Militantes de Aracruz, Linhares, São Mateus e Colatina se reuniram em Linhares para iniciar a viagem a Brasília. Outra caravana partiu de Vitória, reunindo sindicalistas e ativistas do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
Entre Linhares e Brasília, duas paradas em Minas Gerais, uma em Belo Horizonte e outra em Pedra Corrida, para atos de conscientização e protesto. “Conseguimos mostrar a nossa realidade, que a lama invadiu o nosso quintal, que é o mar e o rio”, relata a atingida Joice Lopes, ativista socioambiental da Campanha Nem Um Poço a Mais, apoiadora do MAB e da Rede Alerta contra o Deserto Verde.
A chegada na capital federal foi no dia 19, dia da abertura do Fórum Mundial da Água, organizado pelo Conselho Mundial da Água, plataforma com sede em Marselle, na França, que reúne cerca de 30 entidades e atualmente é presidido pelo brasileiro Benedito Braga, secretário de Saneamento e Recursos Hídricos de São Paulo.
O Fama é um contraponto ao Fórum “oficial” e seu Conselho Mundial, “vinculados às grandes corporações multinacionais, que têm como meta impulsionar a mercantilização da água”, denunciam as 34 entidades organizadoras do Fama, no Manifesto publicado em sua página na internet.
Iniciativas semelhantes já aconteceram em edições anteriores do Fórum Mundial – que acontece a cada três anos em diferentes países, desde 1997 – como em Daegu, na Coreia do Sul, e em Marselha, na França.
“O 8º Fórum Mundial da Água é ilegítimo. É uma feira de negócios que visa promover um mercado que dá acesso às multinacionais do setor de água e do saneamento. A portas fechadas, este evento permite que as grandes empresas tenham acesso privilegiado às decisões dos governos e bloqueiam, a base de corruptelas e subornos, o avanço de políticas públicas globais que resolvam a crise de acesso à água”, protesta o Manifesto.
'Escolta' policial
Para a sociedade civil, o Fama é o evento principal. “Lá é a burguesia privatizando o que é nosso. A nossa água não pode ser privatizada!”, conclama Joice.
Na quarta-feira (21), os atos foram contra a Coca-Cola e a Eletrobras e, nesta quinta-feira (22), contra a Rede Globo – estas, algumas das empresas, públicas e privadas, que lideram, no Brasil, a tentativa de privatização da água. “Corporações como Nestlé, Evian, Cola-Cola, Pepsi-Co, Suez e Veolia dominam fontes de água em todo o mundo e intervêm diretamente na soberania dos países que possuem essa riqueza”, denuncia o Fama.
“Fomos bem-sucedidos em todos os lugares, os atos foram pacíficos, com a Polícia nos escoltando o tempo todo. Impediu que o povo se manifestasse com liberdade, do seu jeito, mas deu segurança”, conta a ativista, sem esconder uma certa ironia com o termo “escolta policial”.
“Nesses oito dias, muitas coisas aconteceram e cada uma delas me serviu de aprendizado pra vida toda. Cada fala na mesa do nosso Fama me deu forças pra lutar ainda mais. Hoje pude observar que em cada canto deste país temos nossos irmãos e irmãs guerreiros dos rios e do mar que lutam pelos mesmos bens comuns”, declara, emocionada.
Números mostram as desigualdades
No Manifesto de convocação para o Fama, as entidades chamam atenção para a necessidade de se compreender “que a água é um bem comum que não pode ser gerido por interesses privados e que, mesmo uma gestão do Estado, que em teoria deveria prezar pelo bem comum, sem controle social e participação democrática, poderá priorizar o atendimento aos grandes interesses privados, como ocorre em casos de concessões de uso de fontes para exploração mineral, parcerias público-privadas dos serviços de saneamento público, entre outros”.
Citando dados de estudos mundiais, informa que “a água contaminada mata mais de meio milhão de pessoas por ano e contribui para a disseminação de enfermidades”, que “cerca de 663 milhões de pessoas no mundo não têm acesso a fontes adequadas de água, 946 milhões praticam a defecação ao ar livre” e que “mais de 800 crianças, com menos de cinco anos, morrem todos os dias de diarreia associada à falta de água e de higiene”.
“A feminização da pobreza é crescente”, destaca o Manifesto, sendo mulheres cerca de 70% das pessoas que vivem em situação de pobreza no mundo, em especial as negras, latinas, indígenas e imigrantes.
(Re) Estatização dos serviços
“A experiência internacional tem revelado que a matriz pública da prestação dos serviços [de tratamento de esgotos e de abastecimento de água] é mais adequada. A onda de privatização dos anos 1990-2000, estimulada pelas instituições financeiras internacionais e por gigantes operadoras do hidronegócio, que atingiu algumas cidades, principalmente da Europa, agora vem sendo revertida pela retomada dos serviços pelas municipalidades”, noticia o documento.
Nos últimos 15 anos, prossegue, “há notícia de, pelo menos, 180 casos de remunicipalização dos serviços de saneamento em 35 países, tanto do hemisfério Norte como do Sul. Dos 180 casos, 136 ocorreram em cidades como, Atlanta e Indianápolis (EUA), Accra (Ghana), Berlim (Alemanha), Buenos Aires (Argentina), Budapest (Hungria), Kuala Lumpur (Malásia), La Paz (Bolívia), Maputo (Moçambique) e Paris (França)”.
Sustentabilidade e paz
O Fama 2018 aconteceu nos dias 17 a 22 de março, em Brasília/DF, sendo que até o dia 19 as atividades aconteceram na Universidade de Brasília (UnB) e nos dias seguintes em vários pontos da cidade.
O evento tratou de “temas centrais de defesa pública e controle social das fontes de água, o acesso democrático à água, a luta contra as privatizações dos mananciais, as barragens e em defesa dos povos atingidos, serviços públicos de água e saneamento e as políticas públicas necessárias para o controle social do uso da água e preservação ambiental, que garanta o ciclo natural da água em todo o planeta”, informa sua página oficial na internet.
“Água deve estar a serviço dos povos de forma soberana, com distribuição da riqueza e sob controle social legítimo, popular, democrático, comunitário, isento de conflitos de interesses econômicos, garantindo assim justiça e paz para a humanidade”.