Comunidades em fase de reconhecimento formal como povos tradicionais do manguezal e pescadores tradicionais, Urussuquara, Barra Nova Sul, Barra Nova Norte e Campo Grande, em São Mateus, no norte do Estado, estão vendo seus territórios serem classificados como área urbana e industrial no Plano Diretor Municipal (PDM).
O objetivo é permitir a instalação do megaporto Petrocity, a maior obra da Odebrecht Engenharia e Construção (OEC) desde a Operação Lava Jato, que enfraqueceu, pelo menos temporariamente, seu poder econômico.
O anúncio do acordo entre a Petrocity e a gigante em construções, presente no Brasil e em mais 24 países, foi festejada nessa quinta-feira (3) no mercado financeiro e na imprensa hegemônica e corporativa.
Segundo divulgado no jornal Valor Econômico, o contrato é de R$ 2,1 bilhões e será 100% financiado por um fundo árabe que sustenta o Petrocity. Terá ainda benefícios fiscais da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). “Será o primeiro porto do Sudeste dentro da área da Sudene”, informou ao Valor o presidente do Petrocity, José Roberto Barbosa.
“A área prevista para o porto é de 1,5 milhão de metros quadrados e 5,2 mil metros de cais, sendo 1,8 mil metros de cais frontal e o restante dividido entre os molhes Sul e Norte, que são dois píeres de atracação. Poderá receber grandes embarcações com calado operacional de 16 metros — caso raro em portos do Sudeste”, informa o jornal.
Nenhuma linha, no entanto, sobre o desespero das comunidades tradicionais que habitam o visado terreno onde o polêmico empreendimento pretende se instalar.
O que, incrivelmente, se afirma é que, mesmo antes de conseguirem qualquer licença ambiental no Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), os empreendedores já afirmam que “as obras devem começar no primeiro trimestre de 2019”.
Os empresários dão como certa a aprovação das licenças Prévia e de Instalação, que ainda serão requeridas, após a conclusão do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima), ainda em elaboração. Frise-se que, na primeira tentativa, o pedido foi negado, devido à enorme quantidade de problemas ambientais e sociais, entre eles, justamente a presença das comunidades tradicionais de pescadores e catadores de caranguejos, além de questões técnicas ambientais que inviabilizaram completamente a continuidade da tramitação.
“Nós não vamos ter o poder de impedir esse empreendimento. Tem muito peixe grande por trás disso, o governo também. Nós que vamos sair perdendo”, admite, com tristeza, a presidente da Associação de Pescadores, Moradores, Marisqueiros do Distrito de Barra Nova Sul, Claudia Monteiro.
A luta, no entanto, é para que se consiga o maior número possível de condicionantes que amenizem a verdadeira tragédia social e ambiental que se anuncia. “Só estão falando entre eles, as empresas e o governo, mas não chegam pra comunidade e explicam como vai ser, que estradas a gente vai passar, o mar, a pesca, como vai ficar …o que as comunidades vão ter em compensação? A destruição que vai ser, prostituição, poluição… nossa preocupação é que muita gente desempregada acaba acreditando nessas promessas”.
Na longa série de atropelamentos da comunidade desde que o Petrocity foi criado, em 2013, um exemplo recente foi a audiência – supostamente – pública ocorrida no último dia 26 de abril, em São Mateus. Supostamente porque somente uma associação de moradores foi convidada, a de Urussuquara, ficando de fora todas as demais e, pasmem, também os conselhos da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) de Barra Nova e de Meio Ambiente de São Mateus (Comdema).
Representante da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) nos dois conselhos, o professor Marcos Teixeira propõe a criação de uma câmara técnica dentro do Comdema pra discutir o caso Petrocity.
“Nunca assisti nenhuma apresentação sobre o empreendimento. Não temos informação nenhuma nem sobre o licenciamento nem sobre a mudança de zoneamento do PDM. Buscamos a Câmara Técnica como forma de obter essas informações”, pontuou.
O desconhecimento é compartilhado pelas comunidades. “Até agora não falaram pra gente o que eles vão deixar pra comunidade. As pessoas estão querendo trabalhar e não olham os impactos que vão sofrer depois”, lamenta a presidenta da Associação de Pescadores, Moradores e Marisqueiros.