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O Modernismo e a segunda geração com Augusto Frederico Schmidt

O Modernismo é o nome do movimento de renovação cultural e literária no Brasil que se deu a partir da Semana de Arte Moderna, esta que foi realizada em fevereiro de 1922, em São Paulo, sob influência da vanguarda europeia, sobretudo o futurismo, este vindo dos ares de Paris.
 
Com o Modernismo temos então um projeto de reformulação na criação literária e no campo da arte como um todo, que vai romper com o exaurido Parnasianismo, velharia literária, a esta altura, que vinha carregada de erudição afetada e esteticismo tradicional exagerado.
 
Seguindo a nova mentalidade de vanguarda, os artistas e escritores brasileiros da década de 20 resolvem então realizar em São Paulo durante três dias, em fevereiro de 1922, sob a direção de Mário de Andrade, contando com figuras como Menotti del Picchia, Oswald de Andrade, Cassiano Ricardo, Raul Bopp, Anita Malfatti e Tarsila do Amaral, a hoje celebrada Semana de Arte Moderna. Movimento este que se expandiu e ganhou novos adeptos como Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade.
 
Dentre vários movimentos decorrentes do Modernismo, temos um predomínio dos temas nacionais, como o Pau Brasil, e também uma veia espiritualista, na qual se destacam escritores como Jorge de Lima, Murilo Mendes e Tasso da Silveira.
 
E vemos também a eclosão, posteriormente, de uma segunda geração de escritores, a Geração de 1930, com figuras como Augusto Frederico Schmidt e Vinícius de Moraes que, por sua vez, se empenham a um retorno aos temas universais, com menos ímpeto nacionalista, mas mantendo, na forma, a poesia moderna e de vanguarda, mas que era, também, um tipo de poesia reflexiva, mais serena.
 
POEMAS :
 
MAR DESCONHECIDO (1942)
 
MAR DESCONHECIDO : O poeta aqui sente o mar dentro de si, e ele sente este volume que lhe faz ficar em prece, o poeta busca aqui a serenidade que ele julga por orações intraduzíveis, no que segue : “Sinto viver em mim um mar ignoto,/E ouço, nas horas calmas e serenas,/As águas que murmuram, como em prece,/Estranhas orações intraduzíveis.”. E o poeta segue, avante, no que ele agora então liga o mar com a música, em uma harmonia que lhe traz este poema que aqui ele nos dá, no que temos : “Sinto viver em mim um mar de sombras,/Mas tão rico de vida e de harmonias,/Que dele sei nascer a misteriosa/Música, que se espalha nos meus versos,/Essa música errante como os ventos,/Cujas asas no mar geram tormentas.”.
 
SONETO A CAMÕES : O soneto nos aparece aqui como a forma que é recuperada pela geração de Schmidt, depois de uma primeira onda de vanguarda modernista, e é aqui um soneto dedicado a Camões, um dos cânones da língua portuguesa, no que temos : “As tuas mágoas de amor, teus sentimentos/Diante das leis que regem nossas vidas,” (…) “As tuas dores de amar sem ser amado,/De procurar um bem que não se alcança,/E no canto clamar desesperado/Pelo que nunca vem quando se busca.” (…) “As tuas mágoas de amor, tuas fundas queixas,/Como uma fonte, ficarão chorando/Dentro da língua que tornaste eterna.”. As dores de amor, as desditas de um coração amante, e que flui como a língua eterna camoniana, o maior de todos na poesia tradicional portuguesa, pois.
 
