Na última segunda-feira, João Bananeira voltou a desfilar por Roda D’água, na zona rural de Cariacica. Era dia da festa de Nossa Senhora da Penha, quando a região celebra o tradicional Carnaval de Congo de Máscaras, que além do louvor e do ritmo dos tambores e casacas, traz no personagem mascarado e vestido de folhas de bananeira um símbolo da cultura popular capixaba e especialmente do município.
João Bananeira é tão emblemático que batizou a lei municipal de cultura. A Lei João Bananeira, aliás, é a única que parece funcionar com regularidade na Grande Vitória nos últimos anos. A Lei de Cultura e Arte de Vila Velha é um mistério, enquanto Vitória e Serra parecem capengar com suas leis Rubem Braga e Chico Prego, respectivamente.
Interessante as homenagens, não? Em Vitória a lei usa o nome um grande escritor capixaba, na Serra a de um herói da resistência à escravidão. Em Cariacica, ainda mais curioso, o homenageado é um personagem da cultura popular, que ao ser mascarado não é ninguém, mas pode ser qualquer um. Como os negros escravizados que há séculos se disfarçavam assim para burlar o preconceito e participar das celebrações.
Mas nem todos enxergam com simpatia a figura de João Bananeira ou vêem relevância nas festividades de carnaval, seja das escolas de samba ou do congo. Os discursos do vereador de Cariacica, Sérgio Camilo Gomes (PSC), têm provocado indignação nos agentes culturais do município, que impulsionam a campanha #RespeiteACulturaDeCariacica.
Em declarações feitas por ele no plenário da Câmara, devidamente registradas e filmadas, insinuou que os investimentos em cultura não são importantes. “O investimento mais importante que tem é no essencial, na saúde, educação, segurança, limpeza pública, saneamento básico. Aí, depois que estas áreas estiverem atendidas, a população estiver sendo atendida, aí a gente vai discutir investimento em cultura. Para um artista ir lá vestido de árvore e fazer minha criança sorrir, meu filho sorrir”.
Vice-presidente do Conselho de Políticas Culturais de Cariacica, Hudson Braga, rebate as acusações. Para ele, o vereador escolheu os ataques à cultura para agradar a um setor conservador de eleitores e especialmente para atacar ao prefeito Juninho (PPS), de quem já pediu impeachment e para quem teve que pagar indenização por danos morais após declarar sem provas que o mandatário seria proprietário de uma mansão.
Hudson considera que as declarações de Sérgio Camilo mostram desconhecimento das leis e do funcionamento de um orçamento público, em que a destinação de recursos é feita no orçamento anual, contemplando as diversas áreas de governo. “Dizer que a cidade precisa de investimentos em saúde, educação e segurança, nós também já dizemos há décadas. Mas tratando a cultura jocosamente como ele faz, joga a população contra nossa classe, sem sequer conhecer o trabalho que artistas de Cariacica realizam em prol da melhoria das condições sociais do município”, afirma.
Além do que, é questionável que representando menos de 0,5% do orçamento municipal, a eliminação dos investimentos em cultura possa realmente resolver os outros problemas da cidade. O vereador desconsidera também o impacto direto ou indireto de investimentos na cultura para outras áreas, como é o caso da segurança pública, educação ou saúde, além de sua contribuição para a convivência e construção de identidade local, como ressalta Hudson Braga.
A Lei João Bananeira foi criticada explicitamente na tribuna em outra ocasião pelo vereador, por destinar pouco mais de R$ 500 mil anuais para projetos propostos por agentes culturais da cidade. Nos últimos anos, a lei teve seu valor reduzido em cerca de 25%, o que sinaliza que o setor cultural também já paga sua cota de “sacrifício” pelas dificuldades orçamentárias.
“Eu sou extremamente contra. Vai um artista vestido de uma árvore, faz a criança sorrir para que ela esqueça a falta de estrutura que ela deveria ter e não tem naquela escola pública. Essa que é a verdade. O que as crianças precisam aprender na sala de aula é matemática, português, geografia, história e não ficar rindo para uma pessoa vestida de árvore”, disse o vereador.
Pessoa vestida de árvore nas escolas? Por quê tanta ênfase do vereador nessa expressão? Tudo leva a crer que se refere de forma depreciativa ao mesmíssimo João Bananeira, com sua vestimenta de folhas. Mais especificamente, ao projeto João Bananeira nas Escolas, realizado pelo artista Alfredo Godô, coordenador de Manifestações Populares e Carnaval da Secretaria Municipal de Cultura (Semcult).
Desde 2013, ele e sua equipe levam o personagem do carnaval de congo para os estudantes do município, com apoio da prefeitura, tendo atingido público de cerca de 20 mil crianças, segundo sua estimativa. O projeto foi convidado inclusive por escolas de Vitória e da Serra, indicando o alcance e importância da figura para além do município. “Fico triste e acho que a fala de foi infeliz, pois atingiu não só nosso personagem João Bananeira, que é um ícone do carnaval. Atinge toda área artística”, diz Godô, que também é dançarino e realiza projeto similar levando o samba e sua história para as escolas.
Aliás, a polêmica inicial com o vereador Sérgio Camilo começa com o questionamento do apoio financeiro da prefeitura para a escola de samba Boa Vista, quatro vezes campeã do carnaval capixaba. “Com esses ataques agressivos ele atinge todos segmentos artísticos, pois o carnaval envolve cantores, passistas, roteiristas, aderecistas e outros”, explica Hudson.
Em resposta às declarações polêmicas do legislador municipal, o Conselho de Política Cultural de Cariacica já realizou uma sessão na Câmara no formato Tribuna Livre. Apesar da reação da sociedade civil, o vice-presidente do Conselho ainda questiona o silêncio dos outros 18 vereadores da Casa, que não se manifestaram publicamente às declarações que atacam um símbolo da cultura do município e tentam deslegitimar os investimentos num setor tão estratégico como a cultura.