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Proteção integral em Trindade beneficiaria também a pesca artesanal tradicional

Ao contrário do que tenta fazer crer o setor industrial – brasileiro e especialmente o capixaba –, ambientalistas e pescadores artesanais tradicionais falam a mesma língua quando o assunto é proteger integralmente os grandes pesqueiros na costa e no oceano.

“Unidades de conservação de proteção integral são muito boas para os pescadores tradicionais e artesanais”, assevera o biólogo João Luiz Rosetti Gasparini, autor de boa parte das imagens divulgadas no Brasil e no exterior mostrando as belezas únicas de Trindade e Martim Vaz/ES e de São Pedro e São Paulo/PE.

A afirmação foi feita nesta segunda-feira (19), momentos antes da assinatura do decreto presidencial criando as unidades de conservação (UCs) nos dois arquipélagos, dentro da programação do 8º Fórum Mundial da Água, em Brasília.

A expectativa, no entanto, é carregada de boa dose de frustração, tanto pela comunidade científica quanto por ambientalistas do Espírito Santo, Brasil e no exterior. O motivo é que, após anos de empenho para pavimentar o caminho que levasse a uma medida oficial de proteção dessas duas joias do mar brasileiro, o resultado final deixa em todos uma sensação de “nadar, nadar e morrer em mar aberto”, numa alusão ao famoso ditado popular.

O que se sabe é que os desenhos das UCs a serem oficializados pelo presidente da República, Michel Temer, são os que foram alterados nos gabinetes da Marinha e do Ministério do Meio Ambiente (MMA), desvirtuando as orientações técnicas sistematizadas no estudo disponibilizado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) durante o período de consulta pública para a criação das UCs, em fevereiro último.

As pesquisas científicas apontaram para a criação de UCs de proteção integral, no mínimo, em toda a área das principais ilhas – Trindade e São Pedro e São Paulo –, expandindo-se também para regiões no entorno das mesmas. Em alguns cenários – o estudo sugeriu três cenários possíveis, que contemplariam todo o histórico de investigações científicas já realizados sobre os dois arquipélagos –, essa expansão era maior, em outros, um pouco menor.

'Para inglês ver'

Contrariando toda a lógica científica, no entanto, um acordo entre o MMA e a Marinha deixou de fora da proteção integral cerca de dois terços das ilhas principais, criando UCs de uso sustentável em grandes regiões de mar aberto. “São unidades de conservação ‘para inglês ver’”, reclama o biólogo.

A manobra é clara: ao criar duas grandes UCs de desenvolvimento sustentável, no caso duas Áreas de Proteção Ambiental (Apas), próximas aos arquipélagos, o governo brasileiro cumpre a Meta nº 11 do Acordo de Aichi – as Metas de Aichi são um acordo internacional, do qual o Brasil é signatário, e determina que os países devem proteger no mínimo 20% de seu território marinho, até o ano de 2020 –, ampliando o somatório da área protegida no mar, mas, na prática, deixa de fora as áreas realmente estratégicas, como as ilhas principais de Trindade e de São Pedro e São Paulo, consideradas duas das mais importantes em endemismos de espécies em todo o Atlântico Sul.

Com as UCs previstas para serem oficializadas nesta segunda-feira, ultrapassaremos, até, a meta, o que refletiria numa acomodação do governo federal em criar novas áreas no mar e na costa, onde, realmente, é preciso medidas de proteção legal efetivas. “Ilhas, rios e manguezais podem continuar desprotegidos”, alerta João Luiz Gasparini.

Neóbio e algas calcárias

Apesar de a Marinha ser responsabilizada pela descaracterização da proposta técnica, o que se comenta nos meios científico e ambientalista é que o grande lobby veio mesmo do setor industrial, seja em níveis estaduais – Espírito Santo e Pernambuco – quanto nacional e internacional.

“As fendas vulcânicas de Trindade possuem neóbio e outros minerais raros no continente”, revela João Gasparini, referindo-se à “cautela” dos empreendedores com a criação de uma medida legal que impediria a atividade futura de mineração na região.

As algas calcáreas são outro ponto de elevadíssimo interesse industrial. A mineração em larga escala desse recurso foi intencionada há exatos 20 anos na costa capixaba, na foz do Rio Piraquê-açú, no norte do Estado, pela mineradora Thotham, criada exclusivamente para este fim.

A plataforma continental do Espírito Santo abriga um dos maiores bancos de algas calcárias do país, mas essa primeira tentativa de exploração foi abortada pelo movimento ambientalista e científico, numa rápida e intensa mobilização iniciada em Santa Cruz/Aracruz, que se expandiu para universidades de vários cantos do país.

Depois de doze anos de luta incessante, os militantes conseguiram o veredicto final, com a proteção parcial da região por meio da criação de duas unidades de conservação. Parcial porque a criação das UCs se deu no esteio do questionado licenciamento ambiental do Estaleiro Jurong e seus pesados danos socioambientais sobre a região.

A intenção de explorar as algas calcárias, no entanto, continua no radar dos grandes empresários capixabas e seus “parceiros” em território nacional e estrangeiro. E a Cadeia Vitória-Trindade faz parte desse leque de intentos.

Navios-fábrica

A mineração de algas calcárias é de um potencial de impacto gigantesco, tanto para o ambiente onde elas estão – biodiversidade local – quanto para o clima mundial. “O carbonato de cálcio aprisiona carbono”, explica João Luiz, referindo-se ao principal componente das algas calcárias.

A pesca industrial internacional também rejeita absolutamente a proteção efetiva das ilhas oceânicas. “Essa pesca predatória já acontece. Navios da China, principalmente, são comuns no entorno de Trindade”, conta o biólogo, citando inclusive os chamados “navios-fábrica”, que já enlatam o atum em alto-mar.

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