CONHECESTE AS HORAS … : O poema se debruça sobre a amada e lamenta o infortúnio, as horas amargas que cita o poema, em que se deu uma luta sem consolo, no que temos : “Conheceste as horas amargas e monótonas,/Conheceste o amor infeliz e sem glória,/Conheceste a luta sem consolo,/E a pobreza velou sempre teu sono./Teu corpo frágil sofreu um dia duramente,/E sentiste o mundo insensível e perdido/Para a tua inocente ambição./O pouco com que sonhaste esteve longe./Sempre longe de ti, ó triste amada.”. E o poema tem um esgar de luz, talvez um consolo inútil, que traz ao poeta a doçura do olhar, ou ainda a voz e o afago que conforta a alma amante deste poeta que cita as horas diante da fragilidade, no que segue : “No entanto, o teu olhar é bom e simples,/E a tua voz, meu amor, é clara e doce,/E o afago de tuas mãos é inocente e feliz!”.
 
ELEGIA : A elegia, sempre ligada ao luto e à morte, nos dá esta beleza que canta o poeta, fascinado, no que temos : “Tua beleza incendiará os navios no mar./Tua beleza incendiará as florestas./Tua beleza tem um gosto de morte./Tua beleza tem uma tristeza de aurora.”. O gosto de morte e a tristeza da aurora, eis que o poeta segue no seu gesto de idolatria de sua figura amorosa, no que segue : “Tua beleza é uma beleza de rainha./Dos teus gestos simples, da tua incrível pobreza,/É que nasce essa graça/Que te envolve e é o teu mistério.” (..) “Nasceste para o amor :/E os teus olhos não conhecerão as alegrias,/E os teus olhos conhecerão as lágrimas sem consolo.”. E o poeta então faz a junção desta beleza que ele canta com o mistério, no que temos :  “De ti é que nasce esse sopro misterioso/Que faz estremecer as rosas/E arrepia as águas quietas dos lagos./Incendiarei florestas, incendiarei os navios no mar,/Para que a tua beleza se revele/Na noite, transfigurada!”. A beleza na noite, transfigurada, que incendeia os navios do mar, é um fenômeno que agita o poeta, ele que se rende ao poder estético que ele nos mostra neste poema.
 
FONTE INVISÍVEL (1949)
 
MARINHA : O poeta vê o navio e o mar, e o trajeto ele desenha neste poema, que vem : “Vi teu navio passar./Era um triste cargueiro/Tisnando/O mar azul.” (…) “Vi teu navio passar./Partias, grisalho e incerto/Com as tuas lembranças/De namoradas, de ruas antigas/De tranças e serenatas./Partias, grisalho e triste./Decerto choravas no tombadilho./Choravas a cidade/E a mocidade inútil./E choravas no mar/Que semeavas de lágrimas.”. O mar e o poeta que registra com tristeza uma lembrança já grisalha, de namoradas e de ruas antigas, o fardo na nostalgia que sucumbe o poeta neste fim em que semeadas são as lágrimas.  
 
O BÊBADO NA ESTRADA : O poema vem com este canto em homenagem a um bêbado, este que compõe com a noite o poema de Schmidt como uma apologia do álcool e deste bêbado que é tanto um pedaço de voz na noite, como também este que se exalta pela noite boêmia, no que temos : “Um bêbado está cantando na estrada/A voz do bêbado vem de longe,/Lá de baixo da estrada molhada.” (…) “Foi a noite que exaltou o bêbado,/Ele é um pedaço de voz dentro da noite.” (…) “É um bêbado que está clamando, é um profeta no deserto/É um náufrago na estrada, no mar, no caminho./É um bêbado que está exaltado pela noite.”. Náufrago, profeta, o bêbado ganha matizes quase santificados pelo poeta, que aqui nos dá o poema, no que segue : “E procura se libertar do terror e do mistério/É um bêbado gritando/Pensará que está cantando?” (…) “É um perseguido pelos cães,/Mas a sua voz é um milagre./E bêbado na estrada úmida/E perseguido pelos cães/Ele povoa o mundo noturno de terror, de gravidade e do/sentimento da morte./É um bêbado na estrada.”. A imagem de um bêbado na noite, de um bêbado na estrada, perseguido pelos cães e pela morte, no mundo noturno de terror, o poeta canta este ébrio neste poema que é puro álcool.
 
