Talvez, no ano de 2008, o Ministério Público Federal (MPF) não pudesse imaginar, mas o nome Naufrágio, escolhido para nomear as investigações de integrantes do Judiciário capixaba suspeitos de envolvimento em fraudes em concursos, nepotismo, vendas de sentença e loteamentos de cartório extrajudiciais, fosse o mais adequado para o provável desfecho do caso. Depois de quase 10 anos sem que a denúncia fosse sequer acatada ou rejeitada, tudo caminha para que o julgamento, literalmente, naufrague. Até junho deste ano, sete crimes já prescreveram e ficarão sem punição, além de suspeitos que já se aposentaram ou morreram.
O maior escândalo do Judiciário capixaba estava na pauta de julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) do último dia 15 deste mês. Estava, pois o processo foi retirado de pauta e enviado novamente ao MPF. O julgamento da denúncia, que foi oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR), está, novamente, sem data prevista para ser realizado. E um detalhe: tudo corre no mais restrito sigilo de Justiça, sem que qualquer cidadão tenha acesso aos autos.
O ministro Francisco Falcão, relator do processo, havia concluído seu voto e pedido para que o caso fosse pautado no último dia 15 de agosto. A previsão era de que Falcão apresentasse seu relatório e, em seguida, houvesse manifestação do subprocurador-geral da República e depois a votação. Estão envolvidos no escândalo desembargadores, servidores e ex-servidores do Tribunal de Justiça do Estado (TJES). Caso a denúncia fosse acatada, os denunciados se tornariam réus da ação penal.
Histórico
A Operação Naufrágio, da Polícia Federal, revelou, no dia 9 de dezembro de 2008, um esquema envolvendo a venda de decisões judiciais. Na época, a operação prendeu oito pessoas: o então presidente do TJES, Frederico Guilherme Pimentel, e a diretora encarregada de distribuir os processos, Débora Pignaton Sarcinelli, além de dois outros desembargadores, um juiz, dois advogados e um membro do Ministério Público. Neste caso, o Ministério Público Federal acusou Pimentel e mais nove pessoas de loteamento de cartórios. Segundo as investigações, o grupo teria se articulado para criar e distribuir as unidades para pessoas ligadas à família do ex-desembargador.
Ao todo, à época, foram cumpridos mandados de busca e apreensão em 24 endereços na Capital. Já no dia 10 de dezembro de 2008, o então desembargador Josenider Varejão Tavares, já falecido, confessou que receberia R$ 43 mil por uma decisão judicial beneficiando um prefeito de cidade do interior. Ele também foi afastado do cargo.
Foram denunciados quatro ex-desembargadores, além de Frederico Guilherme Pimentel e Josenider Varejão Tavares, Alinaldo Faria de Souza, Elpídio José Duque. Também os juízes Larissa Pignaton Sarcinelli Pimentel (aposentada do cargo) e o marido Frederico Luis Schaider Pimentel, o Fredinho (demitido por não ter o direito à vitaliciedade no cargo), e Cristóvão de Souza Pimenta.
A relação de denunciados que faziam parte da estrutura do Judiciário incluiu os então servidores do TJES, Bárbara Pignaton Sarcinelli (irmã da juíza Larissa e então chefe do setor de Distribuição), as irmãs Roberta, Larissa e Dione Schaider (filhas de Frederico), Leandro Sá Forte (ex-namorado de Roberta e então assessor especial de Pimentel) e o ex-tabelião do cartório de Cariacica Felipe Sardenberg Machado. Desta relação, apenas Roberta foi mantida no cargo, enquanto os restantes tiveram as designações cessadas, no caso dos nomeados, foram punidos com a demissão em Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD).
Também foram incluídos como réus o ex-vereador de Vitória Aloísio Varejão, Dílson Antônio Varejão (primo do ex-desembargador Josenider Varejão) e Henrique Rocha Martins Arruda (marido de Dione e ex-advogado do sindicato que representa os cartorários do Estado). Foram relacionados também o ex-prefeito de Pedro Canário Francisco José Prates de Matos, o doutor Chicô, e o procurador de Justiça Eliezer Siqueira de Souza (punido pela instituição com uma suspensão de 30 dias).
Entre os advogados presentes na denúncia aparecem representantes de grandes bancas como Flávio Cheim Jorge – que figurava na lista do próprio STJ – e ligados aos clãs do TJES, como Paulo Guerra Duque (filho de Elpídio), Gilson Letaif Mansur Filho, Johnny Estefano Ramos Lievori e Pedro Celso Pereira. E ainda os empresários Adriano Mariano Scopel e Pedro Scopel, que já apareciam na denúncia da Operação Titanic, que deu origem à Naufrágio.
Com a demora no julgamento, denunciados na Operação Naufrágio podem ter suas penas prescritas, de acordo com o que prevê o Código Penal Brasileiro. A prescrição atinge os que têm mais de 70 anos e também para crimes com penas consideradas menores, como formação de quadrilha, do qual todos foram acusados, que tem pena de um a três anos.