Testemunhas de acusação arroladas pelo Ministério Público do Estado (MPES) não conseguiram comprovar, nos interrogatórios desta quinta-feira (17), a participação de militares numa organização criminosa, responsável pela paralisação da tropa em fevereiro do ano passado, como alega a defesa. Diante da falta de provas, advogados dos policiais indiciados como réus pelo órgão ministerial decidiram dispensar suas testemunhas. Além disso, vão recorrer da decisão para que o processo seja encaminhado para a Justiça Militar.
Desde segunda-feira (14), quando as audiências tiveram início, os réus, que incluem além dos 10 militares, 14 mulheres com parentesco com os PMs (incluindo esposas, irmãs e mães), optaram pelo silêncio, que foi quebrado pelo capitão Lucínio Assumção, nesta quinta-feira (17). Para o militar, não há dúvidas: além do órgão ministerial não conseguir provar a existência de uma organização criminosa, não investiga os verdadeiros culpados pelo agravamento e extensão do movimento dos militares: os integrantes do governo do Estado, que, para ele, não tiveram habilidade para conter e acabar com o movimento.
“Depois da audiência de hoje [quinta-feira] ficou comprovado que não existe organização criminosa. O que ocorreu foi um movimento incipiente de familiares pedindo o que está previsto na Constituição Federal, reajuste anual para os servidores”, apontou Assumção.
Segundo ele, nem a Corregedoria da PM tão pouco os promotores conseguiram apresentar um organograma indicando as funções dos militares na organização criminosa. “Pediram para uma testemunha da acusação desenhar um organograma em cima hora, que foi feito em meia hora, e anexado ao processo. Foi tão amador que vai ajudar a comprovar nossa inocência”, disse Assumção.
Ele completou ainda, que, “segundo o Ministério Público, eu sou a cabeça dessa suposta organização criminosa. Não existe nada disso, o que ocorreu foi uma luta, uma batalha por reajuste salarial. Não existem provas. A paralisação se estendeu por inércia do governo, que poderia ter resolvido o problema em três dias, mas não soube administrar uma crise. Não houve habilidade. O governo não soube lidar com a novidade das redes sociais, onde os movimentos foram divulgados e se espalharam. Não foi um movimento vertical, mas sim horizontal”.
Acusado de ser líder do movimento, Capitão Assumção ficou 10 meses preso no Quartel do Comando Geral (QCG), em Maruípe, Vitória, obtendo a liberdade em dezembro de 2017.
Julgamento
A 4º Vara Criminal de Vitória concluiu, nesta quinta-feira (17), os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Ministério Público Estadual e pela defesa dos 10 policiais, que foram denunciados pelo MPES por supostos envolvimento no movimento de paralisação da PM. As audiências de instrução acontecem até esta sexta-feira (18), quando os réus serão interrogados pela juíza Gisele Souza de Oliveira, a partir das 9h, no Salão do Júri, no 4º andar do Fórum Criminal de Vitória, na Cidade Alta.
A audiência desta sexta-feira (18) será dedicada exclusivamente ao interrogatório dos 10 réus, incluindo o tenente-coronel Carlos Alberto Foresti, que faltou às audiências de interrogatório das testemunhas, apesar de ter assinado intimação.
A maioria dos réus é acusada pelo Ministério Público dos crimes previstos nos artigos 265 e 268 do Código Penal, respectivamente, atentado contra segurança de serviço de utilidade pública e incitação ao crime. O delito do artigo segundo, da Lei 2850 de 2013, organização criminosa, também foi imputado pelo MPES a todos os réus.
A audiência foi presidida pela mesma juíza que conduziu as audiências relativas ao “Núcleo dos familiares”, realizadas nessa segunda e terça, com o objetivo de instruir o processo que verifica o envolvimento de 14 mulheres, familiares de policiais, na paralisação de 2017.
Logo no início, a defesa pediu para que fosse declara a incompetência da Justiça comum para a realização das audiências de instrução e julgamento, uma vez que os réus, por serem militares, deveriam ter o processo regido pelo Código Penal Militar, e conduzido pela Vara da Auditoria Militar.
O pedido foi indeferido pela magistrada, que explicou que as alterações da lei nº 13.491, de outubro de 2017, imprimiram nova redação ao Código Penal Militar, motivo pelo qual entendeu pela competência do Juízo em questão.
Em seguida, o Ministério Público apresentou o pedido para que as testemunhas de acusação pudessem depor na ausência dos réus, pedido que também foi indeferido, uma vez que magistrada entendeu não existir risco de constrangimento aos depoentes.
Às 9h53, teve início o depoimento mais longo dos três dias de audiências de instrução. Durante cerca de três horas, a testemunha arrolada pelo MPES, que atuou na divisão de inteligência da Corregedoria da PMES durante a investigação dos envolvidos na paralisação de 2017, respondeu perguntas sobre a apuração realizada.
Durante o depoimento, os representantes do Ministério Público realizaram perguntas sobre a interação entre familiares e policiais, se os militares prestaram apoio material, de segurança ou mesmo se manifestaram publicamente a favor do movimento.
O depoente também foi requisitado a descrever a participação individual dos acusados, relatar os serviços públicos que ficaram impedidos de funcionar, e a responder perguntas sobre a organização dos familiares desses policias durante a paralisação.
Por sua vez, a defesa apresentou questionamentos sobre o papel da testemunha durante a investigação, a forma como foram apuradas as informações apresentadas pela Corregedoria da PMES, se os réus atuaram na interrupção dos serviços públicos, e se foram detectados graus de hierarquia entre os acusados.
No período da tarde, depuseram as últimas quatro testemunhas de acusação. Os militares arrolados pelo Ministério Público Estadual, cujos depoimentos estavam previstos para a parte da manhã desta quinta-feira, tiveram seus testemunhos remanejados para o período da tarde.
Finalizados os depoimentos das testemunhas de acusação, foi colhido o depoimento de uma das onze testemunhas apresentadas pela defesa. As outras dez foram dispensadas pelos advogados dos réus, levando a audiência de instrução a ser encerrada por volta das 17h15.