HOMERO : O poema em homenagem a Homero, este poeta mítico, mito em vida e codificador do mito grego, é aqui retratado pelo poeta Schmidt, no que temos : “Poeta maior da raça peregrina,/Como teu canto é vivo e prodigioso,/Que o vento antigo treme e vibra ainda,/No veleiro que a Ulisses conduzia,/Pelos mares ilustres celebrados!”. E segue o poema que diz do mar a fonte de inspiração de Homero. O mar que a tantos poetas é fortuna e tormenta, no que segue : “Foi o mar que aos teus cantos deu o alento/E a veemência de forças indomáveis,/Que flutuam no tempo, eternamente./Foi o mar, que chamaste de infecundo/Que soprou nos teus versos essa flama/E essa palpitação de juventude!”.
 
POEMAS 
 
MAR DESCONHECIDO (1942)
 
MAR DESCONHECIDO
 
Sinto viver em mim um mar ignoto,
 
E ouço, nas horas calmas e serenas,
 
As águas que murmuram, como em prece,
 
Estranhas orações intraduzíveis.
 
 
Ouço, também, do mar desconhecido,
 
Nos instantes inquietos e terríveis,
 
Dos ventos o guaiar desesperado
 
E os soluços das ondas agoniadas.
 
 
Sinto viver em mim um mar de sombras,
 
Mas tão rico de vida e de harmonias,
 
Que dele sei nascer a misteriosa
 
 
Música, que se espalha nos meus versos,
 
Essa música errante como os ventos,
 
Cujas asas no mar geram tormentas.
 
 
SONETO A CAMÕES
 
As tuas mágoas de amor, teus sentimentos
 
Diante das leis que regem nossas vidas,
 
Desses fados que dão e logo tiram,
 
E a que estamos escravos e sujeitos.
 
 
As tuas dores de amar sem ser amado,
 
De procurar um bem que não se alcança,
 
E no canto clamar desesperado
 
Pelo que nunca vem quando se busca.
 
 
Poeta de enamoradas impossíveis,
 
E que num negro amor desalteraste
 
Essa sede de amar dura e terrível,
 
 
As tuas mágoas de amor, tuas fundas queixas,
 
Como uma fonte, ficarão chorando
 
Dentro da língua que tornaste eterna.
 
 
CONHECESTE AS HORAS …
 
 
Conheceste as horas amargas e monótonas,
 
Conheceste o amor infeliz e sem glória,
 
Conheceste a luta sem consolo,
 
E a pobreza velou sempre teu sono.
 
 
Teu corpo frágil sofreu um dia duramente,
 
E sentiste o mundo insensível e perdido
 
Para a tua inocente ambição.
 
O pouco com que sonhaste esteve longe.
 
 
Sempre longe de ti, ó triste amada.
 
A tua infância foi desprotegida e humilde,
 
E, moça, conheceste as mais secretas amarguras.
 
 
No entanto, o teu olhar é bom e simples,
 
E a tua voz, meu amor, é clara e doce,
 
E o afago de tuas mãos é inocente e feliz!
 
 
ELEGIA
 
Tua beleza incendiará os navios no mar.
 
Tua beleza incendiará as florestas.
 
Tua beleza tem um gosto de morte.
 
Tua beleza tem uma tristeza de aurora.
 
 
Tua beleza é uma beleza de escrava.
 
Nasceste para as grandes horas de glória,
 
E o teu corpo nos levará ao desespero.
 
 
Tua beleza é uma beleza de rainha.
 
Dos teus gestos simples, da tua incrível pobreza,
 
É que nasce essa graça
 
Que te envolve e é o teu mistério.
 
 
Tua beleza incendiará florestas e navios.
 
Nasceste para a glória e para as tristes experiências,
 
Ó flor de águas geladas,
 
Lírio dos frios vales,
 
Estrêla Vésper.
 
