O projeto A Vale, a Vaca e a Pena, do pintor Kleber Galvêas, iniciou nesse sábado (17) sua 22ª edição. Mais uma vez, desde 1997, o artista colocará uma tela branca e virgem numa mesa instalada em varanda coberta de seu ateliê na Barra do Jucu, em Vila Velha, e, passados 50 dias de exposição do material à poluição do ar que circula na Grande Vitória, fará um desenho com o dedo indicador como pincel e o famigerado pó preto (“partículas sedimentáveis”, na definição oficial dos órgãos ambientais) como tinta.
“A Instalação desta tela é uma provocação artística que se repete ano após anos colecionando fracassos: não sensibiliza o universo político”, reconhece Kleber. A insistência, no entanto, é uma forma de dar vazão à sua indignação e a do público que o visita.
Os desenhos são sempre feitos no dia seis de maio, aniversário da compra da então Companhia Vale do Rio Doce, pelo Consórcio Brasil, que arrematou a mais lucrativa empresa pública brasileira pela bagatela de pouco mais de R$ 3 bilhões.
Kleber, que também é economista, apoiou, à época, a privatização, acreditando que a gestão privada traria mais rigor no controle da poluição. Mas, qual? A índole da gestão privada mostrou sua verdadeira face um ano depois, em uma audiência pública sobre poluição atmosférica na Câmara de Vitória.
Em entrevista concedida a este Século Diário em 2017, por ocasião das comemorações da maioridade de seu projeto, Kleber nos contou o fato. O então presidente da Comissão de Meio Ambiente da Casa, Luciano Rezende (PPS), o convidou para compor a mesa, junto a representantes dos órgãos públicos e das poluidoras. O pintor, no entanto, preferiu ficar na galeria, próximo às suas telas. Foi quando um dos técnicos da Vale disse que, no pó preto das telas de Galvêas, não havia minério de ferro.
O artista tomou então seu lugar à mesa e, com um experimento simplório, mostrou a presença do ferro no pó. Com um escovão de sapatos, recolheu um pouco de pó depositado na sala e o colocou sobre uma folha de papel. Com um ímã de geladeira trazido no bolso, movimentado embaixo do papel, fez a poeira preta dançar guiada pelo ímã, deixando aos “doutores” da Vale e os demais presentes boquiabertos.
Expulsão é a única solução
Nove anos depois, convencido de que nada mudaria nesse sentido, chegou a manifestar firmemente a necessidade de iniciar o processo gradativo de transferência do Complexo de Tubarão. Era o no ano de 2006, quando se iniciava o licenciamento da 8ª Usina da Vale.
A Vale “nadava em ouro”, contou-nos na mencionada entrevista, e justificou a metáfora com a citação da escalada de crescimento dos lucros da mineradora: em 1997, seu último ano como estatal, foi (US$ 257 milhões; no ano seguinte, cerca de US$ 765 milhões; no seguinte, US$ 1,2 bilhão; em 2006, foi de US$ 20 bilhões, já tendo chegado a mais de US$ 30 bilhões. “E ela foi vendida por US$ 3,7 bilhões!”, protestou.
A oitava usina praticamente dobrou a produção da Vale, deixando na população a sensação clara de aumento também da poluição do ar. Analisando o meio século de desmandos relativos à Vale – e sua vizinha na Ponta de Tubarão, a ArcelorMittal – Kleber considera que “a única solução é retirar o complexo de Tubarão de lá. A nossa vocação é portuária e turística, nunca foi a siderurgia. Isso é um erro absurdo de estratégia”, atacou.
Entrada gratuita
A visita à exposição A Vale, a Vaca e a Pena é gratuita, com funcionamento todos os dias das 9 às 18 horas. As telas desenhadas desde 1997 até 2018 ficarão expostas à visitação pública, até dia 20 de maio.
Informações sobre o projeto, incluindo histórico, vídeos, e as telas desenhadas nos anos anteriores podem ser vistas no site do ateliê.