O ESTILO E OS RECURSOS LITERÁRIOS
Góngora era um poeta que escrevia através do espanhol imperial, este que então tinha uma influência latina, esta originária do latim literário, e então temos que a poesia gongórica aparecia com um estilo que evocava esta origem latina, por exemplo, nos hipérbatos, seja na anteposição dos predicados ou predicativos ao verbo de ligação, ou ainda na separação dos adjetivos de seus substantivos, na imitação gongórica de poetas e prosadores latinos.
No caso deste latinismo, temos exemplos já no século XV, indo ao século XVII com Juan de Mena, e desembocando em Garcilaso. Por fim, o hipérbato adere ao estilo gongórico, isto é, mais do que um latinismo, é o próprio estilo ou “maneira” de Góngora.
Por sua vez, Góngora obscurece suas orações com ablativos absolutos, saindo da pureza clássica, fazendo uma poesia de estilo elevado que fazem parecer obra em que a virtude poética transborda, e que nas correntes literárias que viriam depois virou afetação e mau gosto.
INOVAÇÃO BARROCA
As alusões mitológicas em Góngora faz palavras representativas de um sentimento ou de um fenômeno ser referida a um deus específico do panteão, tais como usar Cupido como o amor ou Marte como a guerra, dentre inúmeras formas mais em que tal estilo gongórico se expande.
No Barroco espanhol temos um tema positivo e outro negativo, e que resulta no caso de Góngora no paroxismo dos temas de beleza e teratologia, pois, por exemplo, o poeta nos apresenta a beleza de Galateia, e depois nos joga na monstruosidade de Polifemo, o ciclope, colocando este elemento nocivo ao que era somente beleza, tal como no caso originário de Petrarca. Agora, em Góngora, a imagem da beleza era contrastada com imagens de violência.
Tal contraste é o que faz, por fim, o estilo barroco, e que se torna a maneira de Góngora, aqui, por fim, quando o Barroco é também nomeado Maneirismo, e que na época era uma renovação literária em relação ao estilo clássico, purista, tendo aqui também em Góngora o paroxismo do uso de som e cor.
A poesia de Góngora, por ser abstrusa, isto é, obscura, era uma poesia para leitores ilustrados, não era uma poesia vulgar ou propriamente popular, e sua poesia é de difícil leitura até hoje, num rebuscamento que exige um preparo específico para entender os processos desta poesia.
O POETA E A HISTÓRIA
Góngora sempre foi muito combatido por outros escritores de envergadura como Quevedo e Lope de Vega, e outros um tanto menores, como Jáuregui, mas ainda assim conseguiu ter uma influência imensa sobre a literatura espanhola, indo também tal presença entrar na literatura portuguesa e brasileira, neste caso do Brasil se estendendo até meados do século XVIII, e que foi presente em poetas como Gregório de Matos, e no gongorismo inicial de Cláudio Manuel da Costa, que logo aderiu ao Neoclassicismo, com tal moda jogando o gongorismo no terreno do mau gosto, somente sendo reabilitado com a eclosão do Simbolismo.
Historicamente, afirma-se que a reabilitação do poeta Góngora começou com Verlaine e se estendeu aos modernistas, já associado a Mallarmé, e por fim ganhando corpo na geração de García Lorca. Temos que uma definição histórica mais precisa de Góngora se dá depois disso, que é o de ser um dos poetas mais representativos do Maneirismo europeu, tendo sido uma influência potente em Portugal e no Brasil até o Arcadismo.
POEMAS
SOLEDADES (FRAGMENTOS)
CORO I : [Fragmentos do hino nupcial] : O hino nupcial vem todo empolgante, com o estro do poeta que vem iluminado ao himeneu, no que temos : “Vem, Himeneu, vem aonde te espera/Sem olhos e sem asas um Cupido,/Cujo cabelo intonso docemente/Nega a penugem que a tez lhe há vestido :/Penugem, flores de sua primavera,/Cabelo, raios de sua fronte ardente.”. O poema é todo harmônico, amoroso, o belo jovem comparado a um Cupido em charme, e a bela que é Psiquê, já em segunda idade, no que temos : “A bela, agora,/Nos de sua segunda idade escassos/Crepúsculos, vinculem-na teus laços/Ao quente anseio seu./Vem, Himeneu, ó vem; vem, Himeneu.””. O hino é todo esteta, como do estro rebuscado mestre é Góngora, pois.
