Fotos: Tati Beling
Como previsto e a exemplo do já registrado em outros estados do País, quatro deputados capixabas que tiveram seus mandatos cassados durante o período da ditadura militar receberam-os de volta em ato simbólico na sessão ordinária desta terça-feira (12), no plenário Dirceu Cardoso, na Assembleia Legislativa. A ação se deve pelo cumprimento do Decreto Legislativo 10/2014. A solenidade contou com a presença do governador Paulo Hartung.
A lei, de autoria do então deputado Claudio Vereza (PT), que também esteve presente à Casa, devolveu os mandatos dos então deputados estaduais Helsio Pinheiro Cordeiro (1966) e Benjamim Carvalho (1948), já falecidos e representados por familiares, e Dailson Laranja e José Ignácio Ferreira, ambos cassados em 1969, e que participaram da solenidade.
O Decreto Legislativo que devolveu os mandatos previa uma sessão solene para a entrega simbólica. Neste ano, porém, a Casa aprovou outro decreto (1/2018), proposto por Luzia Toledo (MDB), que adicionou ao texto de 2014 a possibilidade de a entrega dos diplomas ser em uma sessão ordinária, como a realizada nesta terça-feira.
Em seu discurso, no início da cerimônia, Luzia destacou que os deputados cassados mereciam essa homenagem, pois conseguiram os seus diplomas de forma legítima e com mandatos que foram exercidos a partir do voto do povo, o que deu a eles a condição de atuarem na política capixaba.
“Eles defendiam a liberdade em uma época que isso não era permitido e, por isso, tiveram seus mandatos ceifados, cassados, e perderam também seus direitos políticos. Este ato vai ficar na história dessa legislatura. Nós estamos fazendo uma recuperação da história, não só do Espírito Santo, mas da história Brasileira, para reparar um erro do passado e lançar luz sobre o nosso presente, para que tais atos jamais sejam novamente cometidos. Em tempos que tantas pessoas defendem o retorno da ditadura, não posso me calar, por conhecer a história e saber o que significa um regime de exceção”, ressaltou a deputada.
O ex-governador do Espírito Santo, José Ignácio Ferreira, agradeceu à Assembleia pela realização do evento e elogiou aqueles que, mesmo em momentos de pressão política, fizeram justiça, os considerando “heróis” em um “tempo trevoso”. Apesar de antigo adversário político de Hartung, os dois se cumprimentaram em mais de uma ocasião durante a cerimônia.
José Ignácio afirmou que as algumas pessoas, que nunca ouviram falar em ditadura e não viveram esse período, agora levantam suas vozes sem saber, enquanto outros são aproveitadores, populistas, e que falam em ditadura como se fosse algo corriqueiro.
“O país vai viver outros tempos, mas sem ditadura, ditadura nunca mais nesse país. Nunca mais a censura que sufoca a criatividade da sociedade aberta, nunca mais o crime político da destruição moral e física pela tortura, nunca mais a eliminação de vestígios para esconder atrocidades, nunca mais a ocultação de cadáveres da luta política, nunca mais os enterros furtivos dos corpos sem identidade e sem registro, e nunca mais a dor desesperançada e infinita dos parente que não sabem aonde estão os seus”, disse o ex-governador.
Dailson Laranja, dizendo-se emocionado ao ouvir todas as declarações de pessoas que, assim como ele, viveram a ditadura, também destacou a defesa da democracia. “Nós queremos democracia, liberdade. Nós estamos aqui hoje chorando, lamentando as mortes, lembrando de um passado doloroso e triste, e digo que o caminho é um só, a democracia. Agradeço à deputada Luzia Toledo e ao deputado Claudio Vereza, por ser o iniciador desse trabalho”, afirmou o deputado.
Autor do decreto de 2014 que estabeleceu a devolução dos mandatos, o ex-deputado Claudio Vereza lembrou que, em 1996, dois homens que foram perseguidos e torturados na ditadura militar procuraram a Assembleia reivindicando legislação que promovessem reparações diversas às pessoas prejudicadas pelo regime.
Daquela provocação desencadearia, em 1998, a Comissão Especial dos Atos Praticados por Órgãos e Agentes Públicos por Motivos Políticos. O colegiado promoveu audiências públicas com depoimentos de ex-presos e perseguidos políticos. Os depoimentos foram compilados no livro Ditaduras não são eternas: memórias da resistência ao golpe de 64 no Espírito Santo, lançado pela Assembleia em 2005. Vereza sugeriu, nesta terça, ao atual presidente da Casa, Erick Musso (PRB), que o livro voltasse a ser distribuído, pois na opinião dele “o momento seria oportuníssimo”.
“Estamos vendo pessoas inocentes um tanto quanto ignorantes pedindo intervenção militar. Essas pessoas não sabem o que aconteceu naquela época, não têm a mínima consciência do que foi aquela época, e acham que esse foi um grande momento da política brasileira do ponto de vista político, econômico e social. Felizmente a verdade daquele momento tão duradouro está cada vez mais exposta”, afirmou Vereza.
Quem também discursou em defesa da democracia foi o governador Paulo Hartung, que chegou depois à solenidade. “Temos que conversar com os mais jovens que não sabem o que foi o regime militar”, disse o governador, emendando nas “agendas necessárias para o país”.
Também compareceu ao ato o presidente do Tribunal de Justiça, Sergio Gama, além de deputados, secretários, pesquisadores, lideranças partidárias e representantes da sociedade civil organizada.