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Mobilização contra cobrança por uso da água se expande na região serrana

A Agricultura Familiar é a maior produtora de água nas bacias hidrográficas da região serrana do Espirito Santo. Conscientes de seu papel fundamental na perpetuação desse recurso natural vital, os pequenos produtores rurais de sete municípios estão mobilizados para exigir a isenção na cobrança por uso da água e o apoio do Estado para o reflorestamento e regularização ambiental de suas propriedades. São eles: Afonso Cláudio, Anchieta, Aracruz, Castelo, Colatina, Santa Teresa e Vargem Alta.

A mobilização pioneira foi de Santa Maria de Jetibá, pertencente à bacia hidrográfica do Rio Santa Maria da Vitória. Um abaixo-assinado realizado entre agosto e outubro de 2017, solicitando a isenção dos agricultores familiares da cobrança pelo uso da água, reuniu mais de 16 mil assinaturas, o que representa quase 70% da população maior de 16 anos.

O documento foi entregue ao governo do Estado e conseguiu paralisar a discussão que estava em curso sobre taxação dos agricultores. “A gente entende que tem que haver sim um controle do uso da água, mas entende também que os agricultores têm reservas legais em suas propriedades, usam água para abastecer o Espírito Santo e o Brasil com alimentos”, argumenta o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STRSMJ) e secretário municipal de Agropecuária, Egnaldo Andreatta.

“O ciclo da água usada pelo agricultor é renovável: parte evapora e vira chuva, parte alimenta o lençol freático, e parte é consumida pela população através dos alimentos”, explica.

Egnaldo também chama atenção para o atual formato de gestão dos recursos hídricos no estado, que não atende à realidade da região serrana, pois o estudo sobre disponibilidade hídrica da bacia hidrográfica está defasado, é de 2011, além de não ter um levantamento adequado dos pontos de captação, feitos pelos agricultores, pra se saber quanto pode ser outorgado para cada um. “Como o Estado vai cobrar de um agricultor pelos metros cúbicos que ele solicitar, se não sabe a vazão que é retirada do rio”, questiona.

Outro ponto requerido é o apoio para a regularização ambiental. “A maioria dos nossos produtores já é produtor de água, mas precisa um trabalho de conscientização para os que ainda não se adequaram”, reivindica.

Floresta triplicou de tamanho 

Santa Maria de Jetibá possui a melhor divisão agrária do Espírito Santo e uma das melhores do país. Em seus 784 km² de área, abriga 4.700 propriedades cadastradas, com mais de mil ainda por serem cadastradas, por possuírem menos de três hectares de tamanho. Do total da população, 65% vivem na zona rural.

O município também ostenta o maior Produto Interno Bruto (PIB) agrícola capixaba e 36º do País. É o primeiro produtor de ovos do Estado e o segundo do país, além de produzir 40% hortaliças e 70% das folhosas que são comercializadas dentro da Centrais de Abastecimento do Espírito Santo (Ceasa).

As florestas são outro destaque. Com um aumento de 200% na cobertura florestal nativa num prazo de 40 anos, Santa Maria de Jetibá tem a melhor cobertura florestal do Estado: cerca de 40% do território hoje é coberto por Mata Atlântica primária ou estágio avançado de regeneração.

A virada começou com a crise do café, na década de 1960, quando os cafezais foram abandonados nas subidas de morro, e a agricultura de verduras e hortaliças se concentrou nas baixadas.

Até o início dos anos 2000, as capoeiras já haviam ganhado porte de floresta secundária, onde, ainda hoje, continuam a atrair grande diversidade de fauna selvagem, como o muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus), o maior macaco da América e um dos mais ameaçados do mundo.

A cultura preservacionista dos descendentes de pomeranos almeja mais e os agricultores pedem, há tempos, apoio efetivo do governo do Estado para recuperar as Áreas de Preservação Permanente (APPs) e aumentar a produção de água em suas propriedades.

Apoio efetivo, porque a propaganda oficial alardeia projeções que não são reais. Segundo Egnaldo, menos de 100 pequenos agricultores aderiram ao Programa Reflorestar no município, “devido à burocracia”. “Não existe esforço do Estado em reflorestar”, avalia.

Gestão mais eficiente 

Os comitês de bacia são tripartite – com um terço das cadeiras dedicado ao poder público, um terço para a sociedade civil e um terço para os chamados usuários da água –  e são os espaços soberanos para decidir sobre quais setores devem ser taxados pelo uso da água. As outorgas são dadas pela Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh). O Espírito Santo estabeleceu sua legislação estadual sobre o assunto em 2014, referendando a legislação federal.

Por isso, as reivindicações dos agricultores familiares estão acontecendo dentro dos comitês e, no estágio atual, dentro dos respectivos municípios. No caso do Rio Santa Maria da Vitória, participam os municípios de Santa Maria de Jetibá, Santa Leopoldina, Cariacica, Serra e Vitória, sendo que mais de um terço do abastecimento de água da Grande Vitória vem dele, que também é usado para geração de energia elétrica pela EDP Escelsa.

Atualmente, no entanto, a represa do Rio Bonito tem sido usada mais como reservatório de água para abastecer a Grande Vitória do que produção de energia. “É uma reserva estratégica, mas não tem sido bem gerida”, observa o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais . “Se a gestão da represa olhasse para o setor agrícola, não teria havido aquela portaria proibindo a irrigação pelos agricultores familiares no ano passado”, afirma Egnaldo.

“O nosso temor é que aconteça aqui o que já aconteceu em Cristalina, em Goiás, quando os grandes consumidores de água, indústrias principalmente, conseguiram outorgar toda a água disponível, não sobrando para a agricultura”, conta.

Em alguns comitês de bacias de São Paulo, informa, a cobrança começou a ser feita sobre os usuários que lançam efluentes nos corpos d'água e sobre as indústrias. “Ainda nem pensam em cobrar da agricultura”, acentua.

Seguindo essa lógica, no caso do Santa Maria da Vitória, a cobrança deveria ser feita, destaca o líder sindical, sobre a Companhia Espirito-Santense de Saneamento (Cesan), a EDP Escelsa e as indústrias, principalmente a Vale e a ArcelorMittal, na Grande Vitória.

E, junto aos agricultores, orienta, a política pública mais indicada é o apoio ao reflorestamento e à construção de caixas secas e pequenas barragens dentro das propriedades. “Da minha experiência como produtor rural, isso é o que realmente funciona”, assevera.

No agravamento da crise hídrica no início em 2015, as duas empresas da Ponta de Tubarão consumiam um terço da água vinda do Rio Santa Maria. Um ano depois, a situação ficou bem diferente. “A Vale perfurou muitos poços artesianos em suas dependências e não temos certeza da regularidade ambiental dessas perfurações. Mas o consumo de água da Cesan diminuiu. De 200 litros por segundo, para 50l/s”, relata Fábio Giori, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Espírito Santo (Sindaema). Já a ArcelorMittal, conta, apesar de um contrato de 1000 l/s com a Cesan, reduziu para 600 l/s no início de 2015 e, hoje, está na faixa de 500l/s.

Apesar da redução, pondera o sindicalista, o consumo ainda é muito alto. Corresponde, por exemplo, à vazão liberada da barragem do Rio Bonito pela EDP Escelsa, em atendimento à Cesan toda vez que o sistema do Rio Santa Maria entra em colapso. “Se a dessalinização já estivesse funcionando, não precisaria usar o volume morto de Bonito”, critica Fábio.

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