CORO II : Segue mais um coro de himeneu, no que vem : “Vem, Himeneu, aonde entre arrebóis/De honesto rosicler, previne o dia/Aurora – de olhos em vencer não vãos –/Virgem tão bela, que fazer podia/Tórrida a Noruega com dóis sóis,/E alvejante a Etiópia com duas mãos.”. Beleza que inverte o clima de extremos do mundo, na linguagem alegórica e metafórica do poeta, por fim, temos : “De suas faces, sempre pudorosas,/Purpúreo são troféu./Vem, Himeneu, oh vem; vem, Himeneu.”
[A corrida] : O poema elenca a veloz corrida, no que seus corredores são homenageados, aqui, no que temos : “E premiados gradualmente,/Para si advocaram toda a gente/_ Aquilões da planície e austros da serra _/Mancebos tão velozes/Que quando Ceres mais redoura a terra/E das grutas do fundo argenta o mar/Netuno, sem fadiga/Seu vago pé de pluma/Messes sulcar pudera, ondas pisar,/Sem inclinar espiga,/Sem violar espuma./Duas vezes eram dez, e dirigidos/A dois olmos que querem, abraçados,/Ser pálios verdes, ser frondosas metas,/Saem como de torcidos/Arcos, ou bem de nervo, ou acerados,/Duas vezes dez, com igual silvo, setas.”. Tais velozes mancebos, quais setas, correm por todo o poema, e a mitologia aqui os corrobora, com estupefação.
SOLEDADE SEGUNDA
[Foz à imagem de novilho] : O mar aqui é retratado como um ente que retira a água doce do arroio que se precipita, no que temos : “Entra o mar num arroio que o recebe,/E a recebê-lo com sedento passo/De sua rocha natal se precipita,/E muito sal não só em vaso escasso,/Mas sua ruína bebe,/E seu fim, cristalina mariposa/_ Não de asas, mas undosa _/No candeeiro de Tétis solicita./Muros desmantelando, pois, de areia,/Centauro já espumoso o Oceano/_ Meio foz, meio mar _/Duas vezes por dia pisa o plano/A pretender o monte em vão galgar,/Do qual é doce veia/A tarde já torrente/Arrependida, e até retrocedente.”. A mescla aqui se faz, meio foz, meio mar, torrente de centauro espumoso, por fim.
[Pesca] : Os peixes aqui desfilam, e o apetite é despertado, um poema sui generis da pena de Góngora nos nasce aqui, numa descrição deliciosa, no que temos : “Malhas vestem de cânhamo o linguado,/Quando, na pele lúbrica fiado,/O congro que, liso, viscoso a par,/As teias quis burlar,/tecido nelas terminou burlado.” (…) “Salmão que as mesas régias glorifica,/Senão os campos de Netuno frio,/E o travesso robalo,/Guloso de idos Cônsules regalo.”. O regalo está posto, e o poema é luminoso e genial.
Sem título : Baco renasce, e o poema descreve aqui este cenário do deus grego, e os choupos, então, coroam o solo de lírios, no que temos : “Seis choupos, por seis heras abraçados,/Tirsos eram do grego deus, nascido/Segunda vez, que em pâmpanos desmente/Os cornos de sua frente;” (…) “Coroam eles todo o encanecido/Solo de lírios, que em flocos fragrantes/Nevou maio, os seis choupos nada obstantes.” (…) “Com as mesas, cortiças já levianas/Da árvore que à primeira idade dera/Duro alimento, porém sono brando.”. O poema báquico aqui é ao mesmo tempo delicado, numa descrição suave com carga metafórica e mitológica própria do estro gongórico.
