A procuradora-geral da República, Raquel Elias Ferreira Dodge, assinou suas razões finais enviadas ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para integrar o Incidente de Deslocamento de Competência (IDC) número 14, que trata sobre o pedido de transferência para a Justiça Militar da União ou para a Justiça Federal a apuração de envolvimento de militares da PMES na paralisação de fevereiro de 2017. No texto, Dodge assinala que a greve representa uma grave violação dos direitos humanos, reflexo da incapacidade do Estado.
“Entende-se que o movimento de paralisação policial militar, enquanto reflexo dessa incapacidade do Estado, representa, por si, grave violação de direitos humanos. Quando os efeitos dessa fragilidade são tão claros e concretos, como no caso, eleva-se em enorme medida tal risco, o que pode acarretar a intervenção da comunidade internacional”, disse a procuradora-geral no documento.
Segundo Raquel Dodge, as violações podem submeter o Estado brasileiro inclusive à responsabilização internacional diante da Corte Interamericana de Direitos Humanos pela situação de barbárie em que os capixabas ficaram submetidos. “Os fatos e o contexto descritos estão diretamente ligados à atuação deficitária do poder público, que possibilitou a barbárie que tomou conta do Estado. Quem deveria agir para evitá-la omitiu-se, falhando gravemente na proteção social que devia ao cidadão. A eficácia do Estado na prestação do serviço de segurança pública, de outro lado, tem relação direta com a sua capacidade de ser garantidor do cumprimento e respeito aos direitos humanos”.
O processo, também chamado de federalização do julgamento dos policiais militares, está sendo analisado pela ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Maria Thereza de Assis Moura.
Raquel justifica que o julgamento precisa ser federalizado para ser imparcial. “Em cenário conturbado como o que viveu o Estado do Espírito Santo, o julgamento de crimes militares por seus próprios pares é temerário, seja pela extensão do movimento, com adesão de praticamente 100% (cem por cento) do efetivo policial militar, seja pelos indícios de participação de oficiais na própria organização do movimento”.
Para a procuradora-geral da República, o pedido de deslocamento é necessário para evitar o risco de investigação e julgamento parciais. “São colegas investigando e julgando colegas, no contexto de um movimento de greve que foi apoiado pela esmagadora maioria da corporação militar estadual”, disse Raquel Dodge na manifestação, datada de abril passado.
Processos no Estado
Enquanto o STJ decide sobre a federalização ou não dos processos que investigam a conduta de policiais militares na greve da PM de 2017, outros julgamentos já estão em curso na Justiça capixaba nas instâncias comum e militar. Além disso, até a tarde desta quinta-feira (21), 18 militares já foram desligados da Corporação por procedimentos administrativos internos.
No próximo dia 4 de julho, a auditoria da Justiça Militar, especializada no julgamento de crimes cometidos por PMs, vai realizar a primeira audiência para julgar a primeira leva dos 256 PMs denunciados pelo Ministério Público do Estado (MPES). A maioria absoluta praças. Em primeiro lugar, a denúncia imputa a 14 PMs do 7º Batalhão da PM, de Cariacica, os delitos de motim (art. 149, inciso I, do Código Penal Militar) e incitamento à prática de indisciplina ou crime militar (art. 155 do Código Penal Militar).
Paralelo ao trabalho da Justiça Militar, a 4ª Vara Criminal de Vitória está julgando militares em processos também relacionados à greve da Polícia Militar. No dia 18 de maio deste ano, 10 policiais militares indiciados como réus na ação civil pública impetrada pelo Ministério Público do Estado (MPES) foram interrogados, apesar de os advogados de defesa terem pedido transferência do foro para a Justiça Militar. Para os promotores, os militares integram uma organização criminosa que esteve à frente do movimento juntamente com 14 mulheres com parentescos com os militares, incluindo esposas, irmãs e mães.
Já nos dias 14 e 15 de maio, foram realizadas as audiências referentes aos processos das 14 mulheres com parentesco com os militares, também acusadas de liderarem o movimento de paralisação. Foram ouvidas as testemunhas da acusação e da defesa, sendo que três delas ficaram com depoimentos pendentes. Por esse motivo, o interrogatório das rés ficou marcado para o dia 29 de junho.
Os militares acusam o governo do Estado de perseguição e intimidação devido às punições aplicadas desde a greve da categoria, em fevereiro de 2017. A Associação de Cabos e Soldados (ACS) e os policiais estão em intensa mobilização pela anistia administrativa e reincorporação dos PMs excluídos.