Movimentos sociais que representam mulheres, o povo negro e das periferias capixabas divulgaram textos em memória da vereadora do Psol Rio, Marielle Franco, executada juntamente com seu motorista, Anderson Gomes, na última quarta-feira (14). Os artigos, além de destacarem o que a execução significa simbolicamente para as minorias historicamente discriminadas, refutam as campanhas difamatórias contra a militante que têm circulado nas redes sociais.
Também combatem argumentos como os da “indignação seletiva”, que tentam minimizar o impacto causado pela morte da vereadora do Psol, eleita com mais de 46 mil votos, a quinta mais votada do Rio de Janeiro. Marielle denunciava os abusos do Estado (na figura de alguns de seus agentes de segurança) contra os mais pobres e vulneráveis socialmente, moradores das favelas cariocas. Também, como ativista de Direitos Humanos, lutava pelo respeito a direitos constitucionais que estão sendo violados na intervenção militar no Rio de Janeiro.
Em “Muito além de Marielle”, André Carvalho (graduando de Ciências Sociais/Ufes, militante do Círculo Palmarino e ex-presidente do Psol ES) e Lula Rocha (coordenador do Círculo Palmarino, secretário-geral do Centro de Apoio aos Direitos Humanos, presidente do Psol em Cariacica/ES) escrevem: “Marielle semeou a esperança e a coragem da sociedade brasileira em dizer basta ao genocídio do nosso povo. Assim como o extermínio de indígenas e africanos nos tempos coloniais, a matança de mulheres, negros e negras, e dos filhos da periferia é uma constante em pleno século XXI”.
Os militantes continuam: “As elites da Casagrande, travestidos de empresários bem-sucedidos e sorridentes, lançam mão de métodos e práticas de causar inveja a qualquer sinhozinho de engenho. Compram parlamentares, mídias, polícias e milícias para explorarem as últimas consequências o suor da classe trabalhadora brasileira, composta de uma maioria negra, indígena e periférica. Sem nenhuma responsabilidade com a vida, a concentração de riqueza no Brasil capitalista, condena milhares de brasileiros à pobreza, ao desemprego, a fome e as piores condições de vida. Basta olhar o crescimento do número de trabalhadores informais nos coletivos e nas ruas, o aumento da população em situação de rua, dos “capitães de areia” que voltam a atacar com seus malabares e pedidos de um trocado”.
Eles lembram dados da Forbs Brasil de 2017, mostrando que o “Brasil saltou de 35 para 49 o número de bilionários, enquanto os desempregados atingiram a grotesca marca de 14 milhões de trabalhadores. Ou seja, o discurso da crise só serviu ao desemprego e à retirada de direitos da classe trabalhadora. Para cada 1 milhão de desempregados, o país de Temer produziu um novo bilionário. […] Para garantir a continuidade da concentração de renda e a defesa do patrimônio das elites, o andar de cima extermina aqueles que colocam em xeque o seu poder. O crime de mando que ceifou cruelmente a vida da Vereadora do Psol Marielle Franco foi um catalizador da dor, do choro e do sentimento que é preciso reagir”.
Por fim, concluem: “A dor e a comoção gerada por esse drástico fato uniu os mais de 500 anos de resistência do nosso povo […] a luta do Fejunes nos dez anos contra o extermínio da juventude negra e periférica, a luta das mães que tiveram seus filhos executados durante a greve da PM em 2017 no ES […] Alguns desavisados reclamam o motivo de tanta comoção, homenagens e atos políticos no Brasil e no mundo. Afirmam que deveríamos chorar pelas mortes de todos os dias. Outros articulam em suas colunas nas mídias golpistas, que nosso choro deveria se dirigir aos empresários vítimas de sua produção social: a exclusão. Nos dizemos: nosso choro e nossa luta vai além de Marielle, afinal, ela não foi a primeira e nem será a última vítima de uma elite racista e golpista. É hora de dizer basta […]. Marielle, Dandara, Zumbi, Mariguella! Presentes, hoje e sempre na luta pela libertação do povo. Nas ruas e parlamento defenderemos o legado da justiça social”.
Fórum das Mulheres
Em “Marielle vive e suas ideias nos acompanham!”, Emilly Marques Tenorio, assistente social e militante do Fórum de Mulheres do ES, destacou as várias facetas que a militância da vereadora do Psol do Rio de Janeiro. “Falar sobre ela não é uma homenagem individual. É falar sobre um projeto de sociedade que ela representava. Analisar sua morte é falar sobre um sistema que a matou. Falar sobre Marielle é falar sobre uma defensora dos direitos humanos, falar sobre essas mortes é falar sobre o austericídio, políticas de ajuste fiscal que empobrecem e matam a classe que vive vendendo sua força de trabalho. Anderson Gomes, casado com uma servidora do RJ, fazia bicos necessários, diante do desrespeito que os trabalhadores do RJ estão vivendo”.
E continua: “Falar sobre Marielle é falar contra a intervenção militar, contra o extermínio da juventude negra. É falar que Somos Todos Acari, que a vida nas favelas importam! É falar contra a morte de mulheres. Falar sobre Marielle é falar sobre uma mãe que sempre lutou pelos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, pelo direito de escolha. Falar sobre Marielle é falar sobre ser lésbica e por toda opressão sofrida referente à orientação ou identidade sexual. Falar sobre Marielle é falar sobre a luta por educação, falar sobre Marielle é falar sobre mulheres trabalhadoras”.
A militante capixaba continua com dados alarmantes da violência contra mulheres: “Treze mulheres são assassinadas por dia no Brasil. A taxa de homicídios entre mulheres cresceu 11,6% em dez anos (2014 a 2014) e 18 estados apresentaram taxa de mortalidade por homicídio de mulheres acima da média nacional, dentre eles o Espírito Santo. É falar sobre isso num estado em que nos homicídios de mulheres brancas, figura em 5º lugar nacional, porém no homicídio de mulheres negras, assume a triste liderança no ranking, com a taxa de 11,1 a cada 100 mil mulheres. No Brasil, sete em cada dez pessoas assassinadas são negras. Em 10 anos, a letalidade aumentou 18, 2%. Entre os jovens, de 15 a 29 anos, nos próximos 23 minutos, uma vida negra será perdida”.
Por fim, Emilly conclui: “Por Marielle, nenhum minuto de silêncio, uma vida inteira de luta. Nós seremos resistência porque você foi luta. Por Marielle, por Anderson, Por Claúdia, Por Dandara, Por Amarildo, Por Thayná. Mulheres em luta, até que lutar não seja mais preciso. Pois como nos ensina Brecht: 'em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar'. Marielle vive e seu projeto de sociedade também! Vimos mais de 20 cidades, além de países, mobilizados em protesto e em homenagem a sua vida! Não vamos desesperançar, outro mundo para todos e todas é preciso!”.