[Saída de um grão senhor para a caça de cetraria] : A trompa ecoa, a porta alta da muralha se abre, no que segue o poema : “Chave de alta porta/O claro som – vencido o fosso breve –/Levadiça ofertou ponte não leve,/Tropa inquieta contra o ar armada,” (…) “Verde, não mudo coro/De caçadores era,/Cujo número indigna a riba austera./Ao Sol ergueu apenas a ampla frente/O veloz filho ardente/Do zéfiro lascivo/_ Cuja fecunda mãe ao genitivo/Sopro vestindo membros, Guadalete/Flórea ambrosia ao vento deu ginete _/Que a muito fumo abrindo/O fogoso nariz, em um sonoro/Relincho e outro mais saudou seus raios.”. Um coro ruidoso de caçadores, segue o filho veloz do zéfiro lascivo (o cavalo), em que o rio Guadalete, já dá a esse vento florida ambrosia, no que segue : “Entre o confuso, pois, rumor tremendo/Dos cavalos, produz rude harmonia/Quanta a bem generosa cetraria/Da Mauritânia desde, até à Noruega,/Insídia ceva alada,/Sem luz, nem sempre cega,/Não livre, mas nem sempre aprisionada,/Que a ver o dia volve/As vezes que, em custódia ao vento dada,/Sua prisão repete e o vento solve./O nebri, que, relâmpago na pluma,/Raio na garra, o ninho não sabido,/O Olimpo oculta ou nuvem é espessa/Que pisa, quando apressa,/Trás da garça argentada, o pé de espuma./Eis o sacre, as do noto asas vestido,/Sangrento cíprio, ainda que nascido/Com as pombas, ó Vênus, de teu carro.”. Segue o tropel dos cavalos, faz harmonia rude a insídia alada, os falcões, ena arte da cetraria, que vai da Mauritânia à Noruega, temos os falcões então que voltam a ver a luz, e o poema segue em estro mitológico até o sacre nascido com as pombas do carro de Vênus.
Sem título : O príncipe aqui se engrandece com sua linhagem de sangue ilustre e augusto na pessoa, mas com sua moderação segue mais brando em relação aos paramentos e lisonjas que advém de sua posição, no que segue : “Em sangue claro e na pessoa augusto,/Se em membros não robusto,/Príncipe lhes sucede, abreviada/Em modéstia civil real grandeza./A espumosa do Bétis ligeireza/Bebeu não só, porém a desatada/Majestade em suas ondas, o luzente/Cavalo que colérico mordia/O ouro que suavemente o enfreava/Arrogante, e não já pelas que dava/Estrelas sua cerúlea pele ao dia,/Senão pelo que sente/De esclarecido, régio e sem senão/Na própria rédea que beija a alta mão,/De cetro digna.”. O poema descreve aqui o cavalo que arrogante morde o seu freio de ouro, no que, no entanto, por fim, se destaca que o soberano é reconhecido em seu esclarecimento e é digno de empunhar um cetro, pois.
POEMAS
SOLEDADES (FRAGMENTOS)
CORO I
[Fragmentos do hino nupcial]
Vem, Himeneu, vem aonde te espera
Sem olhos e sem asas um Cupido,
Cujo cabelo intonso docemente
Nega a penugem que a tez lhe há vestido :
Penugem, flores de sua primavera,
Cabelo, raios de sua fronte ardente.
Menino amou a que ama adolescente
Aldeã Psique, ninfa lavradora
De Ceres, a tostada. A bela, agora,
Nos de sua segunda idade escassos
Crepúsculos, vinculem-na teus laços
Ao quente anseio seu.
Vem, Himeneu, ó vem; vem, Himeneu.
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CORO II
Vem, Himeneu, aonde entre arrebóis
De honesto rosicler, previne o dia
Aurora – de olhos em vencer não vãos –
Virgem tão bela, que fazer podia
Tórrida a Noruega com dois sóis,
E alvejante a Etiópia com duas mãos.
Cravos de abril, rubis dos temporãos,
Quantos engasta o ouro do cabelo,
Quantas – de um já e de outro colo belo
Cadeias – a concórdia enlaça rosas,
De suas faces, sempre pudorosas,
Purpúreo são troféu.
Vem, Himeneu, oh vem; vem, Himeneu.
[A corrida]
E premiados gradualmente,
Para si advocaram toda a gente
_ Aquilões da planície e austros da serra _
Mancebos tão velozes
Que quando Ceres mais redoura a terra
E das grutas do fundo argenta o mar
Netuno, sem fadiga
Seu vago pé de pluma
Messes sulcar pudera, ondas pisar,
Sem inclinar espiga,
Sem violar espuma.