 
Nasceste para o amor :
 
E os teus olhos não conhecerão as alegrias,
 
E os teus olhos conhecerão as lágrimas sem consolo.
 
Tua beleza é uma luz sobre corpos nus,
 
É a luz da aurora sobre um corpo frio,
 
 
De ti é que nasce esse sopro misterioso
 
Que faz estremecer as rosas
 
E arrepia as águas quietas dos lagos.
 
 
Incendiarei florestas, incendiarei os navios no mar,
 
Para que a tua beleza se revele
 
Na noite, transfigurada!
 
 
FONTE INVISÍVEL (1949)
 
MARINHA
 
Vi teu navio passar.
 
Era um triste cargueiro
 
Tisnando
 
O mar azul.
 
 
Vi teu navio passar.
 
Era um velho navio, humilde
 
No esplendor do mar azul
 
E do céu.
 
 
Vi teu navio passar.
 
Partias, grisalho e incerto
 
Com as tuas lembranças
 
De namoradas, de ruas antigas
 
De tranças e serenatas.
 
 
Partias, grisalho e triste.
 
Decerto choravas no tombadilho.
 
Choravas a cidade
 
E a mocidade inútil.
 
 
E choravas no mar
 
Que semeavas de lágrimas.
 
 
O BÊBADO NA ESTRADA
 
Um bêbado está cantando na estrada
 
A voz do bêbado vem de longe,
 
Lá de baixo da estrada molhada.
 
 
A voz do bêbado vem da noite úmida,
 
Vem da estrada que as chuvas da tarde ensoparam.
 
Foi a noite que exaltou o bêbado,
 
Ele é um pedaço de voz dentro da noite.
 
É uma voz exaltada clamando,
 
É alguma coisa de exaltado
 
Dentro da noite.
 
 
É um bêbado, longe, é um bêbado
 
Que está na estrada
 
Como um sapo,
 
Como um pedaço de voz dependurada numa cerca.
 
É um bêbado que está clamando, é um profeta no deserto
 
É um náufrago na estrada, no mar, no caminho.
 
É um bêbado que está exaltado pela noite.
 
É um furioso entre as furiosas forças invisíveis.
 
É uma voz gritando contra as árvores,
 
É uma voz que se levanta da lama,
 
E procura se libertar do terror e do mistério
 
É um bêbado gritando
 
Pensará que está cantando?
 
É um bêbado na noite,
 
É um homem na noite,
 
É uma alma no mundo,
 
É um bicho misterioso que fala,
 
É um participante do mistério.
 
 
É um homem esse bêbado,
 
É um ser que se levantará bêbado,
 
Ao som das trombetas
 
E virá exaltado,
 
E virá cambaleando,
 
E virá clamando,
 
Pelo grande caminho.
 
É um ser, é um bêbado na noite.
 
É um perseguido pelos cães,
 
Mas a sua voz é um milagre.
 
 
E bêbado na estrada úmida
 
E perseguido pelos cães
 
Ele povoa o mundo noturno de terror, de gravidade e do
 
sentimento da morte.
 
 
É um bêbado na estrada.
 
 
HOMERO
 
Poeta maior da raça peregrina,
 
Como teu canto é vivo e prodigioso,
 
Que o vento antigo treme e vibra ainda,
 
No veleiro que a Ulisses conduzia,
 
 
Pelos mares ilustres celebrados!
 
Poeta da Aurora de rosados dedos,
 
Que Aurora nasce da tua voz tão fresca
 
Como as águas à luz do claro dia!
 
 
Foi o mar que aos teus cantos deu o alento
 
E a veemência de forças indomáveis,
 
Que flutuam no tempo, eternamente.
 
 
Foi o mar, que chamaste de infecundo
 
Que soprou nos teus versos essa flama
 
E essa palpitação de juventude!
 
 
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

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