Caroline Kobi e Jussara Baptista
Em oito anos, o número de adolescentes cumprindo medidas socioeducativas mais que dobrou no Estado. Os dados, revelados recentemente pelo Observatório da Criança e do Adolescente da Fundação Abrinq, indicam que, em números absolutos, em 2008, eram 547 jovens. Já em 2016, a soma chegou a 1.123. O estudo revelou, ainda, outro agravante, a maior parte desses jovens recebeu a mais severa das punições, a internação, enquanto poderiam ser adotadas outras medidas.
Segundo apontam dados da pesquisa da Fundação Abrinq, em 2016, dos 1.123 jovens capixabas que cumpriam medida socieducativa, 754 estavam internados. No mesmo ano, foram registrados 149 adolescentes em internação provisória e apenas 37 em semiliberdade. Atualmente, o Estado tem cinco unidades de internação: a Unidade Feminino de Internação (Cariacica), Unidade de Internação Socioeducativa (Unis/Cariacica), Unidade de Internação Metropolitana (Vila Velha), Unidade de Internação Norte (Unis Norte) e Unidade de Internação Sul (Unis Sul).
Sinase
Segundo o membro do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra (CDDH), Gilmar Ferreira, a pesquisa deixa claro que há muitos anos não há uma política efetiva para a criança e o adolescente no Espírito Santo. “Os dados demonstram que o Estado negligencia e abandona essa população. A realidade se agrava com a austeridade adotada pelo atual governo, que desrespeita o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), instituído pela Lei Federal 12.594/2012, que diz que a internação em sistemas socioeducativos deve ser aplicada em último caso. Portanto, o que deveria ser uma medida excepcional virou regra geral, já que os dados mostram a escolha feita pela internação e privação da liberdade”, explicou.
Como as unidades não têm capacidade de atender a todos os internos, os jovens do sistema socioeducativo capixaba sofrem com problemas de superlotação e outras mazelas similares ao que tem ocorrido com o encarceramento de adultos. Além disso, há várias denúncias de tortura feitas contra essas unidades na Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), como uso de cassetetes.
Casos de tortura de adolescentes em unidades socioeducativas foram, inclusive, denunciadas por entidades da sociedade civil, em 2009, à Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA), que é judicial autônomo e cujo propósito é aplicar e interpretar a Convenção Americana de Direitos Humanos e outros tratados.
As primeiras denúncias relatavam crimes de tortura, superlotação, condições insalubres e maus-tratos. A Corte Internacional chegou a assemelhar as condições das unidades para adolescentes capixabas a minipresídios onde ocorriam até rebeliões com mortes. Pouco tempo depois, foram impostas decisões obrigando o Brasil e o Estado a adotarem medidas para reparar a situação, que já foram renovadas oito vezes, a última no final do ano passado.
Jovens negros
Para a conselheira estadual de Direitos Humanos e professora do curso de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Brunela Vicenzi, os dados mostram ainda o racismo estrutural, já que a maioria dos adolescentes são negros. “O jovem quando começa a cumprir medidas socioeducativas acaba ‘indo e voltando’ em um círculo vicioso, já que essas unidades não conseguem oferecer educação por estarem muito aglomeradas. E com isso, este jovem é impedido de se inserir em sociedade e é excluído da vida cotidiana”, afirmou.
Na mesma pesquisa, a Fundação Abrinq revelou que, num período aproximado de 20 anos, o número de jovens negros até 19 anos vítimas de homicídios cresceu mais de cinco vezes no Espírito Santo.
De acordo com os dados do estudo, em 1997, em números absolutos, foram 52 assassinatos. Já em 2016, a impressionante soma de 253. Os dados incluem os números de pretos e pardos, classificação de recorte de cor/raça utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que, juntos, formam a categoria de negros, amplamente reconhecida sociologicamente.
O estudo indica que, no total, os homicídios de jovens (de 1997 a 2016) passaram, em números absolutos, de 170 para 298. Sendo que, no último ano pesquisado, 253 foram de negros, um percentual de 84,89%. Ou, em outras palavras, em cada 10 assassinatos de jovens capixabas no ano de 2016, oito foram de negros (pretos e pardos).