Basta um pequeno deslize no horário de aplicação do fumacê para que uma verdadeira tragédia ambiental ocorra no minúsculo universo dos pequenos insetos.
O fumacê mata abelhas sem ferrão, abelhas com ferrão, borboletas, mariposas, besouros e inúmeros outros pequenos insetos, inclusive mosquitos, sendo que esses, porém, são mais resistentes ao veneno. “Eles começam a rodar, tontos, depois morrem”, descreve o meliponicultor Rogerio Caldeira, do Meliponário Emparede, no bairro Santo Antônio, em Vitória.
Uma prova da já conhecida fragilidade da entomofauna urbana ocorreu, na capital capixaba, na última quinta-feira (6), quando o carro do fumacê circulou depois das seis da manhã. Nesse horário, com o dia já claro, as abelhas sem ferrão – abelhas nativas, do gênero Melipona – saem de suas caixas e morrem ao entrarem em contato com o inseticida.
Rogerio conta que conseguiu recolher apenas alguns punhados de abelhas mortas, que conseguiram chegar até as caixas, lá fenecendo. A maioria morreu no caminho. “As abelhas sem ferrão voam até 4,5 km, então, dependendo do local em que tiveram contato o fumacê, elas não conseguem chegar nas caixas”, explica.
Em seu meliponários existem 30 caixas, com três mil a cinco mil abelhas em cada. As principais espécies são uruçú amarela, mandassaia e jataí, sendo que a maior mortandade acontece entre as uruçús-amarelas e as mandassaias. “A minha sorte é que as aplicações são mensais ou a cada dois meses. Se perpetuar toda semana, em um mês eu perco todas as colmeias”, calcula.
Alertada sobre o perigo, a Prefeitura de Vitória chegou a estabelecer um acordo com os criadores de abelhas sem ferrão, por meio da Associação dos Meliponicultores do Espírito Santo (AMES), há cerca de um ano e meio, para que a aplicação do inseticida ocorra no período noturno, quando, ao menos as abelhas sem ferrão, estão recolhidas em suas caixas.
O ideal, esclarece o criador, seria não ter o fumacê. “É complicado pra saúde humana, é questionável. E é um prejuízo muito grande pra natureza”, afirma. “Mas a gente entende que é uma ação difícil de eliminar, até pela dengue. E nessa época do ano gera muito voto, muita demanda para os vereadores. Então a gente pede que ao menos respeito ao horário acertado”, argumenta.
Apesar do acordo feito com a Secretaria Municipal de Saúde, muitas vezes quem está na ponta do processo, não cumpre o cronograma. “O operador do fumacê costuma mudar esse combinado”, diz.
As abelhas sem ferrão, do gênero Melipona, são nativas da Mata Atlântica e excelentes polinizadoras. Produzem mel em menor quantidade que as europeias ou africanas, com berrão, do gênero Apis, mas com qualidade maior – são méis mais nutritivos e com mais propriedades medicinais, além de muito saborosos. Por sua elevada capacidade de polinização das espécies nativas da Mata Atlântica, são animais fundamentais para a recuperação florestal, seja no meio rural ou mesmo urbano.
Por isso, o Meliponário Emparede trabalha fortemente a conscientização para que as pessoas cuidem de seus quintais e varandas, evitando mosquitos, principalmente os vetores de doenças, como a dengue, para que a necessidade de fumacê deixe de existir. E que criem abelhas sem ferrão, para tornar as cidades, campos e florestas, mais biodiversos. Daí o motivo do lema: “Crie abelhas, não crie mosquitos”.