Duas vezes eram dez, e dirigidos
A dois olmos que querem, abraçados,
Ser pálios verdes, ser frondosas metas,
Saem como de torcidos
Arcos, ou bem de nervo, ou acerados,
Duas vezes dez, com igual silvo, setas.
SOLEDADE SEGUNDA
[Foz à imagem de novilho]
Entra o mar num arroio que o recebe,
E a recebê-lo com sedento passo
De sua rocha natal se precipita,
E muito sal não só em vaso escasso,
Mas sua ruína bebe,
E seu fim, cristalina mariposa
_ Não de asas, mas undosa _
No candeeiro de Tétis solicita.
Muros desmantelando, pois, de areia,
Centauro já espumoso o Oceano
_ Meio foz, meio mar _
Duas vezes por dia pisa o plano
A pretender o monte em vão galgar,
Do qual é doce veia
A tarde já torrente
Arrependida, e até retrocedente.
[Pesca]
Malhas vestem de cânhamo o linguado,
Quando, na pele lúbrica fiado,
O congro que, liso, viscoso a par,
As teias quis burlar,
tecido nelas terminou burlado.
As redes menos grossas qualifica
Sem romper nenhum fio,
Salmão que as mesas régias glorifica,
Senão os campos de Netuno frio,
E o travesso robalo,
Guloso de idos Cônsules regalo.
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Seis choupos, por seis heras abraçados,
Tirsos eram do grego deus, nascido
Segunda vez, que em pâmpanos desmente
Os cornos de sua frente;
E qual mancebos tecem, mãos ligadas
Festivas rodas e lugar despido,
Coroam eles todo o encanecido
Solo de lírios, que em flocos fragrantes
Nevou maio, os seis choupos nada obstantes.
Este lugar as seis formosas manas
Escolhem, agravando
Em breve espaço muita primavera
Com as mesas, cortiças já levianas
Da árvore que à primeira idade dera
Duro alimento, porém sono brando.
[Saída de um grão senhor para a caça de cetraria]
Chave de alta porta
O claro som – vencido o fosso breve –
Levadiça ofertou ponte não leve,
Tropa inquieta contra o ar armada,
Lisonja – se confusa, regulada –
Sua ordem, da vista, e assim do ouvido
Seu agradável ruído.
Verde, não mudo coro
De caçadores era,
Cujo número indigna a riba austera.
Ao Sol ergueu apenas a ampla frente
O veloz filho ardente
Do zéfiro lascivo
_ Cuja fecunda mãe ao genitivo
Sopro vestindo membros, Guadalete
Flórea ambrosia ao vento deu ginete _
Que a muito fumo abrindo
O fogoso nariz, em um sonoro
Relincho e outro mais saudou seus raios.
Os malhados, se não esplendores baios
Que conduzem o dia
Lhes respondem, na eclíptica ascendendo.
Entre o confuso, pois, rumor tremendo
Dos cavalos, produz rude harmonia
Quanta a bem generosa cetraria
Da Mauritânia desde, até à Noruega,
Insídia ceva alada,
Sem luz, nem sempre cega,
Não livre, mas nem sempre aprisionada,
Que a ver o dia volve
As vezes que, em custódia ao vento dada,
Sua prisão repete e o vento solve.
O nebri, que, relâmpago na pluma,
Raio na garra, o ninho não sabido,
O Olimpo oculta ou nuvem é espessa
Que pisa, quando apressa,
Trás da garça argentada, o pé de espuma.
Eis o sacre, as do noto asas vestido,
Sangrento cíprio, ainda que nascido
Com as pombas, ó Vênus, de teu carro.
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Em sangue claro e na pessoa augusto,
Se em membros não robusto,
Príncipe lhes sucede, abreviada
Em modéstia civil real grandeza.
A espumosa do Bétis ligeireza
Bebeu não só, porém a desatada
Majestade em suas ondas, o luzente
Cavalo que colérico mordia
O ouro que suavemente o enfreava
Arrogante, e não já pelas que dava
Estrelas sua cerúlea pele ao dia,
Senão pelo que sente
De esclarecido, régio e sem senão
Na própria rédea que beija a alta mão,
De cetro digna.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.