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Livro retrata realidade indígena no Estado entre a colônia e o império

A história é feita de lembranças e apagamentos. Algumas coisas são ocultadas de propósito ou por outras razões. No Espírito Santo, a história dos povos indígenas é muito pouco conhecida e isso tem suas consequências. 

“Há uma visão muito negativa do indígena. É preciso construir uma visão mais realista, pois eles representam uma peça importante na história nacional e do Espírito Santo, não só como fundadores, mas por sua contribuição cultural, social e econômica”, afirma a historiadora Vânia Maria Losada Moreira, que lançou nessa quinta-feira (24) o livro Espírito Santo Indígena: conquista, trabalho, territorialidade e autogoverno dos índios 1798-1860. O evento foi realizado na Biblioteca Pública Estadual, na Enseada do Suá, Vitória.

Professora da Universidade Federal do Estado (Ufes) por 12 anos, Vânia começou a pesquisar a questão indígena no Estado em seu pós-doutorado na Universidade de Stanford (EUA). “Quando comecei a pesquisar a questão indígena no Espírito Santo, em 1999, percebi que havia poucos escritos e comecei a juntar fontes para trabalhar com a questão”, conta. O livro é uma coletânea de artigos escritos entre 2010 e 2014, que abordam diversos aspectos relacionados com o período de transição entre o Brasil colônia e o império, como indica o subtítulo.

Ela ressalta que no período havia muito preconceito e a Coroa portuguesa contribuía para isso, criando a imagem dos indígenas como violentos, canibais, como forma de justificar a guerra por motivos econômicos e de domínio territorial. Vânia explica que muito historiadores ficam presos às fontes oficiais e, sem a devida análise crítica, acabam reproduzindo essas visões.

Para escapar dessa armadilha, ela julga importante trabalhar com a interdisciplinaridade, especialmente no diálogo da história com a antropologia, utilizando outros instrumentos para questionar certas lugares estabelecidos. “Também é importante cruzar fontes, mesmo nas fontes oficiais há variações, é possível achar fissuras, pontos de vista divergentes e explorar isso. Há muitos viajantes que passam pelo Espírito Santo e conversam com os índios, citando de forma direta ou enviesada seus relatos”,explica a professora, que atualmente leciona na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) sobre a metodologia.

Para a historiadora, é preciso quebrar a imagem do indígena como apenas um ser primitivo, pois ao serem “inseridos” na sociedade colonial, passam a fazer parte e dialogar com o restante da sociedade capixaba, com importância, inclusive, política e econômica. “Pessoas se assustam com a existência de comunidades indígenas na atualidade porque não existe uma narrativa histórica que explique as transformações pelas quais essas comunidades passaram. Há muita ideia equivocada sobre o que é ser índio e sobre a questão das disputas de terras indígenas, como no caso do Espírito Santo, em que tiveram que lutar contra grandes corporações multinacionais”.

No primeiro capítulo do livro, o artigo relata a guerra travada contra os índios botocudos, explicitando os aspectos políticos, econômicos e ideológicos da Coroa. No capítulo seguinte, a autora realiza um estudo da relação entre os indígenas e os negros escravizados na construção da Província do Espírito Santo. “Não dá pra compreender o sistema escravista no Espírito Santo sem considerar as grandes populações indígenas não conquistadas que representavam uma ameaça para o domínio da colônia”.

Assim, o texto visibiliza os acordos que os fazendeiros faziam com escravizados para proteger as fazendas de incursões indígenas, inclusive armando-os, e o contrário, alianças com indígenas para combater os negros aquilombolados. Embora não descarte que tenha havido colaboração entre indígenas e quilombolas, a historiadora ainda não encontrou evidências que possam atestar a mesma.

O terceiro capítulo do livro aborda a Vila de Nova Almeida, localizada em região que fazia fronteira entre povos indígenas cristianizados e súditos da monarquia e indígenas não conquistados que gozavam de relativa autonomia. “Sempre se pensa estes indígenas como afastados, mas muitas vezes eles dialogam, tento explorar um pouco dessa possibilidade”, explica.

O quarto e o quinto capítulo possuem um diálogo entre si. No quarto o objetivo é mostrar o lugar do indígena no mundo do trabalho no Espírito Santo da época. “Os indígenas trabalhavam muito. Se os escravizados trabalhavam para o setor privado, boa parte do que a gente entende por serviços públicos eram feito por indígenas. A contrapartida do trabalho indígena, o contrato social com o governo da Província, era ter certa autonomia para manter seus valores comunitários próprios em seu território”, analisa a professora.

Já no quinto capítulo, a autora explora a questão desse autogoverno indígena em suas áreas. “As rebeliões indígenas acontecem via de regra quando há invasão das terras deles. Historicamente, a fuga do posto de trabalho era algo que acontecia mais a nível individual, sem gerar rebelião. O que provocava rebeliões era a intervenção no território e na autonomia sobre ele”, esclarece Vânia.

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