A principal modificação que a MP – ainda sem número – traz é a obrigação, para os municípios, de abrirem um Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), caso não queiram mais assumir os serviços de saneamento, sendo obrigadas a abrir processo licenciatório se alguma empresa privada manifestar interesse.
Atualmente, o município pode decidir entregar o serviço para o Estado, como acontece com a Companhia Espírito Santense de Saneamento (Cesan), que atua em vários municípios da Grande Vitória e interior. Basta aprovar um projeto na Câmara de Vereadores e celebrar o contrato com o Estado.
Com a MP, as concessionárias estaduais terão que competir com as empresas privadas e, dificilmente, irão vencer a concorrência. Resultado: “Privatização do ‘filé’ e precarização maior ainda do que já é ruim. Ou seja: o total sucateamento do saneamento no país, que já é precário”, avalia o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Espírito Santo (Sindaema), Fabio Giori.
Usando novamente o exemplo da Cesan, fica claro entende a “covardia” que é colocar uma empresa de economia mista pra concorrer com uma empresa privada. Mesmo estando em uma empresa de economia mista, os funcionários da Cesan são contratados por concurso públicos e são considerados empregados públicos. Não são servidores públicos, pois estes são estatutários, mas são empregados públicos.
A Cesan segue o regime da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Seus funcionários não têm a mesma estabilidade de emprego como os servidores, mas uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), empregada à economia, mista, determina que os empregados públicos só podem ser demitidos por motivação justificada (por exemplo: a empresa mista perdeu uma concessão em determinado município, não tem como alocar aqueles funcionários, então, pode demitir). Na economia mista, as compras também só podem ser contratadas por licitação. E por aí vai.
Numa empresa privada, ao contrário, as contratações e demissões acontecem sem essa regulação mais rigorosa – concurso público e motivação justificada – e as compras são feitas sem licitação.
Assim, na administração pública, uma mesma obra sai mais caro que numa empresa privada. “A Cesan não ganharia licitação nunca contra uma empresa privada”, adverte o líder sindical.
Para piorar a crueldade do cenário pretendido por Michel Temer e sua “temerosa” Medida Provisória, é sabido que a iniciativa privada não tem nenhum interesse em prestar serviços em municípios deficitários, e somente eles é que “sobrarão” para as empresas mistas ou estatais. “Vai quebrar a Cesan e os serviços voltarão pros municípios”, explica.
Na prática, os municípios hoje já deficitários, vão ficar ainda piores, pois historicamente sabe-se que município não investe adequadamente em saneamento.
O investimento federal também não é significativo. Em 2018, informa Fabio Giori, o orçamento da União para o setor foi de 0,02% do orçamento do país! E o pouco recurso federal destinado ao saneamento não consegue ser acessado por muitos municípios, que têm dificuldades em comprovar as certidões negativas, a situação fiscal regularizada e, muitas vezes, sequer dispõem de equipe capacitada para elaborar os projetos solicitados pela União.
'Clubinho fechado'
As discussões sobre a “temerosa MP” já foram convocadas pelo Ministério das Cidades em outubro de 2017, quando, na avaliação dos movimentos sociais e sindical, foram convidadas entidades do setor mais interessadas na concessão dos serviços à iniciativa privada. “A convocatória ignorou o Conselho Nacional das Cidades. Isso demonstra o interesse do governo de empurrar a MP goela a baixo da sociedade”, avalia.
O Sindaema e demais sindicatos da categoria no país estão se organizando por meio da Federação Nacional dos Urbanitários, para uma atividade autogestionada durante o Fórum Alternativo Mundial da Água (Fama), que acontece paralelamente ao 8º Fórum Mundial da Água, durante os dias 18 a 23 de março, em Brasília.
Também trabalham na elaboração de um documento que vai servir de balizador para as ações dos sindicatos dos estados. Buscam atores do movimento sindical e sociais e apoio de outras entidades, de Associações como a dos Engenheiros Sanitários (Abes), dos SAAEs (Assemae) e das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe).
“Nós temos críticas sobre os serviços prestados pela Cesan. Não fechamos os olhos pros desafios. Mas sabemos que a Cesan é referência em nível nacional. E fazemos uma leitura de que privatizá-la é andar na contramão da luta por esses desafios que precisam ser superados”, explica o presidente do Sindaema, citando o exemplo da cidades de Paris.
Na capital francesa, conta o sindicalista, atuaram algumas das empresas-referência no assunto, uma delas até candidata à compra da Companhia Espírito Santense de Saneamento (Cesan). Mas os resultados não atingiram as expectativas de acesso e qualidade. A reestatização já aconteceu há mais de cinco anos, período em que os serviços melhoraram e as tarifas tiveram seus valores reduzidos.
PPPs não são a solução
A solução? Gestão pública e mais investimentos públicos no setor. No caso da Cesan, o Estado tem 99,3% das ações. E não retira a sua parte do lucro, deixa com a concessionária. Este ano, a estimativa é que os lucros superem os R$ 120 milhões. Mas isso não é suficiente, na opinião do movimento sindical. “O Estado tem que colocar mais dinheiro no saneamento”, afirma.
E o investimento não deve se limitar a obras de infraestrutura, como estações de tratamento, elevatórias, redes de água e esgoto. Deve-se também investir na modernização da gestão. Os Planos Municipais de Saneamento são uma prova. Mesmo com a possibilidade de contratação de universidades e instituições públicas e privadas para elaboração dos projetos, os municípios não estão conseguindo e o prazo final para a aprovação dos Planos Municipais segue sucessivos adiamentos. “Falta gestão, mesmo”, avalia. E gestão pública, reafirma. “Fala-se que gestão privada é eficiente, mas eu cito três Parcerias Público-Privadas (PPPs) no Espírito Santo que provam o contrário: o Transcol na Grande Vitória, a Rodosol e a ECO 101”, dispara.
“No Transcol a população vive sangrando, não tem segurança, não tem dignidade. Paga caro pra um serviço que não funciona. E com isso, sofre também quem não usa o sistema, porque a fuga para o transporte individual causa o caos na mobilidade urbana”, diz.
No caso da Rodosol, especialmente no trecho da Terceira Ponte, quem faz as obras reivindicadas é o governo estadual, apesar da Rodosol lucrar milhões. “É o público entrando com recursos e o privado com o bolso. A empresa não cumpre os contratos, e quando é cobrada, só faz as ações se receber remuneração extra”, denuncia.
“A ECO 101 acho que é a mais revoltante de todas. Somente dois quilômetros de rodovia duplicados, milhões arrecadados por ano e pessoas morrendo em trechos que já deveriam ter sido duplicados”, protesta.
Mais informações na fanpage do Fama.