Um cineclube para formação em direitos humanos e visibilização das temáticas relacionadas com a população em situação de rua na Grande Vitória. Essa é a proposta do Cine Pop Rua – Pipoca e Direitos Humanos, que neste ano já realizou seis sessões de filmes com debates em centros culturais, abrigos noturnos e ocupações da região metropolitana.
“O diferencial do projeto é que é escrito por pessoas em situação de rua para promover as pessoas em situação de rua. É de nós, para nós e por nós”, diz Fabiano de Oliveira, o Gringuinho, idealizador do projeto.
Ele teve seu primeiro contato com o cineclubismo há mais de 10 anos, por meio do Cine KBÇA. “Há aproximadamente três anos fui viajar o Brasil, botei a mochila nas costas, peguei meu violão, tinha uma barraca, um chapéu, fui pedindo carona. Nos grandes centros urbanos, eu era morador de rua, no campo era considerado hippie, na estrada era andarilho. Em cada lugar tinha um nome diferente, mas a verdade é que eu estava em situação de rua. Me deparei com a realidade desses sujeitos e me tornei um deles”, conta ele, que segue vivendo na itinerância, entre abrigos, ocupações e a universidade, onde alterna os trabalhos de organização do cineclube com os estudos para prestar vestibular para Psicologia. “Penso no cineclubismo como uma ferramenta para transformar essa realidade, que muitas vezes representa miséria”, afirma.
O Cine Pop Rua funciona como projeto de extensão vinculado ao Núcleo de Direitos Humanos e Saúde (NUDHS) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), coordenador por Antônio Lopes, o Toninho, servidor da Ufes. A relação com a universidade é importante pois o público-alvo do projeto vai para além da população que hoje está em situação de rua.
Os integrantes do cineclube realizam formação prática em cineclubismo e também em Direitos Humanos por meio do NUDHS. O público participante das sessões pode refletir a partir dos filmes e debates. Entre as propostas que os filmes exibidos retratam estão a questão LGBT, negritude, terceira idade, deficiências físicas e mentais, mulheres. “Todos esses segmentos se encontram dentro da população em situação de rua, nós não somos nada mais que o reflexo da sociedade, apenas não temos moradia”, pontua.
Na universidade, o objetivo é levar o debate especialmente a alunos de cursos como Ciências Sociais, Psicologia, Serviço Social e outros que formem futuros agentes que poderão lidar com a população em situação de rua. “Entre muitos direitos que a população em situação de rua carece, um deles é o direito a um acompanhamento psicossocial adequado. Isso envolve uma campanha para que esse sujeito entenda que ele precisa desse acompanhamento. É difícil conscientizar sobre isso e, quando conseguimos, muitas vezes o acompanhamento não é o adequado porque não há uma formação específica nos cursos das universidades brasileiras voltada para o atendimento à população em situação de rua”, reclama Gringuinho.
Assim, além de fortalecer a própria luta da população em situação de rua, o Cine Pop Rua pretende ser uma ponte de diálogo entre as pessoas em situação de rua com a sociedade. “A sociedade tem que saber que sem ela não vamos avançar na luta por direitos, e saber que nós também fazemos parte dessa mesma sociedade”
Dentro dos princípios do movimento cineclubista, o Cine Pop Rua também pretende atuar na produção de obras audiovisuais e já deu início à produção de um documentário de forma autônoma, com direção voluntária de Vinícius Mendonça, formado pelo curso técnico de Rádio e TV pelo Centro Estadual de Educação Técnica Vasco Coutinho. “A proposta é fazer uma abordagem do contexto do movimento da população em situação de rua na Grande Vitória. Estamos fazendo um recorte que aborda alguns direitos previstos pelas militâncias, como direito à vida, à moradia, à cidade, do acompanhamento psicossocial, falar também do racismo, maternidade e das ocupações como instrumento de reivindicação pela moradia”, diz o diretor.
Já foram feitas duas das cinco sessões de gravações previstas e espera-se que o filme seja lançado até julho. O Cine Pop Rua pretende exibi-lo pela primeira vez como parte de um seminário semestral de avaliação das atividades do cineclube.