Quase 21 anos depois, o caso do assassinato do sem-terra Saturnino Ribeiro dos Santos, à época com 62 anos, na fazenda Novo Horizonte, em Mucurici, no norte do Estado, continua trazendo novos desdobramentos. Após o fim do processo criminal em que, 18 anos depois, o Tribunal de Justiça do Estado (TJES) acabou por inocentar os acusados (proprietários e funcionários da fazenda), outro processo continua em julgamento. Desta vez, na esfera civil.
Uma audiência está prestes a ser marcada para julgamento do pedido de indenização e de pagamento de pensão a Madalena Pereira da Silva, viúva de Saturnino, que morreu de complicações decorrentes de um tiro na cabeça disparado por arma de propriedade dos fazendeiros. O processo tramita na 1ª Vara de Mucurici, e os valores pleiteados não estão sendo divulgados, mas são retroativos à época do crime.
De acordo com uma das filhas, Silvanir Ribeiro dos Santos, seu pai foi arrolado no processo como sem-terra, no entanto, estaria apenas em visita ao acampamento como pastor evangélico e a convite do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Durante a estadia entre os sem-terra, no dia 15 de outubro de 1997, depois da distribuição de um lanche pelos próprios fazendeiros, teve início um ataque de funcionários da propriedade Novo Horizonte, que atearam fogo em mata próxima ao acampamento e começaram a atirar contra cerca de mil pessoas, entre crianças, mulheres e idosos. Saturnino foi alvejado na cabeça e outras duas pessoas foram baleados: Sílvio Bueno da Silva, à época com 26 anos, levou um tiro no rosto; e Manuel Ramalho Costa, com 52, levou um tiro na perna.
Segundo relatos de quem presenciou o ataque à epoca, por volta de meio-dia, os moradores foram surpreendidos pelo fogo colocado no pasto seco, que se alastrou no entorno das barracas, ameaçando a vida dos acampados. Eles, então, correram com suas ferramentas para apagar as chamas, quando foram surpreendidos por disparos, um dos quais matou Saturnino. Centenas de sem-terra tiveram de correr para escapar da morte.
Absolvidos
Em 18 de junho de 2015, os acusados – os fazendeiros Edilson de Siqueira Varejão Júnior e Edmilson Siqueira Varejão Sobrinho, donos da Fazendo Nova Esperança, além de Gilmar Mendes Prates, Iveraldo Luiz de Souza e José Alves Barbosa, funcionários da propriedade -, que haviam sido condenados em júri popular em setembro de 2012 a seis anos de prisão, foram absolvidos pelo TJES.
Na primeira perícia feita pela Polícia Civil, ficou provado que o tiro que atingiu o sem-terra foi disparado do revólver calibre 38 de Edilson Siqueira Varejão Filho. Mas houve uma segundo exame por solicitação dos acusados com laudo inconclusivo quanto à autoria do crime. A família Varejão tem várias fazendas no Espírito Santo, Minas Gerais, na Bahia, além de um frigorífico.
Drama familiar
De acordo com o advogado da família no processo cível, Flávio Fantoni, o assassinato de Saturnino, o que também é relatado por seus familiares, desencadeou um grande drama familiar. Com sete filhos, a maioria de menores à época, a viúva do sem-terra ficou sem qualquer tipo de amparo. Uma das filhas, que presenciou a morte do pai, adquiriu sequelas psicológicas permanentes; tornando-se, inclusive, incapacitada para o trabalho.
O processo cível foi instaurado em 2013, depois que a família foi aconselhada por membros do próprio Judiciário, diante da repercussão do crime e do fato da desestruturação familiar causada. Desde então, a batalha jurídica segue na 1ª Vara de Mucurici. Os fazendeiros já tiveram negativa do TJES quanto à prescrição e extinção do processo cível, que retornou para a primeira instância. Uma audiência de instrução e julgamento deve ser realizada brevemente, mas ainda não teve a data marcada.
Quem faz o relato dos efeitos da morte de Saturnino é uma das filhas do sem-terra, Silvanir Ribeiro dos Santos: “Uma irmã morreu com problemas psicológicos por causa da morte de meu pai; ela nunca se recuperou. Ela foi até Mucurici no dia do crime e seguiu com ele numa ambulância até o hospital de São Mateus, mas meu pai acabou morrendo nos braços dela. Minha mãe também ficou com problemas psicológicos. Minha família foi destruída. Estamos tentando a indenização e o pagamento da pensão, mas o processo está lento. Agora que vão marcar a audiência”, disse Silvanir.