços, uma ditadura velada, do capital”, denuncia.

Como exemplo, cita o caso do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Itaúnas. O próprio governo estadual financiou um diagnóstico completo da bacia, com oficinas e reuniões durante um ano inteiro, relata. Ao final, o estudo indica que a disponibilidade hídrica é negativa, no entanto, o mesmo governo aprovou a construção de médias e grandes barragens na combalida bacia.

“Existe um programa paralelo, que é o de barragens, que está sendo implantado, independentemente do resultado do diagnóstico e do Comitê. Que órgão soberano sobre a água é esse? É um programa feito à revelia da informação. Isso é ofensivo”, indigna-se.

Cartas marcadas

Diagnósticos, pareceres técnicos de órgãos ambientais, relatórios de Comissões Parlamentares de Inquéritos (CPIs)… quando os interesses do setor produtivo estão em jogo, os conselheiros representantes da sociedade civil ouvidos pela reportagem são unânimes em denunciar que o bem-estar da população e mesmo o princípio da precaução são absolutamente ignorados, por meio de manobras políticas dos gestores dos órgãos ambientais, interpretações dos estatutos e da lei, ou mesmo ao arrepio de qualquer bom senso legal.

O licenciamento da Fábrica C da Aracruz Celulose (Fibria) e do Estaleiro Jurong em Aracruz, e da 8ª Usina da Vale, em Vitória, são exemplos crassos desse desrespeito, quando os representantes da sociedade civil foram vozes isoladas num processo viciado, de cartas marcadas, voltado a autorizar a expansão de empreendimentos de altíssimo impacto socioambiental, já inúmeras vezes denunciados neste Século Diário.

Como reverter essa (des)ordem? A volta do formato paritário – metade das cadeiras para a sociedade civil e metade dividida entre o Poder Público e o setor empresarial – ao invés do atua formato tripartite – em que cada um dos setores tem um terço das cadeiras – e uma maior profissionalização das secretarias dos conselhos são duas das medidas destacadas por José Marques Porto, da Associação Nacional dos Amigos do Meio Ambiente (Anama) para atenuar o massacre da participação social.

“São recomendações da CPI do Pó Preto. Hoje os cargos são comissionados, deveriam ser servidores concursados, com independência frente aos gestores”, sugere.

Perseguição

Não bastasse a distribuição desigual de poder, a sociedade civil ainda é alvo de perseguição, direcionada às lideranças mais combativas. É o caso do presidente da Juntos SOs, Eraylton Moreschi, que foi impedido de assumir uma cadeira no Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente de Vitória (Comdema), por uma medida que ele considera indevida, tomada arbitrariamente pelo presidente do Conselho, o secretário municipal de Meio Ambiente, Luiz Emanuel Zouain.

O gestor determinou que um conselheiro só pode representar uma entidade à qual é filiada formalmente. “Isso nunca foi um regramento. Agora, só porque a Associação Estadual dos Engenheiros Florestais [Aefes] me indicou para algumas câmaras técnicas do Comdema, o secretário ‘criou’ essa regra”, denuncia o ambientalista. 

Mario Camilo, presidente da Associação Capixaba de Meio Ambiente (Acapema), também protesta contra o que ele diz ser uma interpretação incorreta do estatuto do Comdema, que o impossibilitou de continuar no Conselho em 2018. O novo estatuto diz que um mesmo conselheiro só pode ser reconduzido ao cargo uma única vez, mesmo que representando entidades diferentes. A mudança do estatuto, alega Mario, tendo ocorrido em 2015, poderia permitir sua recondução no atual biênio.

Há quem fique tão exausto dos desmandos, que prefere transformar a estratégia de participação, como a AAPC de Paulo Pedrosa, que foi dissolvida exatamente pelo cansaço de seus membros em participar dos engodos das reuniões dos conselhos. “É muito desgastante. Um tempo que você usaria pra levantar fontes de renda para sua família, acaba entrando em discussões onde muitas vezes não se é ouvido”, reclama.

A diretoria e demais membros da extinta entidade, no entanto, continuam unidos, e utilizando a AAPC como nome fantasia para divulgar as ações de educação ambiental que realizam. “Todos nós nos respeitamos. Informal agora é mais forte do que era”, assegura Paulo.

União campo-cidade

A despeito da decisão do presidente do Comdema, a Juntos SOS e a Anama, experimentam, este ano, uma estratégia para capilarizar a participação da sociedade nos conselhos: indicaram lideranças de movimentos sociais, coletivos ambientais e ONGs ainda não cadastradas no Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) para ocuparem suas cadeiras nos conselhos regionais (Conremas I, II, III e IV).

Na Grande Vitória (Conrema V), a atuação continuará assídua. “É o espaço que temos para acompanhar os desmandos, ouvir as barbaridades e colher os dados, já que não temos voz para fazer denúncias no Ministério Público e na imprensa”, explica Eraylton.

“Unir, pra fazer os fracos se tornarem fortes”, conclama José Marques Porto. É a união campo-cidade, para melhorar a luta ambiental que eles já fazem nos seus territórios”, anuncia. 

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