Por Ernio Ardohain
O mês de abril começa com a Vila de Itaúnas sofrendo um forte ataque de forças econômicas poderosas contra algumas de suas tradições mais arraigadas. Falo do Projeto de Lei 014 de 8 de março de 2018, de autoria do vereador Walisson José dos Santos Vasconcelos, mais conhecido como Mateusinho, que deve ir à votação na Câmara de Conceição da Barra nesta quinta-feira (5), e fere de morte o Festival Nacional Forró de Itaúnas (Fenfit) – uma das últimas fronteiras de resistência do tradicional ritmo brasileiro no território nacional.
Sob o pretexto de defender a livre iniciativa, o edil pede a revogação do artigo 2º da Lei 2.661/2013 em todos os seus termos, alegando que a referida lei “limitou o direito dos empresários de casas de shows investirem em programação para o Festival de Forró, em total infringência aos princípios da livre concorrência e iniciativa previstos no art.170 da Constituição Federal”. A despeito do preciosismo gramatical, onde a preposição leva a acreditar que algum empresário de casa de show investiria em programação de forma a favorecer o Fenfit, é notório que a lei proposta visa exclusivamente atender aos interesses de empresários da noite que buscam investir contra o Festival Nacional Forró de Itaúnas.
Mas para entender a complexidade do tema é preciso lançar olhos sobre a legislação em questão, a começar pelo artigo 170 da Constituição Federal citado pelo vereador que, abrindo o Título VII, Da Ordem Econômica e Financeira – Capítulo I, Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica, define que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; e IX – tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte”. Destacamos o Parágrafo único do mesmo artigo 170, onde está definido que “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.
A Lei nº 2.661 de 3 de julho de 2013, aprovada por unanimidade dos vereadores de então e hoje alvo do projeto proposto por Mateusinho, visa justamente garantir a Ordem Econômica e Financeira na Vila de Itaúnas, em total consonância com o que determina o artigo 170 da Constituição Federal. Ao determinar, em seu artigo 1º, que “Fica inserido no calendário de eventos municipais o 'Festival Nacional de Forró de Itaúnas', realizado anualmente entre os dias 13 e 25 de julho”, o legislador reconheceu a importância da iniciativa para o turismo local e, ao estipular no parágrafo único que “As festividades serão organizadas pelos seus responsáveis os quais promoverão o culto às tradições e costumes trazidos pela população afrodescendente” definiu a opção pelo viés cultural e pela iniciativa privada.
Até aí, no entanto, a lei parece não incomodar o proponente do projeto de lei. Ele parece entender que o Festival Nacional Forró de Itaúnas é um patrimônio da Vila conquistado a duras penas por empresários locais, fruto do capital privado e do esforço capitaneado pela livre iniciativa. O ataque do vereador é exclusivamente contra o artigo 2º da referida lei, que garante “Como forma de assegurar a proteção do patrimônio histórico cultural, o princípio da proteção econômica e a segurança pública dos visitantes, tendo em vista a limitação física e estrutural da Vila de Itaúnas para receber amplo contingente de pessoas, fica vedada a realização de dois eventos de grande porte simultaneamente”.
Ao invés de apontar uma pretensa inconstitucionalidade da Lei nº 2.661, gostaríamos que os vereadores e vereadoras que vão apreciar a peça proposta por Mateusinho, considerassem o que mudou na Vila de Itaúnas nos últimos cinco anos e que justifique a revogação do artigo 2º da referida Lei. O patrimônio histórico cultural da Vila não carece mais de proteção? A chegada de um grande empreendimento do setor de eventos fez ruir a necessidade da proteção econômica sobre os eventos do calendário municipal? A segurança pública dos visitantes foi assegurada com quais investimentos para que se façam dois ou mais grandes eventos simultâneos na Vila? Itaúnas já não tem mais limitações físicas e estruturais para receber um amplo contingente de pessoas?
A esses questionamentos, senhores vereadores e senhoras vereadoras, somam-se as variáveis culturais e turísticas da Vila de Itaúnas. Como ritmo que ecoa pelos sertões do Sapê do Norte desde remotos tempos, o forró está impregnado na identidade itaunense e nosso povo carrega consigo o orgulho de ter sido responsável pela terceira grande onda que espalhou o forró pé de serra pelo mundo, levando nosso jeito de dançar para outros rincões do Brasil, da Europa e da Ásia. Neste cenário, o Festival Forró de Itaúnas (Fenfit) é, senão a única, uma das últimas fronteiras da resistência popular contra as culturas de massa no que tange ao forró, lançando novos nomes e multiplicando o repertório do ritmo que está prestes a se tornar Patrimônio Imaterial do povo brasileiro.
A Vila de Itaúnas é mundialmente conhecida como a Capital Nacional do Forró Pé de Serra e isso traz dividendos para diversos setores socioeconômicos de Conceição da Barra. Entristece quando ouvimos argumentos de alguns representantes do Legislativo Barrense que, por desconhecimento da importância do Fentit para a Vila de Itaúnas, ou por má fé, comparam com um bar ou um restaurante um evento que gera renda para centenas de pessoas, direta e indiretamente, além de repercutir pelos dois lados do Oceano Atlântico.
Dizer que garantir a continuidade do Festival é legislar em favor dos empresários que o executam é uma falácia sem tamanho. O calendário de eventos da Vila de Itaúnas ainda é carente de atividades. Empreendedores com capital para investir na direção do crescimento econômico da localidade podem e devem encontrar maneiras de se inserir no solo fértil do turismo e da cultura, adubado e cultivado por aqueles que, há décadas, investem para fazer de Itaúnas o destino mais charmoso do Espírito Santo.
Esperamos que a Câmara de Vereadores de Conceição da Barra aja com sensatez ao analisar o Projeto de Lei proposto por Walisson José dos Santos Vasconcelos e não aceite passivamente os argumentos de inconstitucionalidade apresentados. É necessário que o Legislativo mantenha-se comprometido com um desenvolvimento cultural, social e economicamente sustentável para a Vila de Itaúnas.
*Enio Ardohain é jornalista, empresário e morador de Itaúnas há 23 anos.