Tem sido um movimento bem articulado e que, com apoio do Congresso Nacional e da caneta do governo Michel Temer, se espalha pelos estados e municípios brasileiros, incluindo o Espírito Santo. A terceirização generalizada dos serviços públicos, incluindo áreas essenciais como a da saúde, já é uma realidade que pode comprometer uma política construída por anos de debates da sociedade civil: o Sistema Único de Saúde (SUS).
Entidades capixabas, como a Federação das Associações de Moradores e Movimentos Populares do Espírito Santo (Famopes), o Sindicato dos Trabalhadores da Saúde no Estado (Sindsaúde-ES), além dos conselhos (estadual e municipal) entraram na luta em defesa da universalidade e da gratuidade da saúde pública, além de resistir aos vínculos de trabalho precários trazidos pela terceirização dos trabalhadores, o que também afeta a qualidade do atendimento prestado à população. E o pior: drena recursos para empresas privadas, aumentando os custos sem, necessariamente, ampliar a oferta de serviços.
Após a aprovação da lei da terceirização (Lei nº 13.429/17) e dos congelamentos dos gastos públicos em saúde e educação por 20 anos (Emenda Constitucional 15), em 2017, foi pavimentado o caminho para um processo, que, no Estado, teve um início ainda tímido em 2009, com a terceirização da gestão da primeira unidade estadual, o Hospital Central em Vitória. Desde a promulgação das duas legislações, a privatização tem avançado.
De acordo com o presidente da Famopes, Dauri Correia da Silva, amparados pelas duas legislações, cidades como Cariacica, Serra e Linhares apresentaram projetos de leis às Câmaras que são praticamente cópia do texto da Lei 13.429/17. As legislações dão amparo legal para que recursos públicos sejam repassados a empresas de natureza privada que assumem a gestão de serviços essenciais como o da saúde. “Tudo foi bem articulado em Brasília e tem sido apresentado às prefeituras. Os projetos de lei de Cariacica e Serra, por exemplo, têm os textos praticamente iguais à lei federal da terceirização”.
Uma forma que as entidades encontraram de resistir é levar a discussão para os conselhos de saúde, tanto do estadual quanto os municipais. Instância máxima deliberativa, uma resolução do conselho pode proibir a terceirização dos hospitais e unidades de saúde.
O Conselho de Saúde de Cariacica, por exemplo, aprovou uma resolução que impede a terceirização de unidades de saúde da cidade, incluindo os postos de saúde e as unidades de pronto-atendimento, os PAs. A decisão foi tomada em março passado em reunião deliberativa da entidade. “Sabemos que a prefeitura tem a intenção de terceirizar e tem se movimentado para isso há alguns anos, mas o Conselho Municipal de Saúde se antecipou à efetivação desse sistema e deixou claro sua posição sobre o tema em forma de resolução, que o município precisa cumprir”.
De acordo com Dauri Correia, a medida foi tomada para evitar que o poder público municipal entregue o serviço às Organizações Sociais, empresas teoricamente sem fins lucrativos e que estão assumindo a gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) tanto dos hospitais estaduais quanto das estruturas de saúde das cidades. Daury afirma que, no último dia 1º, a Prefeitura de Cariacica chegou a publicar em Diário Oficial do Estado a aprovação de duas OSs para gerir os PAs do município.
Em Linhares, um projeto de lei de terceirização irrestrita a todos os serviços públicos está sendo discutido na Câmara. Depois de pressão dos movimentos sociais, ele foi retirado da pauta de votação da última sessão.
Neste ano, o secretário de Estado da Saúde, o economista Ricardo de Oliveira, apresentou o “Novo Modelo de Gestão” para privatizar mais seis hospitais, um deles (hospital estadual de Barra de São Francisco), com edital já lançado. Até outubro do ano passado, outras três unidades já haviam sido terceirizadas: Jones dos Santos Neves (Serra), São Lucas – hoje Hospital Estadual de Urgência e Emergência (HEUE/Vitória) – e o Hospital Infantil de Vila Velha (Heimaba).
Desmonte do SUS
Entidades dos movimentos sociais denunciam que, no dia 10 de abril de 2018, em Brasília, ocorreu o “1º Fórum Brasil – Agenda Saúde: a ousadia de propor um Novo Sistema de Saúde”, organizado pela Federação Brasileira de Planos de Saúde, com participação do Ministério da Saúde, de deputados e senadores.
Durante o evento, foi apresentada proposta de desmantelamento do SUS pela via do estrangulamento de seu financiamento. Entre suas características, segundo apresentação feita por Alceni Guerra, ex-ministro da Saúde no governo Collor e ex-deputado federal pelo DEM, estaria a transferência de recursos do SUS para financiar a Atenção de Alta Complexidade nos planos privados de saúde. A meta, segundo ele, seria garantir que metade da população deixe de ser atendida de forma pública, universal e gratuita e passe a ser atendida exclusivamente de forma privada.
Os planos privados de saúde teriam, assim, duplo financiamento: com recursos dos próprios usuários e do Estado. De outro, para o SUS, o subfinanciamento, com seus recursos sendo canalizados para empresários da saúde. Para garantir seus interesses, propuseram ainda que um Conselho Nacional de Saúde Suplementar passe a ter o mesmo poder do atual Conselho Nacional de Saúde, enfraquecendo a participação popular na formulação, acompanhamento e controle sobre a política pública.