Em reunião realizada na noite dessa terça-feira (19), cerca de 70 moradores do Morro da Piedade confirmaram que desejam uma base da Polícia Militar na parte alta do bairro. Caso o projeto seja concretizado, pessoas que deixaram suas casas já afirmaram, inclusive, que estão dispostos a voltar para a comunidade. A informação é da ONG Instituto Raízes da Piedade, que coordenou o encontro.
De acordo com porta-vozes do Instituto, é consenso entre os moradores que os policiais devem estar na parte alta da Piedade, por vários motivos. Entre eles, o fato de que os traficantes costumam invadir a comunidade por lá, trazendo o terror com tiroteios. As balas perdidas atingem as residências e também pessoas inocentes.
Foi assim que Lucas Teixeira Verli, de 19, que jantava na varanda de sua casa, foi alvejado com vários tiros, inclusive no rosto, no dia 28 de maio deste ano. De acordo com relatos, um grupo com mais de 20 criminosos chegou ao bairro pelo alto atirando contra as residências antes das 21 horas. Entre os atiradores, homens com máscaras para esconder os rostos. Além de Lucas, este ano, foram quatro jovens assassinados, incluindo os irmãos Ruan e Damião Reis, em março, e, mais recentemente, Walace de Jesus Santana.
Na reunião dessa terça-feira, os moradores da Piedade também reafirmaram que não desejam que os espaços do telecentro e do Centro de Vivência, que ficam na parte mais baixa da Piedade, sejam utilizados para abrigar o posto da PM. Na última segunda-feira (18), governo do Estado e prefeitura de Vitória anunciaram a medida numa coletiva de imprensa, sem sequer dialogar com os moradores. Esses espaços, segundo representantes do Instituto Raízes, precisam ser mantidos e revigorados com mais atividades.
No próximo sábado (23), uma nova reunião será realizada e os moradores vão convidadar a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) e prefeitura para definir sobre a instalação do posto policial.
Desde 2010, quando os conflitos do tráfico se intensificaram na Piedade, 203 pessoas deixaram a comunidade, o que corresponde a 60 residências desocupadas. Apenas neste ano, segundo a organização, 128 pessoas se mudaram do bairro, o que representam 40 casas vazias desde janeiro. Os moradores, na reunião dessa segunda-feira, receberam orientação da Defensoria Pública sobre aluguel social e também desabafaram sobre suas histórias e relação com o bairro, local onde construíram suas vidas.
Espetáculo midiático
Lula Rocha, ativista do movimento negro e coordenador do Circulo Palmarino, manifestou-se em sua rede social contra a arbitrariedade do governo do Estado e da prefeitura de Vitória, que convocaram uma coletiva de imprensa para anunciar o “local” para o posto policial sem antes discutir a medida com a comunidade.
“… Os homens da cúpula da segurança pública falando com toda a autoridade o que pretendiam fazer, diante das câmeras e microfones, eis que surge uma voz com um grito que parecia estar entalado há anos. Num momento de forte emoção e coragem, essa voz denunciou o absurdo que seria utilizar o único equipamento que é destinado para diversas atividades comunitárias para instalarem uma base da polícia. E afirmou ainda que o Estado não deveria tomar decisões importantes como essa sem um amplo diálogo com a comunidade. Uma atitude digna e necessária de quem convive e conhece cada beco e famílias do nosso berço do samba capixaba”.
O texto continua: “Por conta do descaso e da ausência histórica do Estado, a situação vivida por moradores da Piedade requer urgência sim, mas essa urgência não pode ser traduzida em mais atropelos e violações de direitos. Desde março, um documento endereçado ao governador Paulo Hartung foi protocolado sobre a situação da Piedade e até hoje não obtivemos retorno. A arrogância e o autoritarismo não permitem a escuta e a construção de saídas coletivas. Não resolveremos o grave problema da violência no Espírito Santo com medidas espetacularizadas e sem diálogo”, alertou Lula.