A determinação do ministro João Otávio de Noronha, corregedor nacional de Justiça, ao presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), desembargador Sérgio Luiz Teixeira Gama, para que dê explicações sobre os precatórios da trimestralidade, venceu nessa quinta-feira (30).
Estes precatórios ameaçam tomar R$ 14 bilhões do governo do Estado, quando o valor real devido é de R$ 210 milhões. Mesmo calculados em bases claramente erradas, os processos dos precatórios da trimestralidade transitaram em julgado no TJES, e estão prontos para serem enviados ao governo do Estado, determinando o pagamento. A medida não foi adotada por intervenção da Justiça Federal.
A determinação do corregedor nacional de justiça foi dada ao examinar o Pedido de Providências nº 0006398-60.2018.2.00.0000, cujo requerente foi o desembargador Pedro Valls Feu Rosa. O pedido foi encaminhado à Corregedoria Nacional de Justiça, órgão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
História
No seu despacho, o ministro cita que “trata-se de pedido de providências formulado pelo desembargador Pedro Valls Feu Rosa em face do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES)”.
Diz que “o requerente, em brevíssima síntese, noticia que 'em razão de uma lei com vigência de três meses, os cofres públicos serão onerados em cerca de R$ 14 bilhões (precatórios da trimestralidade)”. Relata que, “os cálculos de atualização mostram-se claramente incorretos, em muitas das vezes com mais de 99% de diferença entre o realmente devido”.
Ao lembrar a história do caso, o ministro cita que o desembargador Pedro Feu Rosa “aduz que em razão da 'manifesta ilegalidade, o Tribunal de Contas do Espírito Santo recomendou que os valores fossem revistos”.
E que o desembargador capixaba informou no seu pedido que, “todavia, os valores nunca foram revistos a esta questão, motivo pelo qual o Estado do Espírito Santo encontra-se prestes a ter que pagar valores injustos e irreais”.
O ministro relata no seu despacho que o desembargador requer, “seja sustado, com urgência, o pagamento de todos os precatórios ditos da 'trimestralidade', que não tenham sido objeto de recálculo; e, em definitivo, que seja determinado o pronto recálculo dos referidos precatórios”, concluindo assim o seu relatório.
Determinações
O ministro João Otávio de Noronha afirma que “pelos documentos juntados, neste momento, entendo insuficientes as provas juntadas para adoção da medida almejada, qual seja, a imediata suspensão de todos os precatórios da trimestralidade”.
Mas que, “contudo, a narrativa exposta na inicial ganha força ao se vislumbrar que o tema é objeto de decisões judiciais (por exemplo no processo 000260-06.2008.8.08.0000), bem como de termo de cooperação realizado pelo TJES, Tribunal de Contas local e devedor”.
O ministro afirma que “dito isto, torna-se imprescindível a juntada de mais informações para análise do pedido de liminar.
Ante o exposto, visando o esclarecimento dos fatos, DETERMINO (grifo do ministro) a expedição de ofício do TJES para fins de manifestação (fazendo, inclusive, um histórico sobre como surgiram estes precatórios), …”.
E exige informações especificas, que lista:
a) Os cerca de 30 precatórios denominados “precatórios da trimestralidade” estão em que posição em relação na lista cronológica do Devedor?
b) O Estado do Espírito Santo está submetido a qual regime de pagamento?
c) O dito convênio (termo de cooperação técnica) está vigente?
d) Em caso positivo, quantos precatórios da trimestralidade foram devidamente analisados e homologados os cálculos?
e) Algum precatório da trimestralidade é objeto de impugnação judicial?
f) Há algum pedido liminar suspendendo o pagamento de qualquer desses precatórios?
A determinação é datada de 24 de agosto de 2018, e ao TJES foi dado o prazo de cinco dias corridos para resposta. A intimação ao tribunal capixaba foi feita “com a urgência que o caso requer”, como determinou o ministro corregedor nacional de justiça.
História sinistra
Os precatórios da trimestralidade foram gerados por ações judiciais feitas por servidores com objetivo de obter reparações por uma lei estadual – Lei nº 3.935/87 – que vigorou por apenas três meses.
Servidores da nata do serviço público, como desembargadores, juízes, procuradores e promotores do Ministério Público Estadual (MPES), coronéis da Polícia Militar, delegados de Polícia, da área fazendária do Estado, entre vários outros setores, todos com altos salários, formaram um poderoso exército nas batalhas judiciais. Na retaguarda, os outros funcionários públicos, em geral reunidos em suas associações. No total, 23 mil beneficiários que aguardam o desenrolar do caso.
O alto comando de alguma maneira conseguiu inflacionar os valores nos processos. O que permitiu uma correção nos processos sobre a trimestralidade da ordem de 98,5%, valor médio apurado com a análise de três dos 30 processos.
Mantidos sem correção, os processos geram um prejuízo para o Estado equivalente ao orçamento estadual de um ano, ou R$ 14 bilhões: o orçamento do governo em 2018 é de R$ 16,8 bilhões.
Já em 2016, a Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ, após sobre a inspeção no TJES, apontava nos processos dos precatórios da trimestralidade “erros materiais como anatocismo (cobrança de juros sobre juros) que impactaram inevitavelmente o pagamento de valores indevidos e prejuízos para o erário. …”.
Em 2012, Pedro Feu Rosa, então presidente do TJES, iniciou as gestões que resultaram em convênio, assinado em 2014, do órgão com o Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCES). O trabalho realizado com apenas precatórios mostravam a ameaça que paira sobre as contas do Estado.
Mas, mesmo com recomendação do TCES neste sentido, não houve nenhuma nova análise para calcular o valor real a ser pago aos beneficiados dos precatórios da trimestralidade. Com os processos transitados em julgado, só não houve o pagamento dos valores astronômicos, pois houve suspensão do pagamento pelos tribunais superiores – o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF).